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Observatório | Peru: a crise política por trás da onda de protestos

A crise política no Peru, agravada após sucessivos processos de impeachment e renúncias de presidentes, deu voz aos jovens manifestantes que, desde o dia 9 de novembro, tomaram as ruas peruanas, no que foram descritos como os maiores protestos no país em duas décadas. A geração bicentenária — que recebe esse nome por causa do …

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A crise política no Peru, agravada após sucessivos processos de impeachment e renúncias de presidentes, deu voz aos jovens manifestantes que, desde o dia 9 de novembro, tomaram as ruas peruanas, no que foram descritos como os maiores protestos no país em duas décadas.

A geração bicentenária — que recebe esse nome por causa do aniversário de 200 anos da independência do país no próximo ano — faz acusações contra a corrupção dos parlamentares e luta para que seja escrita uma nova Constituição.

As manifestações foram duramente reprimidas pela polícia peruana, deixando pelo menos dois mortos e dezenas de feridos. 


Quatro presidentes em menos de três anos

A conturbada conjuntura política peruana começou em 2016, com uma vitória acirrada de Pedro Pablo Kuczynski (PPK) contra Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, que em 2009 foi condenado a 25 anos de prisão por mortes e sequestros durante o seu governo. No Peru, a maior parte do Congresso é fujimorista e, desde o início de sua gestão, PPK enfrentou obstáculos em sua governança.

Em dezembro de 2017, o Congresso peruano deu início ao primeiro processo de impeachment contra PPK, após o presidente ser acusado de ligação com os escândalos de corrupção da construtora brasileira Odebrecht. Na ocasião, os votos necessários para a deposição não foram atingidos e o presidente não teve seu mandato cassado. Mas, após três meses da primeira votação, foi aberto um novo processo de impeachment. Em meio à crise política, PPK renunciou e seu vice-presidente, Martín Vizcarra, assumiu a presidência do país.

Vizcarra teve que enfrentar os mesmos problemas de seu antecessor com o Legislativo. Em setembro de 2019, o presidente anunciou a dissolução do Congresso e convocou novas eleições parlamentares. No início deste ano, houve a eleição de um novo Congresso, agora sem a maioria fujimorista.

Porém, a situação política peruana continuou instável. Vizcarra foi acusado de envolvimento em dois esquemas de corrupção e, em 2020, passou por dois processos de impeachment: o primeiro, que aconteceu em setembro, pelo qual conseguiu escapar, e o segundo, que o destituiu no início de novembro. Em seu discurso de despedida, Vizcarra nega ter recebido propina e afirma estar “partindo com a consciência limpa e com o dever cumprido”.

No dia 10 de novembro, Manuel Merino, líder do Congresso, assumiu a presidência do Peru. Alguns críticos viram a ação como um “golpe disfarçado” e a população foi às ruas pedindo o retorno de Vizcarra. Merino teve seu apoio enfraquecido após a repressão violenta às manifestações e, cinco dias após tomar posse do cargo, renunciou seu mandato. Após o pronunciamento do presidente, as ruas de Lima foram tomadas por manifestantes em clima de comemoração. 


As manifestações

Sophia Barbieri, de 25 anos, estudante peruana de Interpretação e Tradução, explicou que o descontentamento com a ação do Congresso não se dá por conta de um apoio a Vizcarra, mas, sim, pelo contexto em que o país se encontra. 

Segundo levantamento feito pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, o Peru é o país com a maior taxa de mortes per capita por Covid-19 em todo o mundo e a crise sanitária agravou a crise político-econômica. O povo peruano acredita que não vale a pena inflamar a delicada situação política tirando o presidente do poder, visto que faltam poucos meses para a eleição. “Estamos no meio de uma crise! São só cinco meses, deixe-o ficar! Vocês podem acusá-lo depois, isso vai acontecer de qualquer forma”, diz Sophia.

De início, os protestos não foram levados a sério, especialmente porque a maior parte dos manifestantes eram jovens em idade universitária. “Ninguém esperava que o povo fosse se erguer”, diz Sophia. A “geração de cristal”, porém, não se deixou abalar e cada novo protesto atraía mais pessoas do que o anterior. 

Jovens manifestantes nas ruas do Peru
Jovens manifestantes nas ruas do Peru [Imagem: Reprodução/Twitter – @Jelly041]
Na quinta-feira (12) houve a maior manifestação até então. A estudante conta que seus colegas da Universidade San Martín de Porres estavam lá. “Em um momento eles estavam protestando pacificamente, e no outro havia gás lacrimogêneo por todo lado. Eles me disseram, ‘posso estar errado, mas juro que ouvi tiros’”, comenta.

Manifestantes protestam contra Merino com a bandeira do país
Manifestantes protestam contra Merino com a bandeira do país [Imagem: Reprodução/Facebook @gloriamontenegrof]
Sophia, que participou apenas de protestos menores por medo de expor seus avós, com quem mora, ao coronavírus, conta que não conseguiu dormir naquela noite. “Meus amigos não atendiam o telefone, pois não havia sinal, não conseguimos nos falar. Foi horrível, eu estava muito nervosa”, lembra. 

Quase imediatamente, vídeos que mostram a polícia atirando nos manifestantes com balas de borracha à queima-roupa começaram a circular na internet, deixando a estudante ainda mais preocupada pelos amigos. Centenas de pessoas ficaram feridas e, no sábado (14), Inti Sotelo e Bryan Pintado, de 24 e 22 anos respectivamente, se tornaram as primeiras casualidades.

Esse ocorrido motivou Sophia a escrever em seu Tumblr, rede social semelhante a um blog, sobre o que estava acontecendo, na esperança de chamar a atenção internacional para seu país. Ela não foi a única a tomar esta atitude. Páginas como a Peru Translated, no Instagram, estão se dedicando a encontrar esses relatos e informações e divulgá-los para o maior número de pessoas possível, traduzindo-os para diversos idiomas.


O futuro

Na última segunda-feira (16), o Congresso do Peru elegeu como presidente o deputado Francisco Sagasti. Eleito por ampla maioria no Parlamento, ele deverá assumir o cargo até abril de 2021, para quando estão previstas as eleições presidenciais no país.

Quando questionada sobre sua visão para o futuro do país, Sophia admite estar esperançosa, mas sabe que os problemas ainda existem. “Podemos ter esperança, mas isso não significa que iremos seguir um presidente, ou qualquer outro político, cegamente de novo”, critica. Para a estudante, a primeira mensagem de Sagasti como presidente ter sido acompanhada das famílias de Inti e Bryan significa que eles foram ouvidos e que seus líderes aprenderam com seus erros.

Em menos de uma semana os jovens deixaram de ser a geração de cristal e se tornaram a geração bicentenária. “Isso irá marcar minha vida para sempre”, conta ela. “Nunca deixe ninguém te dizer que protestar não funciona. Porque funciona. Porque funcionou. Nós conseguimos em seis dias. No Chile, levou um ano. Mas eles conseguiram. Você pode, nós podemos, se nos unirmos”, finaliza.

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