May premiê e os riscos de um “no deal”
Não é novidade a questão Brexit derrubar um primeiro-ministro britânico. Em 24 de junho de 2016, David Cameron, até então líder do Partido Conservador, renunciou ao cargo após referendo que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia. O ex-premiê, a favor da permanência no bloco, deixou a posição afirmando que a negociação de retirada deveria ser iniciada por um nova liderança.
A escolhida para ocupar o cargo foi Theresa May. Ela, que fazia parte da Home Secretary (análogo a casa civil) do governo Cameron, superou Boris Johnson na corrida pelo posto e tornou-se líder do Partido Conservador. “May se posicionava à esquerda do Partido, mantendo um olhar mais inclinado às políticas sociais em combinação com uma economia de livre mercado, além de uma contemplação mais leniente às tradições e costumes, feito seu apoio ao matrimônio de pessoas do mesmo sexo”, conta o pesquisador Wellington Souza sobre o posicionamento que levou May ao cargo de premiê.
Apesar de contra o Brexit, ao assumir o cargo de primeira-ministra no dia 11 de julho de 2016, Theresa teria pela frente, como maior missão, conduzir a retirada do Reino Unido da União Européia – visto que a saída do bloco sem um acordo poderia trazer consequências graves à economia do país. Entre elas, retenção massiva de produtos nas fronteiras, queda do Produto Interno Bruto (PIB), perda de contribuições econômicas oriundas das instituições europeias, redução da liquidez dos investimentos domésticos britânicos e muitas outras.
As controvérsias e o congresso
May, então, iniciou as primeiras tratativas visando criar um texto que fosse aprovado pelo parlamento do Reino unido. Para isso, ela teria de romper com todas as divergências entre o congresso britânico e a União Europeia. “Os principais entraves do acordo sobre o Brexit envolviam a definição sobre a fronteira terrestre com a Irlanda, condições específicas para depósitos e transferências entre as instituições financeiras do bloco e da Grã-Bretanha, além dos direitos de residência e circulação dos cidadãos britânicos nas instituições europeias”, disse Wellington sobre as pautas que deveriam ser solucionadas na tratativa da premiê.
Entretanto, a falta de clareza e publicidade na composição dos termos de saída não permitiu que diferentes segmentos do Partido Conservador opinassem e, portanto, apoiassem a primeira versão do acordo. Tal falta de articulação seria a primeira peça derrubada em um efeito dominó. A desconexão e subsequente rejeição parlamentar do acordo proposto por May influenciou nas negociações seguintes com as lideranças europeias, retirando da premiê a credibilidade necessária para aprovar novas versões do acordo.
O pesquisador analisa a postura de May durante o processo supracitado dizendo que a consideração de uma saída sem acordo por parte da premiê permitiu que setores mais extremos do Partido Conservador apoiassem essa agenda. Além disso, diz ele, houve falta de consideração dos feedbacks e comentários dos parlamentares por parte dela, o que prejudicou a negociação. por fim, pontua ele, “A avaliação negativa de sua popularidade, perdendo assentos de parlamentares conservadores ao convocar uma eleição geral em 2017, sem sinais claros do apoio popular ao seu governo”.
O estopim
As tentativas de aprovar os Brexit se sucederam assim como os fracassos no parlamento. A premiê, então, no dia 27 de março deste ano, anunciou que deixaria o cargo assim que o acordo fosse aprovado pela UE – nas palavras da própria: “Eu estou preparada para deixar este trabalho mais cedo do que eu pretendia para fazer o que é certo para nosso país e nosso partido”.
Somente parte do discurso de May se realizaria. Ela realmente deixaria o cargo nos dias subsequentes, porém sem aprovação do acordo no bloco econômico. Após o terceiro revés no congresso, ela, no dia 24 de julho, surpreendeu o mundo e tornou público que deixaria o cargo: “Eu fiz tudo o que eu podia para convencer os parlamentares a apoiarem esse acordo [do Brexit]. Infelizmente, eu não fui capaz de fazer isso. Eu tentei três vezes. Então, hoje eu anuncio que estou deixando a liderança do Partido Conservador e o governo na sexta-feira, 7 de junho. Então, um sucessor pode ser escolhido”.
Segundo Wellington Souza, este desfecho não foi totalmente inesperado, já que o desafio político do sucessor de Cameron seria gigantesco para qualquer um que assumisse, e inclusive, pontua ele: “Em certa perspectiva, também se especula que outras lideranças do Partido Conservador até aproveitaram Theresa May como bode expiatório nestes últimos três anos para verificação dos caminhos que não funcionariam com o Brexit”.
Os meandros do fim do governo May
É importante pontuar que o governo de Theresa May não se resume ao Brexit. A premiê durante seu mandato buscou reformar a infraestrutura da saúde pública, através de aumentos no orçamento desta, além de promover a reorganização no sistema de ensino. Contrariamente a esses aspectos positivos, May buscou reatar as relações com os Estados Unidos de Trump e a Rússia de Putin em um processo cheio de dificuldades e tensões. Ainda assim, nenhum desses pontos ofuscou o cansaço político gerado pelo acordo de retirada.
No momento da renúncia, a imagem pública da premiê foi prejudicada e severamente diminuída, devido este desgaste. Ela enfrentou os maiores índices de rejeição desde sua entrada e acabou por ser vista como uma líder fraca, já que não soube conduzir a saída da União Europeia. “A primeira-ministra não demonstrou possuir um bom traquejo na comunicação midiática destas negociações. Tanto por possuir um estilo menos impactante com suas aparições públicas quanto pela exposição negativa dos reveses das negociações mal sucedidas no parlamento e no bloco europeu”, comenta o pesquisador.
Somada a isso, a imagem dela, e da Grã-Bretanha como um todo, ficou fragilizada aos olhos do bloco econômico. O trâmite do projeto fragilizou a imagem de integração e união pregada pela UE e fez com que as relações dos órgãos supranacionais com o país sejam de interminável desgaste. Entretanto, as instituições europeias enxergam a renúncia da primeira-ministra como uma oportunidade de reverter este entrave e definir um ritmo mais categórico na conclusão dessas negociações.
Futuro das nações
A partir do anúncio da premiê, no dia 24 de maio, as oposições do Partido Conservador passaram a se posicionar a favor de novas eleições gerais pelo cargo. Sobre isso, Wellington comenta, “A ocorrência de uma nova eleição geral é bastante improvável, tanto pela oportunidade do futuro líder conservador governar até 2022 (caso não ocorra um voto de não confiança no parlamento) tanto pela falta de popularidade do Partido Trabalhista, que é impreciso no posicionamento em relação ao Brexit.”
O processo de posse será, portanto, semelhante ao de 2016 – um membro do Partido Conservador assumirá a cadeira. Tendo em vista a importância de uma negociação do Brexit por parte do sucessor, os principais candidatos são:
- Boris Johnson: favorito da situação, ex-ministro das relações exteriores, ex-prefeito de Londres e a favor do Brexit;
- Jeremy Hunt: atual ministro das relações exteriores e contra a saída do bloco;
- Amber Rudd: ministra do Trabalho, posicionada mais à esquerda do partido e contrária ao plano de retirada.
Vale pontuar que o Brasil será pouco afetado pela renúncia ou mesmo pela concretização do Brexit. A conclusão de autoridades e analistas é de que, caso aprovado o plano, serão abertas novas oportunidades de comércio para o Brasil no setor de commodities, já que o Reino Unido – ao contrário do restante da Europa – é historicamente a favor de uma economia liberal.
Excelente matéria, parabéns aos autores.