Por Breno Deolindo
No último 23 de junho, a população do Reino Unido foi às urnas para decidir em plebiscito algo de extrema importância: sua permanência na União Europeia. O lado vencedor foi o favorável à saída do bloco econômico (52% a 48%) e não há dúvidas de que essa mudança trará reflexos nos mais diversos âmbitos, tanto políticos como econômicos.
Um dos impactos mais populares, no entanto, será no antigo esporte bretão. É indiscutível que a Barclays Premier League ocupa uma posição de enorme influência e visibilidade no futebol mundial; muito dessa relevância se dá pelos “super-times” montados pela abundância monetária de alguns de seus clubes. Assim, é natural que os elencos sejam compostos por um alto número de jogadores estrangeiros, principalmente aqueles naturais de outros países pertencentes à União Europeia, já que as regras da Liga facilitam sua atuação por times ingleses.
As regras
Em 2015, o critério para que imigrantes de fora do bloco pudessem entrar em campo na Premier ficou mais rígido: atletas deveriam cumprir uma porcentagem de jogos representando sua seleção nativa. Para os países que estão entre a primeira e a décima posição no ranking da FIFA, é exigida uma participação de 30% nos jogos do time nacional; entre a décima primeira e a vigésima, 45%, e assim sucessivamente.
A mudança na regra tem o claro objetivo de incentivar os clubes a procurarem por talentos em suas categorias de base ao invés do exterior, consequentemente aumentando o orçamento dirigido a elas. A preocupação com a seleção inglesa fica evidente, pois o status de grande equipe que carrega há alguns anos não condiz com o futebol apresentado em campo, sendo o exemplo mais recente disso a eliminação para a Islândia na última Eurocopa.
Com o Brexit, a regra das porcentagens se tornaria válida também para as nações da União Europeia, o que a priori potencializaria ainda mais a mudança feita em 2015; contudo, existem algumas ressalvas. A primeira delas é a inelegibilidade de algumas estrelas da Premier League: o francês Dimitri Payet, essencial para a ótima campanha do West Ham na temporada 2015-2016, só conseguiu aparições regulares nos Les Bleus após se transferir para a Inglaterra; o mesmo se aplica aos compatriotas Anthony Martial e N’Golo Kanté.
Não obstante, jogadores menores de idade esbarrariam em burocracias da própria FIFA. A entidade proíbe a mudança destes de país, norma que era anulada pela livre circulação da União Europeia. Neste cenário, Cesc Fàbregas não teria jogado pelo Arsenal desde jovem – algo inimaginável nos dias de hoje.
O impacto
A Barclays Premier League é singularmente dominante no mercado futebolístico, isso porque os ingleses vendem seu produto como ninguém mais. A qualidade que se vê na abertura de cada jogo, nos posicionamentos alternativos da câmera e no aspecto visual da partida como um todo se aproxima do modo que os estadunidenses tratam seus esportes como o futebol americano e o basquete.
O poder midiático do Campeonato Inglês é inegável, e foi construído simultaneamente com suas ótimas equipes e contratações milionárias – um fruto de boas administrações. Além desses fatores, o comentarista dos canais ESPN Leonardo Bertozzi vê também o grupo de treinadores composto por nomes do calibre de Jürgen Klopp, José Mourinho e Pep Guardiola como o maior atrativo para a temporada 2016-2017. Caso haja efeito retroativo e atletas do nível de Payet forem proibidos de jogar, um enfraquecimento imediato na Liga, tanto na mídia, quanto no nível das partidas, seria inevitável no curto prazo.
Pensando no esporte brasileiro, é normal que vários times utilizem seus atletas de base ou, em caso de times com mais recurso, contratem destaques de clubes de menor expressão. A consequência disso é uma competitividade baixíssima no principal torneio nacional, os “azarões” são raros no país e a situação inglesa pode se tornar similar.
Ainda que não possam sair do país, os jovens futebolistas ingleses em equipes pequenas serão alvos prioritários para clubes em boa situação monetária e a evasão de jóias para Chelsea, Manchester City e Manchester United, por exemplo, seria iminente. Campanhas como a do título do Leicester City já são raríssimas e provavelmente seriam extintas após o Brexit.
O que diferencia o Brasil da Inglaterra é justamente o potencial midiático. O alcance do Campeonato Brasileiro é muito menor do que o Inglês, consequentemente, a média salarial e os contratos de patrocínio também serão. Em nosso país, jovens atletas com potencial são rapidamente vendidos para campeonatos que esbanjam capacidade financeira, mas de baixa relevância, como o Chinês e o Árabe.
A elite inglesa não teria esse problema, pois os jogadores já estariam num grande campeonato europeu, recebendo ótimos salários e dificilmente seriam seduzidos por ligas menores. Em longo prazo, portanto, a tendência é de que a garimpagem de talentos seja cada vez mais eficiente, reerguendo o nível da Premier League. Nesse mesmo passo, um longo e gradual processo de melhoria da seleção inglesa é esperado.
Por outro lado, Bertozzi está cético com relação a impactos no elenco nacional: “Acredito ainda que o excesso de estrangeiros na liga seja uma desculpa para os fracassos da seleção inglesa. Antes da Lei Bosman, quando os ingleses eram maioria nos clubes do país, os resultados da seleção também eram decepcionantes”. Entretanto, o futebol mundial sofreu enorme crescimento desde 1995, ano da aprovação da Lei Bosman, principalmente no espectro financeiro e tecnológico.
Analisando especificamente o Campeonato Inglês, o avanço monetário de clubes como Arsenal, Manchester City e Chelsea são notáveis, sendo algo que tem claro reflexo na preparação de seus atletas. Com melhores infraestruturas de treinamento, recurso disponível para a contratação de profissionais mais capacitados e compra de tecnologias avançadas, obviamente as categorias de base terão atletas superiores aos dos anos 90.
É certo que existe um longo caminho burocrático a ser percorrido para solidificar, ou não, essa gama de alterações. Bertozzi acredita que a solução é simples: “Bastaria ajustar as regras do visto de trabalho de maneira a manter os melhores jogadores estrangeiros acessíveis aos clubes ingleses”. De qualquer forma, uma incerteza paira sobre o futuro do Campeonato Inglês.