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Howay the Lads! O Newcastle United sai da fila de títulos

Com o título da Carabao Cup, após jejum de 70 anos, os Magpies sonham com um protagonismo cada vez maior no futebol inglês e mundial

Por Davi Milani (davimilanip@usp.br)

O Newcastle United conquistou o título da Copa da Liga Inglesa ao derrotar o Liverpool por 2 a 1 em Wembley e soltou um grito contido por muitas décadas: é campeão. Gerações que nunca experienciaram a sensação de vencer um campeonato pintaram o norte da Inglaterra de preto e branco. Com a memória dos que não puderam estar nesse momento e a sorte de uma nova leva de torcedores, que têm esse episódio eternizado em suas vidas, a certeza é uma: que a primeira vez nunca se esquece.

 “Foi o melhor dia da minha vida. E isso não é exagero algum.”

                                                             Karl Williamson, torcedor do Newcastle

Passeata do título em Newcastle upon Tyne, mais de 300 mil torcedores presentes [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

Tradição não se compra

O Newcastle é um clube que foi fundado no século 19, no ano de 1892, com a fusão de duas equipes locais: o Newcastle East End e o West End Newcastle. Anteriormente rivais na Liga do Norte, os times decidiram se unir após uma das equipes enfrentar problemas financeiros. Vários nomes foram sugeridos para o novo time, mas o escolhido foi Newcastle United.

O clube é tricampeão do Campeonato Inglês e coleciona 6 títulos da Copa da Inglaterra, o último sendo na temporada 1954/55. Na temporada atual (2024/25), 70 anos depois, o Newcastle volta a conquistar um título nacional.

Newcastle East End, antes das faixas pretas e brancas do uniforme alvinegro do Newcastle United, se preparando para um jogo da Liga do Norte [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

Não se torna, se nasce

 “Minhas duas filhas seguirem minha paixão, significa tudo. Significa tudo mesmo.”

Karl Williamson, sobre a paixão pelo Newcastle passada em frente

Uma das marcas registradas do Newcastle United é a sua torcida, conhecida por sua fidelidade e paixão. “É mais como uma religião no Norte, em Newcastle. Você se torna um torcedor no nascimento se você é da região”. Quem disse isso foi Karl Williamson ao Arquibancada, torcedor do Newcastle e membro do conselho do grupo Newcastle United Supporters Trust, comunidade de torcedores sem fins lucrativos com mais de 10 mil membros dispostos em 35 países. O Magpie concedeu entrevista e falou sobre pertencer a essa torcida: “É uma cidade de um time só, com uma base de fãs muito apaixonada, tanto em jogos em casa como fora. Especialmente como visitantes, os torcedores viajam o país, sempre esgotando os setores”.

Torcedores do Newcastle reafirmando sua fidelidade ao clube: “Nosso clube. Nossa casa. Nossa cidade” [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

Ao comentar sobre jogos memoráveis e o ambiente do St James’ Park, Williamson destacou um jogo contra o Paris Saint-Germain, válido pela Liga dos Campeões. “Para mim, não existem muitos clubes no futebol inglês que você terá uma atmosfera assim. Quando o Newcastle joga, os torcedores vão junto. Poucos clubes podem produzir algo do tipo, se tiver algum. Isso mostra o quão apaixonados são os Geordies”.

Na ocasião, a torcida fez uma grande festa e conduziu o time à vitória por 4 a 1. “É como uma religião. Eu não sou uma pessoa religiosa, à propósito. Mas, para mim, minha religião é apoiar o Newcastle”.

 Trecho da música Big River de Jimmy Nail, exposta na arquibancada pelos torcedores: “Newcastle é uma cidade poderosa, construída sobre solo firme” [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

O torcedor de 42 anos é pai de duas filhas e tem como motivo de grande alegria a comunhão dessa paixão pelo seu time com sua família: “Minhas duas filhas cresceram no Noroeste [da Inglaterra], entre Manchester e Liverpool. Minha filha mais nova é a única que torce para o Newcastle em sua escola, o que ela adora. A mais velha, sua família torce para o Manchester United. Por muitos anos não tivemos o que comemorar. Quando jogávamos contra algum time forte, sempre perdíamos. Agora estamos começando a vencer e está sendo ótimo ter essa virada”.

Além de toda essa mística que acompanha os Magpies, Williamson comentou sobre mais um trunfo da torcida: o St James’ Park. “Se você olhar a localização do estádio, verá que é num morro. Então tudo meio que te atrai para o estádio. Em qualquer lugar do centro de Newcastle você consegue meio que, se estiver acontecendo um jogo, ouvir os cantos e gritos”. Outro dado interessante é que o St James’ é o estádio com mais pubs (bares ingleses) num raio de uma milha, considerando todos os clubes da Inglaterra, e com certa vantagem para o segundo colocado. Nesse aspecto, a torcida terá sempre a primeira colocação para se orgulhar.

No eixo vertical, os times e seus respectivos estádios; no eixo horizontal, a quantia de pubs nesse recorte de uma milha [Gráfico: Davi Milani/Acervo Pessoal]

Acabou a espera: o Newcastle é campeão nacional após 70 anos 

Contando com uma recente eliminação na Liga dos Campeões, a derrota na Copa da Liga chateava, mas não abalava os torcedores do Liverpool, que ainda tinham no Campeonato Inglês as expectativas de um título na temporada – expectativas que acabaram sendo confirmadas. Se para um dos finalistas o campeonato era tratado como secundário, para o outro, não havia título mais importante.

Com uma campanha memorável, vitórias contra grandes equipes como o Chelsea, o Nottingham Forest e o Arsenal na trajetória até a final, o Newcastle teve a confirmação de um trabalho de longo prazo. Tudo começou com a aquisição do clube pelo Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF) em 2021 e a chegada do novo técnico Eddie Howe. Temporada a temporada, o clube se reforçou e melhorou seu elenco, que hoje compete entre os melhores do futebol inglês.

Torcedores mostrando apoio ao técnico. Escritos nas faixas: “Exército alvinegro de Eddie Howe. Faça de cada dia sua obra-prima” [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

Já no comando, Howe participou da contratação de grande parte dos protagonistas do título, como Sandro Tonali, Alexander Isak, Bruno Guimarães, Dan Burn e Nick Pope. O técnico também foi importante para recuperação de um dos mais importantes jogadores do time nas últimas temporadas: Joelinton. O até então atacante brasileiro chegou do Hoffenheim ao clube com o status de contratação mais cara da história dos Magpies: 40 milhões de euros.

O ex-técnico Steve Bruce ao lado de Joelinton, recém contratado [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

Joelinton chegou ao Newcastle em 2019, e não emplacou boas atuações. Com dificuldades para mostrar seu futebol, o brasileiro chegou a estar “no fundo do poço em termos de confiança”, como destacou Williamson. “A maior parte dos torcedores acreditou ter sido o maior desperdício de dinheiro da história do clube”, complementou. Tudo mudaria numa partida contra o Norwich, válida pelo Campeonato Inglês: após o zagueiro Ciaran Clark ser expulso, o técnico Howe teve que mudar o time e fazê-lo girar em torno do atacante, numa nova posição. Esse jogo ficou marcado entre os torcedores como o renascimento de Joelinton que, agora como volante, caiu nas graças da torcida, se tornando um dos melhores box-to-box do futebol mundial.

“Para ser honesto, ele é meu jogador favorito. Joelinton resume tudo que eu imagino que alguém do Nordeste [da Inglaterra] queira ver no seu time”, acrescentou Williamson. “O Nordeste é uma região bastante carente do país. Existem muitas dificuldades e pobreza. Quando um jogador que vem de fora se identifica com a cultura local, principalmente com a de Newcastle, seu patamar é elevado aos deuses”, disse o torcedor sobre a visível identificação do agora volante dos Magpies. O brasileiro renovou seu vínculo com o clube, que agora vai até junho de 2029.

Outro grande destaque da temporada e da jornada do título foi Dan Burn, autor de um dos gols que confirmou a vitória na final do campeonato e protagonista de uma história de superação. O garoto de Blyth, cidade do Nordeste próxima a Newcastle, foi desligado das categorias de base do clube aos 11 anos de idade.

Após receber portas fechadas do seu clube de infância, o garoto não desistiu do futebol, mas trabalhou anos em mercados enquanto jogava em categorias semi-profissionais. Um tempo depois, o Big Dan Burn, como foi apelidado pelos torcedores, pôde ser campeão pelo Newcastle, fazer um gol na final do campeonato, ser eleito o melhor jogador da partida. Tudo isso em menos de uma semana, aos 32 anos de idade. “Eu me sinto um líder dentro e fora de campo. Eu cumpro o papel. Creio que seja o melhor que posso fazer pelo time”, disse Burn, em entrevista à BBC.

Dan Burn comemorando o título. Dias após, realizou sua estreia na Seleção Inglesa, aos 32 anos [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

De Nordeste a Nordeste: a relação entre o Brasil e o Newcastle

No ano de 1987, em Wembley, o jogador da Seleção Brasileira, Mirandinha marcava um gol que mudaria sua carreira. Em sua estreia pela Canarinha, aos 36’, num rebote do goleiro, empatou o amistoso contra a Inglaterra, emplacando o placar que foi o placar final do jogo: 1 a 1. Esse gol levou o cearense Mirandinha a ser o primeiro brasileiro da história da liga inglesa, contratado justamente pelo Newcastle por 950 mil dólares.

Mirandinha prestes a enfrentar o Wimbledon no St James’ Park, 5 de setembro de 1987 [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

No mesmo Wembley, 38 anos após, Bruno Guimarães levantou o primeiro troféu nacional do clube em 70 anos. Apenas o segundo brasileiro campeão como capitão por um clube inglês, junto com Fernandinho – campeão pelo Manchester City.

“A razão pela qual eu creio que os brasileiros Joelinton e Guimarães se apaixonaram pelo clube, bem como os torcedores com eles, é a similaridade entre o lugar de onde eles vieram do Brasil com o Nordeste”, apontou Williamson. “Adoramos colocar nossas expectativas num jogador. E nós os adoramos logo de cara por causa dessa loucura, dessa paixão que eles têm. Bruno Guimarães ganhou uma disputa de bola num jogo de Liga dos Campeões e vibrou muito, e ele faz muito isso, só por ter ganho uma disputa de bola. E nós amamos isso”, explicou o torcedor

Bandeira em homenagem ao brasileiro Bruno Guimarães, que usa a camisa 39 dos Magpies [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

A jornada dos Samba Boys (Garotos-Samba), como os Magpies apelidaram os jogadores brasileiros, apenas começou dentro do clube. Joelinton, da Ilha do Retiro à Ilha Britânica, parece confundir os campos da Europa com as ruas que jogava futebol em Pernambuco. Guimarães é capitão aos 27 anos, e carrega a responsabilidade com louvor. Mirandinha foi o primeiro.

Os garotos, que marcaram seu nome na história do Newcastle, não serão os últimos. A relação entre o Brasil e os Geordies, apesar de tão distantes, parece de vizinhos próximos. Como se tivessem sido feitos de encomenda, a amizade ainda deve durar muito. De um Nordeste para outro.

Na esquerda, Bruno Guimarães. Na direita, Joelinton. Os brasileiros dividem a taça que acabavam de conquistar em Wembley, após a vitória sobre o Liverpool [Imagem: Reprodução/X:@NUFC]

Futuro do clube

Um dos impasses para o torcedor do Newcastle é o Fundo de Investimento Público (PIF) que é dono do clube. Num futebol cada vez mais inflacionado, a abertura ao capital saudita foi benéfica à equipe, mas a ética por trás é criticada. Grandes questões foram levantadas sobre a origem desse dinheiro, levando em consideração problemas com os direitos humanos que ocorrem na Arábia Saudita.

“É uma conversa difícil de se ter. Embora eu nunca fosse evitar falar sobre isso, sou torcedor do Newcastle United e estou aqui para apoiar meu time, como eu apoiei antes desses donos e apoiarei depois deles. Penso que no mundo do futebol, muitos dos clubes não são grandes exemplos na questão dos direitos humanos. No conselho [do Supporters Trust] debatemos sobre isso, estamos abertos para conversar sobre; mas não podemos parar de apoiar nosso time por isso”, disse o torcedor Williamson.

Após o título nacional e as recentes boas temporadas do clube, inclusive, presente nas principais competições europeias – como a Liga dos Campeões-, uma das intenções do Newcastle é crescer sua base de apoiadores internacionalmente. Todavia, essa questão preocupa alguns torcedores: “Será que o Newcastle perderia sua autenticidade nos termos dos principais torcedores? Um dos fatores que atraíram os compradores do clube foi seus torcedores e seu potencial de crescimento, mas não se deve colocar o lucro acima do bem-estar da instituição”, apontou Williamson.

“Eu quero ir jogo a jogo, pois estes últimos jogos serão como finais para nós. Os 14 anos do antigo dono fizeram eu achar que vamos sempre perder, mesmo que sejamos bons. Vai demorar um pouco para mudar essa mentalidade”.

Karl Williamson

O campeonato inglês está se encerrando, faltando poucas rodadas para o fim da temporada. O Newcastle mantém-se entre os primeiros colocados e está muito próximo de uma vaga na Liga dos Campeões, o principal campeonato de clubes da Europa. “Desde a chegada de Eddie Howe, estamos entre os times que mais pontuaram no campeonato. E apenas em três anos, ou seja, estamos melhorando e crescendo. Creio ser muito importante a classificação para a Liga dos Campeões pois, se classificarmos, isso ajudará a reinvestirmos no elenco”, destacou o torcedor.

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