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Coachella: a apropriação cultural que formou a moda nos festivais

Por meio de redes sociais, celebridades popularizaram estilo inspirado por elementos indígenas em eventos da década passada
Colagem com fundo vermelho estilo pop art, uma roda gigante preta ao fundo, palmeiras do lado esquerdo. No centro, há duas mulheres vestidas com roupas boho e no canto inferior direito existe uma foto da atriz Alessandra Ambrósio com um cocar na cabeça.
Por Pedro Lukas Costa (pedrolcosta@usp.br)

Cocares indígenas, acessórios com penas e pinturas faciais que remetem às feitas por povos nativos. Os itens constituem elementos típicos do estilo entendido por boho chic, que se popularizou a partir da década de 2000. Ele é inspirado, sobretudo, pelo estilo hippie das décadas de 1960 e 1970 e recebe influências de expressões culturais indígenas — sejam elas roupas ou outros adereços.

Do Lollapalooza, passando pelo Glastonbury, ao Coachella — no qual recebeu maior destaque — e impulsionado por influenciadoras em redes sociais focadas em fotos, a estética dominou os looks do público, em especial feminino, nos festivais de música da década de 2010. A inspiração hippie conferiu um tom descolado e associado a festivais como o de Woodstock, marco da contracultura na década de 1960 — que contestava valores e padrões culturais dominantes da sociedade.

Origem do estilo

O boho chic, nome curto para bohemian chic, surgiu durante a década de 1990. A inspiração veio do modo de vestir dos hippies — que motivaram o nome do estilo — , integrantes do movimento de contracultura da década de 1960 que defendiam um mundo mais harmônico e libertário. Os elementos indígenas foram incorporados a partir da referência aos povos nativos do oeste dos Estados Unidos, onde se localiza o estado da Califórnia. O boho ganhou maior popularidade durante a década de 2000 e difundiu-se como moda típica dos festivais de música ao longo da década seguinte.

Algumas de suas características mais marcantes são o uso de cores terrosas, como o marrom e terracota, além de estampas étnicas e florais, com acessórios que carregam penas, pedras, franjas e rendas.

Três mulheres usando roupas no estilos boho, caminhando em um festival
Kendall Jenner e Hailey Bieber vestem o estilo durante uma edição do Coachella [Imagem: Reprodução/The Mom Edit]

A apropriação cultural e os festivais

Foi a inspiração indígena presente na moda dos eventos que a tornou polêmica: alvo de críticas nas redes sociais por se enquadrar como apropriação cultural, sua popularidade foi reduzida a ponto de torná-la um conceito mais encarado como retrô do que tendência atual.

Entrevistado pela Jornalismo Júnior, o estudante indígena Jean Silva explicou o que define o conceito de apropriação cultural: “É a absorção desses elementos culturais dos povos tradicionais e populares e a sua transformação em uma mercadoria pela indústria cultural”. Segundo ele, há a retirada dos significados semiótico e existencial da cultura, ligados ao sentido que ela possui como símbolo da vivência de um povo, para ampliá-los a uma cultura de massa. O uso irrefletido desses itens, que os torna mais objeto comercial do que expressão autêntica da cultura dos povos ameríndios, faz com que ela seja estereotipada e massificada sem que haja respeito a esses grupos, comenta.

De acordo com Jean, o impacto da apropriação cultural sobre as populações tradicionais está relacionado com o “distanciamento das pessoas da cultura indígena”, além da “própria consciência do que é pertencer a esse povo”. Para ele, quando se apaga a memória desses grupos por meio da apropriação, ela é invisibilizada e associada ao passado, o que contribui para o etnocídio.

Perguntado sobre os casos em que o uso de elementos culturais dos povos pode ser aceitável e não entendido como ofensa ou apropriação cultural, o estudante explica que há situações em que roupas e acessórios são produzidos por indígenas, que são pagos e reconhecidos como produtores de sua arte. Um exemplo disso ocorreu em um show no Carnaval de 2023, quando a cantora Anitta vestiu uma roupa totalmente produzida por artesanato indígena, lembra Jean.

A propagação do estilo bohemian chic nos grandes festivais de música da atualidade, como é o caso do Coachella, em um contexto de grande exposição midiática — seja pela televisão ou pelas redes sociais — abriu espaço para discussões a seu respeito. Foi nesse contexto que a incorporação dos itens de origem indígena passou a ser questionada e gerou problemas para figuras públicas que eram conhecidas por, ano após ano, usarem looks baseados no boho.

Vanessa Hudgens, atriz estadunidense conhecida por seu papel em High School Musical (2006) chegou a ser chamada nas redes sociais de rainha do Coachella por sempre marcar presença no evento. A artista foi alvo de críticas em várias edições do festival por vestir roupas e acessórios que incorporavam aspectos da cultura dos ameríndios, como penas, joias e pinturas no rosto.

Em 2014, Alessandra Ambrósio, modelo brasileira da Victoria’s Secret conhecida no meio internacional, postou em seu Instagram uma foto vestindo um acessório em sua cabeça com a seguinte legenda: “Ficando mais inspirada para o Coachella com esse cocar indígena maravilhoso”. A postagem gerou inúmeros comentários negativos sobre a atitude da modelo, que foi acusada de apropriação cultural.

Modelo Alessandra Ambrósio usando um cocar grande.
Alessandra Ambrósio foi muito criticada pelo uso da peça, mas mantém a imagem no perfil há mais dez de anos [Imagem: Reprodução/Instagram/@alessandraambrosio]

Ao longo dos anos, outras celebridades também foram criticadas por esse estilo, como foi o caso da também modelo Kendall Jenner e de Selena Gomez, atriz e cantora.

A internet como propagadora de tendências

Entre o final da década de 2000 e a metade da década de 2010, o público jovem viu surgirem e se popularizarem as redes sociais na internet, fossem elas em texto (a exemplo do Twitter/X) ou em fotos (como o Instagram, o Snapchat e o Tumblr). Essas comunidades virtuais se tornaram espaço amplo de relações entre diferentes pessoas, no qual certos usuários podem determinar tendências e referências para outros. 

É o que explica Cláudia Vicentini, professora do curso de Têxtil e Moda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Ela conta sobre o “discurso de autoridade” nessas relações: “São essas influencers que têm milhões de seguidores e esse fato é como algo que diz que elas sabem do que estão falando e que podem ser seguidas, porque entendem do que estão falando”. A docente ainda destaca o aspecto ilusório desse fenômeno: “É óbvio que isso não é real, mas é o que parece.”

Cláudia afirma que, a partir desse processo, a moda segue um padrão de disseminação “de cima para baixo”: “Eles [influenciadores] dizem o que é moda e o que não é e o que se deve usar ou não.” Dessa forma, de acordo com a especialista, o público passa a gostar dessas regras pela falta de exigência do pensamento e por garantirem sua presença dentro de um padrão e de grupos em que se deseja estar. 

Segundo ela, as redes sociais, na atualidade, tomam o lugar de influência que antigamente era ocupado pelas revistas, que tornavam referência para o público o que as estrelas de cinema e televisão — hoje substituídas pelos criadores de conteúdos ou pelos influenciadores — vestiam.

Possível retorno da tendência em 2025?

Após alguns anos em baixa, o estilo boho chic deve voltar a ganhar espaço neste ano. Dessa vez, com um uso menos intenso de tons terrosos, que pode dar lugar a cores mais vibrantes como o azul. As estampas geométricas também devem receber destaque, em conjunto com os tradicionais desenhos florais.

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