Lara Cáfaro (laracafaro@usp.br)
Dayana Molina, a primeira mulher indígena a se destacar na moda brasileira, cresceu ao lado das irmãs em contato com histórias e canções em sua língua ancestral, transmitidas por sua avó materna, uma mulher indígena nordestina. Essa conexão familiar é a maior fonte de inspiração para Dayana, além de ser o ambiente no qual aprendeu a costurar.
Atualmente, ela promove a diversidade e a moda sustentável por meio de sua marca, Nalimo, e é a criadora do movimento #DescolonizeAModa, que busca questionar padrões estabelecidos na indústria da moda.
Dayana Molina, vencedora do prêmio Glamour na categoria Empreendedora do ano, relembra a sua relação com a moda em uma entrevista para a Jornalismo Júnior. “A moda surgiu do lugar mais afetuoso da minha existência e o movimento ‘#DescolonizeAModa’ aconteceu quando comecei a escrever artigos que questionavam o mercado”, conta.
A estilista explica que críticas ao eurocentrismo e à falta de referências de beleza semelhantes à sua origem indígena fazem parte de seu trabalho: “Foi então que recebi convites para publicar em grandes veículos de comunicação, tanto no Brasil quanto no exterior”, explica Dayana.

[Imagem: Reprodução/Instagram/@molina.ela]
O Censo de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), revelou que a população indígena do Brasil atingiu 1.693.535 pessoas, o que representa 0,83% do total do povo brasileiro. Essa população é composta por aproximadamente 220 diferentes povos, cada um com suas particularidades e tradições.
Histórias como a de Dayana Molina são fundamentais para compreender a herança cultural indígena. Segundo a escritora Dorothy Schefer Faux, os indígenas utilizavam recursos naturais para produzir tintas e vestimentas, antes dos europeus chegarem ao Brasil, cujos conhecimentos os protegiam dos raios solares e refletiam a identidade de cada povo.
Entre a tradição e a sustentabilidade
O uso de peles de animais na moda remete ao prestígio da alta burguesia desde o século XVIII. Embora a técnica do animal print tenha se popularizado, a exploração dessa estética ainda persiste.
“Na minha última coleção, criei uma peça que foi exposta em Londres, e o trabalho foi totalmente artesanal, com uma renda feita na região do Cariri. São elementos que para mim fazem sentido.”
Dayana Molina
Para muitos grupos indígenas, o uso de materiais de origem animal em vestimentas está enraizado em tradições milenares. A caça — parte do cotidiano e da cultura — e a utilização de penas e peles em rituais mantêm viva a conexão com os ancestrais. Povos como os Tukanos, Baniwas e Piratapuias adornam seus cocares com penas. Já os Bororos utilizam peles de onça em rituais funerários.
A moda é um campo de luta por reconhecimento e valorização das culturas indígenas: “Desde que criei a Nalimo, quero passar uma mensagem de orgulho por minha ancestralidade. Minha missão na moda é fazer mais do que roupas, é construir um ecossistema comprometido com a sustentabilidade, a produção local e o fomento econômico e social às mulheres indígenas de várias nações e etnias”, comenta Dayana.

[Imagem: Reprodução/Instagram/@nalimo_____]
Para a designer Dayana, ser criadora de roupas é uma escolha que se entrelaça com sua origem indígena. De acordo com ela, ao produzir moda sustentável, há a construção de uma narrativa autoral que reflete suas vivências e experiências. “Eu vejo os processos criativos como processos de contemplação. Às vezes, estou olhando para o céu e criando uma estampa”, explica. Dayana revela que, por conta de sua forma de inspiração, “pode levar seis meses para construir uma peça que se tornará uma obra de arte”.
“Meus processos são muito artesanais, coletivos e femininos.”
Dayana Molina
A moda indígena no cenário nacional e internacional
A cantora e compositora Cayarí é uma das representantes dessa expressão cultural nos palcos. “É fundamental que essas roupas tenham mais representatividade nas mídias sociais. A moda tradicional indígena não é apenas uma expressão estética: ela carrega identidade, história e ancestralidade. Isso fortalece o combate aos estereótipos e incentiva a preservação dos saberes e técnicas, para que novas gerações possam se orgulhar de suas raízes”, afirma a musicista.

Dandara Queiroz, Emilly Nunes e Noah Alef são modelos indígenas que se destacaram no cenário internacional. Os jovens são agenciados pela WAY Model e já participaram de inúmeros desfiles, como a São Paulo Fashion Week.

[Imagem: Reprodução/Instagram/@noahalef]
O modelo Noah Alef, de ascendência Pataxó e Kariri-Sapuyá, ganhou destaque nas passarelas nacionais e internacionais nos últimos anos. Natural de Jequié, na Bahia, o jovem tem contratos firmados com marcas do Reino Unido, Itália, Espanha e Alemanha e utiliza sua profissão para conquistar representatividade na moda.
Na São Paulo Fashion Week de 2022, Noah tornou-se o recordista masculino da edição. O modelo participou de 15 desfiles de grifes como ÁLG, Isaac Silva, Handred, Misci, João Pimenta e Ponto Firme. Além disso, o jovem estrelou campanhas publicitárias e editoriais, como para a revista GQ Portugal, e fez uma participação especial no folhetim Verdades Secretas 2 (2022 – 2022). Sua trajetória inclui ainda desfiles para marcas internacionais, como Dsquared2 e Emporio Armani.
“As pessoas esperam que eu esteja sempre com roupas tradicionais. Embora eu as use, nem sempre quero me prender a essa imagem estereotipada dos indígenas. Minha identidade é muito mais ampla, gosto de me expressar de diferentes formas”
Cayarí

[Imagem: Reprodução/Instagram/@nalimo_____]
Formas de acesso à moda
Ao adentrar o universo criativo dos povos indígenas, encontra-se uma rica representação das cosmovisões de cada grupo, expressas em diversos suportes como cestos, cuias, cocares, saias e vestidos. Essas peças, adornadas com grafismos distintos, revelam a identidade étnica e cultural de seus criadores, além de refletir as relações com a fauna e a flora local. Cada item se transforma em um texto visual complexo, simbolizando a herança cultural de cada povo.
De acordo com a Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda (Abepem), mesmo após a invasão dos territórios, a violência colonial e genocídios culturais, as vestimentas indígenas continuaram a resgatar seus significados. A moda e o artesanato indígenas atuais adaptam-se a novas superfícies, como a roupa de tecido convencional. A cultura marajoara, por exemplo, incorporou o bordado e estabeleceu vínculos entre o passado e o presente, com tradições reinventadas para preservar a identidade.
“Atualmente, faço uma mistura de peças urbanas com criações de artesãos indígenas, resultando em figurinos únicos que uso nos meus shows. Essa combinação reflete tanto minha conexão com a cultura ancestral quanto minha vivência no ambiente urbano”, conta a artista Cayarí.

[Imagem: Cayarí/Acervo pessoal]
“Não se trata apenas de ser a primeira mulher indígena a atuar na moda; é sobre o propósito que me trouxe e me mantém na moda nacional. Isso vai muito além da minha individualidade, representa uma comunidade inteira.”
Dayana Molina