Jornalismo Júnior

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Tempo: um dos maiores enigmas da natureza

Da Teoria da Relatividade à Mecânica Quântica, entenda como a física e a ficção científica explicam o que é o tempo
 Por Clara Viterbo Nery (claravnery@usp.br) e Isabela Nahas (isabelanahas@usp.br

O que é o tempo? Um conceito como esse, tão presente na vida humana, parece não precisar de uma explicação. Atividades, pensamentos e até  memórias são guiadas e influenciadas pelo tempo, o que o torna uma das noções mais fundamentais no mundo. No entanto, mesmo sendo tão importante, esse segue sendo um dos enigmas mais intrigantes da natureza.

Diversas teorias e especulações foram cunhadas ao longo dos séculos para explicar o fenômeno do tempo e como ele é percebido em diferentes circunstâncias. Da Teoria da Relatividade à Mecânica Quântica, a física busca diversas formas de compreender e explicar o que é o tempo. E com tantas especulações, a ficção científica também aproveita o espaço para explorar esse conceito — seja com narrativas mais técnicas ou mais fantasiosas.

Primeira revolução: Teoria da Relatividade

A forma como o ser humano vê a realidade no planeta Terra é contínua, pois um minuto passa atrás do outro. Mas a ideia de tempo para a ciência mudou muito ao longo dos anos. Os questionamentos a seu respeito existem desde a Antiguidade, passando por Platão e Aristóteles e, na Idade Média, por Santo Agostinho. Mais à frente, na física clássica, Isaac Newton considerava o tempo como absoluto: uma linha constante, reta e independente. Nesse conceito, um segundo equivale a um segundo em qualquer lugar do Universo.

Por ser intuitiva e conclusiva, a teoria de Newton era a mais aceita para a física até o início do século 20. O que começou a mudar a percepção da academia foi uma nova teoria, publicada em 1915, que trouxe pela primeira vez a ideia de que o tempo pode ser, sim, variável. 

A Teoria da Relatividade de Albert Einstein introduziu a possibilidade de um tempo não contínuo, de forma que cada observador  teria o seu tempo próprio e que, para os observadores em movimento, o tempo passaria mais lentamente. A inexistência de um tempo absoluto imediatamente assustou as pessoas que estavam acostumadas com a linearidade temporal, mas a teoria de Einstein acabou sendo comprovada e se estabelecendo dentro da física moderna.

lustração do planeta Terra em um cenário de tempo não contínuo
 Embora lançada em 1915, a teoria de Einstein só foi aceita em 1919, após experimentos feitos no Ceará e na Ilha de Príncipe [Imagem: Reprodução/Freepik]

Em resumo, a Teoria da Relatividade fala sobre como, dentro do espaço-tempo, corpos celestes com diferentes massas têm variações de tempo distintas — ou seja, são relativos entre si.  A distorção que cada corpo gera dentro do tecido do espaço influencia também na percepção do tempo, de forma que, em diferentes partes do universo, o tempo é percebido diferentemente — mais lento para uns, mais rápido para outros. 

Um exemplo disso é as percepções de tempo de um astronauta no espaço e de alguém na Terra. Para aqueles que estão fora da órbita terrestre, o tempo passa mais rapidamente do que para quem continua em solo. No entanto, se o astronauta está viajando em um foguete em uma velocidade muito rápida, o tempo passa mais devagar para ele do que na Terra. Isso porque, quanto maior a aceleração, maior a distorção do tecido do espaço-tempo, gerando essa percepção aparente de lentidão

A Teoria da Relatividade e o conceito de tempo associado a ela, mesmo sendo comprovados, são muito abstratos para serem compreendidos de uma única forma. Por isso, muitos físicos e cientistas continuaram explorando o fenômeno do tempo por outras perspectivas que não só as apresentadas por Newton e Einstein, cercando ainda mais os enigmas do universo.

Segunda revolução: Mecânica Quântica

Se a Relatividade fala sobre coisas grandes e rápidas, a Mecânica Quântica concentra seus estudos em uma escala bem menor: atômica e subatômica. Sistemas físicos como átomos, elétrons, prótons e outras partículas microscópicas possuem um comportamento que só pode ser explicado a partir da física quântica. Por isso, quando estudam certos fenômenos, os cientistas descartam os efeitos da Relatividade.

Quântica vem do Latim (quantum) e quer dizer quantidade. Em 1900, o físico alemão Max Planck percebeu que alguns fenômenos poderiam ser explicados tratando a energia como pacotes, chamados de quanta. Já em 1905, Einstein aplicou esse conceito à luz e chegou à conclusão de que ela pode ser tanto uma partícula quanto uma onda. Tudo depende do observador e da forma de medição. 

Essa frase clássica de que “tudo depende” é o que mais intriga as pessoas quando se fala de quântica. Um experimento famoso  que explica melhor esse princípio é o do gato de Schrödinger. Em 1935, o físico Erwin Schrödinger criou um experimento teórico que consiste em colocar um gato em uma caixa fechada com um veneno e um átomo radioativo. A substância tóxica só é acionada caso o átomo decaia, cuja chance de acontecer é de 50%. A não ser que o observador abra a caixa, a chance de o gato estar vivo é de 50%. Portanto, o animal está em uma superposição de 2 estados: vivo e morto, simultaneamente.

Meme com o experimento de Schorodinger, que ironiza a incerteza sobre o gato estar ou não dentro da caixa
O experimento de Schrödinger é tão famoso que inspirou diversos memes na Internet [Imagem: Reprodução/Memedroid]

O conceito de tempo na teoria quântica vai contra o senso comum. Se para Newton e Einstein a ordem do universo é da causa à consequência, nessa nova teoria dois estados — ou tempos — podem coexistir. Assim, a ordem do tempo não é linear, mas um conjunto de probabilidades sucessivas, cujo resultado depende do observador.

“Tudo o que pode acontecer, acontece”

Hugh Everett

O tempo e a imaginação

É inevitável que interpretar conceitos físicos seja difícil para as pessoas. Definições como o tempo, que são extremamente subjetivas e fogem do senso comum, estão normalmente relacionadas à aprendizagem academicista, algo que as torna mais incompreensíveis do que realmente são. No entanto, quando a imaginação entra em jogo para tentar aproximar a ciência do público — especialmente nas interpretações de ficção científica — é comum que explicações mais criativas sejam desvalorizadas por não serem “cientificamente corretas” e afastem as pessoas de tentar, de fato, entender como os fenômenos ocorrem.

Mesmo assim, a relação entre a ciência e a imaginação é mais presente do que se imagina. Os cientistas são vistos como pessoas altamente intelectuais e racionais em suas formas de analisar a realidade. A simplicidade e homogeneidade que se espera da ciência não passa, na verdade, de um mito. A maioria das teorias, conceitos e princípios  possuem mais de uma explicação formulada e,  em diversas temáticas, a ferramenta mais utilizada pela ciência para discuti-las são as hipóteses — frutos diretos da imaginação.

Cientistas e pesquisadores durante toda a história recorreram a aspirações criativas para buscar diferentes percepções de um único fenômeno e, assim, continuar evoluindo dentro da ciência. O próprio Einstein foi um deles. 

Ilustração de Albert Einstein, que realizou as primeiras pesquisas na relatividade do tempo
Segundo relatos, a Relatividade e a velocidade da luz foram hipóteses feitas a partir de sonhos do Einstein [Imagem: Reprodução/GoodFon.com]

 Em entrevista ao Laboratório, o  Prof. Dr. Luiz Vitor de Souza Filho, vice-chefe do Departamento de Física e Ciência Interdisciplinar do IFSC/USP, comenta que a Teoria da Relatividade surgiu a partir da imaginação de Einstein. O cientista sonhou que estava em uma fazenda cheia de vacas, onde um fazendeiro ligou a corrente elétrica da cerca e fez os animais pularem. Para Albert, elas saltaram ao mesmo tempo, mas, para o fazendeiro, foi uma de cada vez. Por isso, Vitor acredita que a ficção e a ciência não estão tão separadas quanto geralmente se imagina. “No fundo, temos vários jeitos de expressar a imaginação”, diz. 

Ficção e viagem no tempo

Por mais que já tenham ocorrido grandes mudanças e descobertas com relação ao nosso Universo, ainda existem fenômenos que os cientistas não conseguem entender por completo. A dificuldade é a junção das principais teorias sobre o tempo e a energia: a Relatividade e a Mecânica Quântica. A ciência usa as duas para explicar diferentes circunstâncias. Porém, acredita-se que elas se anulam e, por isso, em cada situação, os estudiosos descartam uma delas e utilizam a outra. 

A relação entre a ciência e a ficção científica é uma via de mão dupla. Da mesma forma que a teoria precisa da imaginação, as ficções se apoiam na realidade para gerar, de forma criativa, uma nova narrativa que combine ciência e tecnologia com elementos fantásticos e imaginativos. Mesmo que nem sempre sejam cientificamente corretas, é muito comum utilizar narrativas ficcionais  para ensinar conceitos mais complexos para diversos públicos — afinal, falar sobre ficção científica também é falar sobre ciência. O aspecto mais lúdico é uma estratégia para tornar a história mais interessante ao espectador. 

Diversos roteiristas e diretores, então, aproveitam do embasamento teórico para construir as suas próprias “regras” do universo, explorando todas as possibilidades que o tempo e o espaço podem trazer. A escritora de fanfics de ficção científica, Ivy Luna, explica, em entrevista à Jornalismo Júnior, que a imaginação e a ficção, inclusive, ajudam a expandir os conceitos que se conhece e investigar além da teoria. “A ficção abre o caminho para ideias mais científicas, pois permite imaginar coisas que parecem impossíveis”, complementa.

Um exemplo é o filme De Volta para o Futuro (1985). No clássico da ficção científica, o adolescente Marty McFly viaja para o passado com uma máquina do tempo criada pelo cientista Doc Brown. A viagem é possível graças à alta velocidade que o carro de Brown alcança. Esse enredo é muito semelhante à teoria de Einstein, que defende que é possível viajar ao passado caso se ultrapasse a velocidade da luz. Porém, a física contemporânea declara a velocidade da luz como a máxima do Universo e, por isso, considera que essa teoria não é aplicável.

Pôster do filme "De VOlta Para o Futuro", uma fas ficções mais famosas sobre viagem no tempo
De Volta para o Futuro é um dos filmes mais populares de ficção científica no mundo [Imagem: Reprodução/GoodFon.com]

Além disso, mesmo que os cientistas não achem que voltar no tempo seja impossível, eles dizem que é complicado. O tempo parece ter uma direção preferencial, caminhando sempre para frente, para a desordem. A medida que define o grau de desordem das partículas de um sistema é chamada de Entropia. Para simplificar, quando se quebra um copo, os pedaços de vidro se espalham. Isso significa que a Entropia aumentou. Para voltar no tempo, seria necessário inverter essa preferência dos sistemas, ou seja, reduzir a Entropia, ou fazer o copo voltar ao seu estado anterior .

Outro exemplo é a série Stranger Things (2016). A narrativa, ambientada no ano de 1983, mostra as adversidades da cidade fictícia de Hawkins depois que uma menina com superpoderes abre um portal para outra dimensão — o Mundo Invertido — e um jovem desaparece. No decorrer dos episódios da primeira temporada, a possibilidade dos personagens viajarem entre dois universos é discutida através da teoria da interpretação de muitos mundos de Hugh Everett.

A teoria de Everett explica que existem universos paralelos iguais ao mundo em que vivemos,os quais contém infinitas variações dele. Para viajar entre mais de um universo seria preciso levar em conta a Teoria das cordas — a qual a série demonstra de forma prática através da analogia da “pulga e o acrobata”.

A pulga e o acrobata estão sob uma corda. A corda é a dimensão em que se vive e, como qualquer outra, tem suas regras. O acrobata, que seriam os humanos, só conseguem se movimentar para frente ou para trás, enquanto a pulga, que é muito pequena e foge do padrão corporal do humanos, consegue “quebrar” essas regras e, além de se mover igual ao acrobata, consegue viajar entre ou embaixo da corda — o que seria um outro universo.

Personagem da série "Stranger Things" que narra a história da pulga e do acrobata, que discute a viagem entre universos
“A Pulga e o Acrobata” é o quinto episódio da primeira temporada de  Stranger Things [Imagem: Reprodução/IMDb]

O exemplo da série explica bem como funcionaria a navegação entre mundos dentro da ficção, no entanto, fora dela, cientistas não consideram a Teoria das Cordas aplicável. Mesmo que esse modelo físico tenha embasamento na teoria da relatividade e na mecânica quântica,ele  lida com partículas ainda menores que um átomo, como quarks e léptons. Isso o torna impossível de se provar — o que o afasta de uma solução conclusiva e de uma real aplicação na física.

Por mais que já tenham ocorrido grandes mudanças e descobertas com relação ao nosso Universo, ainda existem fenômenos que os cientistas não conseguem entender por completo. A dificuldade é a junção das principais teorias sobre o tempo e a energia: a Relatividade e a Mecânica Quântica. A ciência usa as duas para explicar diferentes circunstâncias. Porém, acredita-se que elas se anulam e, por isso, em cada situação, os estudiosos descartam uma delas e utilizam a outra. 

O prof. Vitor de Souza afirma que, por enquanto, não há nenhuma pesquisa que conseguiu misturar esses conceitos. Todas as teses que tentam fazer isso, principalmente aquelas que falam de viagem no tempo e são frequentemente utilizadas na ficção científica — buracos de minhoca, multiversos, realidades paralelas — são especulativas. Mas  alguns fenômenos que as Ciências Naturais estão tentando explicar atualmente  podem ser o começo da junção das duas teorias.

Casos reais: buraco negro e matéria escura

Imagem de um buraco negro, fenômeno que distorce a relação entre tempo e espaço
A primeira imagem de um buraco negro no mundo é de 2019. Em 2023, o grupo PRIMO realizou uma melhora na resolução da foto  [Imagem: PRIMO/INSTITUTE FOR ADVANCED STUDY]

Teorizado pela primeira vez por Albert Einstein em 1915, um buraco negro é como um abismo. A sua gravidade é tão intensa que tudo que se aproxima dele é sugado, até mesmo a luz. Como nada é emitido por ele, seu centro é escuro. Por isso, os cientistas estudam esse fenômeno a partir do que há em volta: um anel formado pelos elementos que estão indo em direção ao meio. Alguns dos aspectos principais desse estudo são:

Horizonte de eventos:  ponto de gravidade muito alta, em que nem a matéria e nem a energia escapam do centro. Nada que entra dentro do “buraco” pode ser visualizado para além desse horizonte. É ele que os cientistas estudam.

Distorção do espaço-tempo: a formação do buraco negro ocorre quando uma grande quantidade de massa é comprimida em um espaço pequeno, como quando uma estrela massiva morre e colapsa. Isso resulta em uma densidade tão alta que o espaço e o tempo se curvam neles mesmos. Chamado de singularidade real, este é o aspecto mais emblemático do evento, porque desafia as leis da física conhecidas hoje.

Ilustração de matéria escura em escala de anos-luz
A primeira “imagem” da matéria escura teria sido divulgada em 2017 pela Universidade de Waterloo, mas, na verdade, a fotografia divulgada era apenas uma junção de inúmeras imagens para gerar um possível exemplo [Imagem: Reprodução/University of Waterloo]

Outro dos grandes mistérios do universo é a matéria escura. Detectado pela primeira vez em 1933 pelo astrônomo suiço Fritz Zwicky, esse conceito tem grande complexidade pelo fato de que ele nunca foi identificado como algo em específico, tornando-se um fenômeno sem solução. A matéria escura é como uma grande matéria que não emite luz, não tem campo magnético e nem carga elétrica e interage com outras através apenas da gravidade, sua única propriedade conhecida.

Configurar algo como a matéria escura é muito complicado pois ela não é palpável, mas diversos cálculos e experimentos realizados ao longo de décadas sugerem que a matéria escura compõe 85% de toda a massa do Universo. Sua força gravitacional seria a responsável por exercer a movimentação de estrelas e gases no espaço, fortalecendo a ideia de espaçamento entre corpos celestiais e constante expansão do universo. 

O que dificulta sua interpretação é justamente integrar a relatividade geral e a mecânica quântica, mas isso não significa que a busca esteja encerrada. Diversos experimentos continuam sendo realizados para formular propostas mais complexas sobre a matéria escura, e mesmo sem detecções diretas, eles podem trazer descobertas importantes para a compreensão do cosmos — e, quem sabe, alterar a forma como se entende a relação entre tempo e espaço. 

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