Por Gabriella dos Santos (gabriella.santos12@usp.br) e Isabela Slussarek (isabelaslussarek@usp.br)
Na última quinta-feira, 24 de abril, o Auditório Freitas Nobre do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicação e Artes, juntamente com a Jornalismo Júnior, sediou uma conversa com o jornalista investigativo e escritor três vezes campeão do Prêmio Jabuti de Literatura, Klester Cavalcanti, sobre o relançamento de seu livro “Dias de Inferno na Síria”, publicado inicialmente em 2013. Durante a palestra, o jornalista contou o que ocorreu durante os 6 dias em que ficou preso por militares do governo de Bashar al-Assad enquanto realizava uma cobertura sobre a Guerra Civil da Síria.
A conversa foi mediada pela diretora do núcleo de Eventos da Jornalismo Júnior, Louisa Harryman, e, ao final do evento, os convidados puderam fazer perguntas. Foi realizado um sorteio de exemplares da versão atualizada do livro ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura de 2013 com capítulos que documentam os desdobramentos da guerra após anos da passagem do autor pela Síria, como a queda do governo de Bashar al-Assad.
Tudo por um sonho
Formado em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, Klester começou sua trajetória profissional como correspondente da Revista Veja pela Amazônia, onde ganhou seu primeiro prêmio internacional de Melhor Reportagem Ambiental da América do Sul. Durante seus 30 anos de carreira, foi repórter de veículos como Estadão e IstoÉ, revista pela qual foi repórter correspondente na Síria, para cobrir a guerra em 2012.
Esse sonho era bem mais antigo. O jornalista explicou aos convidados que seu desejo de cobrir uma guerra o acompanha desde a faculdade. “Eu tinha um sonho, que era cobrir uma guerra. E na minha cabeça, só valeria a pena se fosse no Oriente Médio. Eu queria muito cobrir uma guerra no Oriente Médio”. Klester acrescenta que a decisão de ir até a Síria partiu da inquietação que sentia com a forma que o conflito estava sendo noticiado no Brasil e que seu objetivo era mostrar o lado humano da guerra.
“O que me incomodava era que todas as matérias [sobre a guerra] que saiam no Brasil, sem exceção, eram numéricas. Eu queria saber como a guerra afetava a vida das pessoas e nenhuma matéria mostrava isso.”
Klester Cavalcanti
Em 2012, Klester embarcou para a Síria com o visto de imprensa de apenas sete dias, que foi o permitido pela embaixada síria, e se tornou o único jornalista brasileiro a entrar na cidade de Homs, o epicentro da guerra na época. Quando chegou à cidade, foi surpreendido por militares de Bashar al-Assad que o levaram para a prisão onde ficou por seis dias apurando informações dos detentos sobre a guerra. Ao voltar para o Brasil, Cavalcanti começou a escrever a primeira versão de seu livro de sucesso, “Dias de Inferno na Síria”.
Antes da obra que lhe consagraria seu terceiro Jabuti, Klester escreveu outros dois livros que também levaram troféus na premiação em anos anteriores como “Viúvas da Terra,” de 2005, que retrata a história real de um assassino que matou quase 500 pessoas; e “O Nome da Morte,” de 2007, que reúne relatos de pessoas que sofrem com a violência agrária em todo o Brasil.

Com as mudanças que ocorreram desde que o livro foi escrito, Klester decidiu relançá-lo em uma versão mais atual. [Imagem: Isabela Nahas/Jornalismo Júnior]
O Inferno
O plano inicial do jornalista era de passar três dias circulando pela cidade e analisando o impacto da guerra no dia a dia da população. Nos outros três dias, acompanharia o combate do exército rebelde contra o exército do país. Ao chegar na fronteira da Síria, Klester foi obrigado a voltar para a capital, em Damasco, para se apresentar ao ministério sírio.
O Jornalista conta que sabia que, caso aceitasse a ordem, passaria a ser acompanhado por um agente do governo, o que o impediria de mostrar a situação do país: “o governo levava os Jornalistas estrangeiros para passear pela cidade, para verem que ‘não existia guerra’ no país”, afirma Klester. Ao ser parado no posto militar, os policiais fiscalizaram seus equipamentos de filmagem e seus documentos e o conduziram, com armas na cabeça, até um prédio do governo.
Klester lembra que foi obrigado a descer uma escada escura e estreita. Ele tinha certeza de que seria morto naquele instante. A única coisa que passava e se repetia na sua cabeça era uma passagem bíblica. Ao chegar no fim da escada, o jornalista sentiu uma forte pancada e pensou “Acabou, ainda bem que foi rápido e não doeu”, sentia que tinha levado um tiro e morrido. O que o jornalista não sabia era que seus dias na Síria só estavam começando.
“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo.”
Salmos 23, passagem bíblica citada por Klester
A pancada que sentiu não se tratava de um tiro, mas sim de uma batida de frente com uma porta de metal, que levava à uma delegacia improvisada, onde as pessoas eram condenadas e torturadas pelos militares. Após passar um dia nesse lugar, foi transferido para um presídio, onde ficou em uma cela subterrânea por seis dias, com cerca de 20 pessoas.
Ao questionar o motivo pelo qual estava preso, o jornalista afirma que soube que teria que esperar seus documentos serem liberados pelo governo, o que supostamente, duraria apenas um dia, mas acabou durando seis. Para Klester, a experiência de estar aprisionado foi única, um grande aprendizado.

Klester Cavalcanti foi responsável por publicar 10 livros ao longo de sua carreira. [Imagem: Isabela Nahas/Jornalismo Júnior]
Conselhos de um vencedor
Ao final do evento, houve um momento para o público questionar mais sobre a experiência que Klester vivenciou durante a guerra. Ao ser questionado sobre como conseguiu reviver todas as memórias para escrever o livro e contar em palestras, Klester respondeu que, em momento algum, as coisas que passou o traumatizaram. Por mais que alegue que passou por dias angustiantes e que não tinha mais esperança, também afirmou que presenciou experiências humanas ricas, bonitas e de muito amor. Para o autor, esse assunto é natural e a mensagem do livro é de respeito, fé, amizade e companheirismo.

Ao final do evento, Klester sorteou exemplares da nova versão de “Dias de Inferno na Síria”. [Imagem: Isabela Nahas/Jornalismo Júnior]
O jornalista também respondeu uma pergunta sobre como falar sobre uma cultura diferente. Ele alegou que o mais importante nesse tipo de trabalho é lidar com os fatos e não usar tantos adjetivos, pois a informação ajuda a quebrar os preconceitos. Para ele, é totalmente necessário que o jornalista estude a cultura e o lugar que lidará.
“As pessoas não têm que tolerar nada, pois quem tolera não respeita os outros e se sente acima do tolerado. Ninguém tem o direito de tolerar o outro. Você deve respeitar o outro como ele é.”
Klester Cavalcanti
Klester anunciou que está em processo de adaptar seu livro para o cinema, mas que ainda não existe uma data para esse lançamento.
[Imagem de capa: Isabela Nahas/Jornalismo Júnior]