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Observatório | Reino Unido: crise de combustível e de imigração

REINO UNIDO SE APROXIMA DE UM CONTROLE DO CAOS POLÍTICO GERADO PELA CRISE, MAS CONTINUARÁ ENFRENTANDO CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS DO BREXIT

Com comparações à crise energética de 1974, a crise de combustível que se iniciou no Reino Unido, no final de semana dos dias 25 e 26 de setembro, desencadeou brigas entre motoristas que passaram horas nas filas dos postos para garantirem os suprimentos. A situação é resultado da escassez de caminhoneiros para o transporte de gasolina e diesel.

O primeiro-ministro, Boris Johnson, estabeleceu medidas para o controle da crise, incluindo a emissão de vistos temporários para mais de 5 mil caminhoneiros estrangeiros, suspensão da lei de concorrência que impedia que fornecedores entregassem combustível a entidades comerciais competidoras   e arranjo de oficiais do exército para abastecerem os postos de gasolina. Brian Madderson, presidente da Petrol Retailers Association (PRA), disse à imprensa britânica que o controle da situação com militares não é fácil, já que os caminhoneiros são especializados e, devido aos caminhões tanque transportarem líquidos inflamáveis, as tarefas de carga e descarga são procedimentos feitos com cautela.  

Além da emissão de vistos temporários para caminhoneiros, também foram emitidos 5500 vistos para apicultores. As duas medidas buscam diminuir as dificuldades que o Reino Unido enfrentará durante as comemorações de fim de ano. É previsto que exista dificuldade em atender a demanda por entregas de produtos e por aves natalinas nesse período. Especialistas se dividem quanto à eficácia dessas medidas. O frio está entre os fatores que podem influenciar os resultados, uma vez que temperaturas muito baixas podem afetar questões de logística. 

 

Boris Johnson aparece usando terno e gravata vermelha apoiado em uma mesa, com a bandeira do Reino Unido atrás dele.
Boris Johnson, primeiro-ministro e líder do Partido Conservador do Reino Unido. [Imagem: Reprodução/Flickr]

Quais são as causas da crise de combustível? 

A falta de motoristas se dá em razão da pandemia de Covid-19 e, em grande parte, ao Brexit, que dificultou a liberdade de movimento entre as nações. Com as novas regras de imigração, postas após o rompimento das relações com os membros da União Europeia (UE), cerca de 20 mil motoristas, os quais voltaram para seus países de origem devido à pandemia, encontraram obstáculos para entrar novamente no Reino Unido. Além das comprovações legais de imigração, a burocracia para adentrar com caminhões de grande porte nos países é um fator que encarece o transporte e desestimula os profissionais.  

Segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Kai Enno Lehmann, outra dificuldade para atrair novos motoristas de caminhão locais é a conjuntura do trabalho, que envolve precárias condições sanitárias e pagamentos em desacordo com as longas jornadas. “E para um caminhoneiro, que viaja, [a pandemia] é um risco a mais”, complementa.

Lehmann afirma que enquanto o Reino Unido ainda fazia parte da União Europeia esses problemas eram mínimos, pois as regras para imigrantes não eram tão duras. Ele também diz que a questão é estrutural, visto que em países ricos o ofício é realizado por trabalhadores de países mais pobres e os moldes de comercialização no Reino Unido são fundamentados na mão de obra imigrante.  

 

Os impactos do Brexit  

Quando questionado sobre os efeitos que o Brexit ainda causa nos países europeus, o professor apontou que a situação entre o Reino Unido e a União Europeia é assimétrica em termos comerciais, visto que a UE consegue exportar para o Reino Unido livremente, dado que ele não está aplicando as regras que concordou durante as negociações sobre o acordo de livre comércio. Porém a União Europeia aplica todas as regras de exportação do Reino Unido para ela. “O Reino Unido hoje não consegue exportar produtos britânicos para o mercado europeu. A situação piorou por falta de motoristas e pelo fato de enfrentar uma ‘floresta’ de formulários para poder exportar. A União Europeia tem uma vantagem estratégica absurda em comparação com o Reino Unido”, declara.

 

Bandeira da União Europeia, azul escura com várias estrelas douradas formando um círculo, hasteada com um céu azul claro de fundo
Bandeira da União Europeia. [Imagem: Public Domain Pictures]
Kai Lehmann comenta que, apesar dos danos econômicos causados pelo Brexit, é improvável que haja qualquer dano político considerável ao partido que ocupa o poder, ao menos a curto prazo. Na opinião do especialista, a tendência é que a culpa por essa e outras crises seja transferida para outros agentes, como a União Europeia.  

Ele compara o apoio da população ao Brexit, especialmente a da Inglaterra, à torcida de um time de futebol: quando o time está indo mal, o torcedor vê a situação como uma oportunidade de reafirmar sua lealdade mantendo sua torcida. Também compara a atribuição de culpa à União Europeia à clássica “culpa do árbitro” atribuída pelos torcedores de um time quando esse é penalizado no jogo. 

 

Perspectivas de resolução 

Lehmann diz que, apesar da resolução pontual da crise de combustível, as crises geradas pelo Brexit não deixarão de ocorrer em breve: “Isso não se resolve de um dia para o outro. No caso do Reino Unido, a crise é estrutural e acho que vai continuar assim”.  

O especialista ainda opina que é preciso mudar as condições da indústria para torná-la mais atrativa a novos possíveis profissionais, como o aumento de salários e o afrouxamento das políticas de imigração. De acordo com ele, a emissão de vistos temporários para motoristas de caminhão não é atraente a longo prazo, porque os trabalhadores sabem que ela não será duradoura: “É, ‘tá, eu vou trabalhar para você até o Natal e depois você vai me deportar”’.   

 

Mapa do Reino Unido, que enfrenta a crise de combustível, com os países destacados em branco e o resto do mapa em azul claro.
O Reino Unido é constituído por quatro países: Escócia, Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
 

Ele comenta conjuntamente sobre possíveis soluções considerando a resistência do Reino Unido em modificar as políticas de imigrantes: “Você tem que mudar a percepção sobre essa profissão ou mudar toda a indústria logística. Depender menos de caminhoneiros, fazer mais [viagens] de trem, mais de avião etc”. 

Apesar dos problemas causados pelo Brexit e de discussões separatistas como as da Escócia e da Irlanda do Norte, mudanças políticas de curto prazo são improváveis. Com a crise de combustível se aproximando de uma resolução, o alvoroço causado pela escassez deve reduzir ou se extinguir e o apoio na Inglaterra às políticas atuais deve se manter firme. A longo prazo, no entanto, é possível que o Brexit contribua para a fragmentação da união entre os países. Lehmann acredita que o Reino Unido como existe hoje não existirá mais em 20 ou 30 anos.

 

*Imagem de capa: Reprodução/Pixabay

1 comentário em “Observatório | Reino Unido: crise de combustível e de imigração”

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