Por Felipe Saturnino (saturnofelipe.fs@gmail.com)
Sinuosa e estreita, a rua Japurá, bairro de Bela Vista, é observada com as extensas fileiras de carros ao lado de suas calçadas esburacadas e garotos em bicicletas aceleradas. Mesmo pelos defeitos de calçada, através dela passam, num hábito sedimentado, pedestres, deles muitos estrangeiros, andantes num só fluxo e em um único sentido. Este último fato pode ser facilmente elucidado: ao seu número 234, em discreta fachada bege, está o Centro de Referência e Acolhida de Imigrantes (CRAI), projeto com pouco mais de um ano que constitui iniciativa do poder público municipal.
Quando do século XIX, eram as hospedarias os apetrechos de recolhida dos imigrantes. Inaugurada às pressas em 1887 em função de epidemia na Hospedaria do Bom Retiro, a Hospedaria de Imigrantes do Brás, mais célebre delas, cerrou suas portas há menos de quatro décadas. A imigração de italianos, alemães, portugueses e espanhóis para o Brasil havia se acentuado. A importação de mão-de-obra estrangeira para cafezais paulistas conciliava os danos financeiros da desarticulação do sistema escravista com a sustentação da economia cafeeira e carregava consigo a ideologia do “embranquecimento da raça”, o “aprimoramento étnico” da população. A Hospedaria do Brás recolheu cerca de 2 milhões de imigrantes em seus 91 anos de vida e as instalações tinham de correios e dormitórios até agência de empregos para os residentes. Planejada sob a forma de E, o interior da casa de recepção tinha 10 grandes salas distribuídas por três pavimentos. A região tangia as linhas férreas inglesa e do Norte, facilitando o transporte dos imigrantes que aportavam em Santos. Hoje, em lugar da Hospedaria há o Memorial do Imigrante, no centro de São Paulo, que revive trajetórias de europeus de longínquas e recentes levas, mas também de africanos e latinoamericanos que custam a deixar forçadamente as terras de origem. Mas, se no caso das hospedarias, o responsável por suas criações foi o governo provincial, agora, é o próprio município de São Paulo, além do governo do Estado, a tomar as rédeas da situação. Esse protagonismo do municipal, segundo o coordenador de política de migrantes, Paulo Illes, é algo “inédito no mundo todo”.
Léa Francesconi, professora do departamento de Geografia da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), destaca uma conjuntura influente no fenômeno da imigração. A Itália, por exemplo, qual a Alemanha, atravessava um conturbado processo de unificação – por isso, aliás, diz ela, não eram “italianos”, mas sim “vênetos, genoveses, florentinos e sardo-piemonteses que vinham para o Brasil”. Tal acontecimento difere dos afluxos mais intensos hoje em dia de haitianos e bolivianos. Basicamente, são os desastres naturais e as paupérrimas possibilidades de manutenção e sobrevivência em seus países nativos, e não conflitos político-territoriais, que justificam a evasão deles. Estima-se que hoje, dentre haitianos e bolivianos e outros, existam 600 mil imigrantes na cidade.
À Rua do Glicério, centro paulistano, se situa a paróquia da Missão Paz, uma organização da ordem scalabriniana que data do ano 1939 na cidade e que logo de início foi responsável por abrigar imigrantes e refugiados. Do pátio da igreja repercutem vozes, entonadas em gramáticas e fonéticas castelhana ou francesa em maior número, dos que ali permanecem abrigados. No último ano, passaram por lá quase 7 mil deles, a maior parte haitianos (cerca de 4400). A segunda maior presença é atribuída aos bolivianos, com quase 660. A instituição, que possui longa afinidade com este tipo de trabalho, é um meio organizado da sociedade civil que provê a acolhida dos forasteiros: desde que o imigrante chega, ele tem direito a atendimento psicológico e médico e possibilidade de requerer a carteira de trabalho, além de regularizar juridicamente a sua situação e obter outros tipos de documentação necessários.
Entidades civis como a Missão Paz impactam a realidade da imigração. Não a ponto, porém, de remediar totalmente suas falhas. Associações do tipo não alteram, sozinhas, a política de migrantes. “Tem que lembrar o poder público do que ele deve fazer”, disse-me o padre Paolo Parise em entrevista numa sala de reuniões da Missão. Recostado à cadeira numa das extremidades de longa mesa de madeira, Parise fala das dificuldades burocráticas, organizativas, comunicacionais e legislatórias que impregnam a relação do imigrante com o país recebedor. “O Brasil, ainda hoje, está refém de uma legislação da época da ditadura militar, de 1980, que olha o imigrante como ameaça”, afirma ele com reminiscências do sotaque italiano.
Pós-doutoranda em Ciências Sociais pela FFLCH, Patrícia Tavares de Freitas incide sobre o mesmo ponto: “Temos uma legislação, de 1980, que repõe uma outra de 1967”, referindo-se ao Estatuto do Estrangeiro que, atualmente em voga, ainda reafirma os interesses dos tempos do condor. “Ele entende o imigrante como ameaça à segurança nacional e ao trabalhador nacional”. Contudo, com a Constituição de 1988, a situação do pós-redemocratização abre o compasso e estabelece uma oposição, inerente aos princípios da carta magna, com o Estatuto. Hoje, que bem se diga, está em trâmite na Câmara dos Deputados o projeto de nova lei da migração, de autoria de Aloysio Nunes (PSDB-SP), que já foi aprovada no Senado e procura revisar os defasados artigos do compêndio legal.
Sobre a atuação do Poder Público na questão migratória, Parise diz que “chamaria de política reativa em vez de proativa”. Da perspectiva municipal, porém, em comparação a administrações anteriores, os avanços do petista Fernando Haddad, para ele, são inegáveis: a criação da Coordenadoria de Políticas de Migrantes, comandada por Illes, no interior da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania (SDHC) da Prefeitura, sob direção do secretário Eduardo Suplicy, é um inevitável progresso. A política migratória se mostra bem definida no programa do governo Haddad na seção “Dignidade, cidadania e direitos humanos”, onde se fala da acumulação de informações e dados para subsidiar uma política de acolhimento e apoio aos imigrantes. O CRAI, citado no início desta reportagem, misto de referência e acolhida, integra o plano de metas do prefeito. “O Centro de Referência é um convênio administrado pelo Sefras (Serviço Franciscano de Solidariedade) com a SDHC”, afirma o seu coordenador-geral Paulo Amâncio, ao passo que o Centro de Acolhida é sustentado pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS). A parte da “Referência” atende de portas abertas e tem que ver com prestação de serviços – de advogados ou defensoria pública – aos imigrantes. A “Acolhida” tem 120 vagas, contando com apoio psicológico, além de advogados, defensoria pública, curso de português e, obviamente, a moradia.
A política reativa, porém, segundo Parise, é executada como resposta após um estímulo que invariavelmente parte da sociedade civil. Ele dá um exemplo: “Ano passado, 10 e 11 de abril, quando aqueles haitianos vieram do Acre, a prefeitura não tinha uma casa de acolhida. Nós começamos a acolher 300 deles, e depois pressionamos a prefeitura até que ela abriu espaço emergencial num prédio.” Só até maio deste ano, 7 mil haitianos haviam ingressado no país pelo estado setentrional. A inércia comunicacional é outro sintoma entre as partes do poder: à época, Haddad declarou que não houve aviso prévio do governo acreano à prefeitura ou ao governo federal de que os imigrantes viriam para São Paulo, que alimentou a tensão do ponto de vista organizacional e constitui outro fator que dificulta a vida imigrante na cidade.
Por telefone, Illes retrucou, ríspido, a fala do clérigo: “Em relação ao padre Parise, há uma coisa complicada, porque as declarações dele tem um viés totalmente político. Eu nunca vi o padre criticar o [governo do] estado de São Paulo.” O coordenador revisitou fielmente o dito do prefeito: “Quando veio aquela leva de haitianos, o governo do Acre não avisou a prefeitura, mas conversou com o padre. E o padre acolheu.” Ressaltando o pioneirismo da prefeitura, que, segundo ele, serve mesmo de exemplo à atual situação crítica na Europa com a imigração, Illes reforçou o protagonismo e o tipo da política implementada por Haddad, “reconhecida por imigrantes e não reconhecida por entidades que se acham donas dos imigrantes.”
Francesconi afirma que “Os haitianos constituem um fluxo migratório mais recente”. O movimento imigratório para o Brasil é jovem e foi acentuado em função de externalidades: desastre natural ocorrido no país em janeiro de 2010, em tremor que deixou 316 mil mortos, 330 mil feridos e 1,5 milhões de flagelados. Assim, o fluxo originou-se e incrementou-se.
Os bolivianos, porém, já constituem um acontecimento migratório de longa data. “Eles são invisíveis porque não recebem visto humanitário como os haitianos”, problematiza Tavares. Francesconi afirma que eles se inseriram de melhor forma na estrutura social brasileira, já que deixaram gerações por aqui em função do período longo da imigração. Tavares diverge: “Em função do nicho econômico que há, poderíamos falar de assimilação, se fosse um processo de imigração clássica. Porém, você pode encontrar gente que está aqui há 30, 40 anos e não sabe falar português”, e procede, “porque eles circulam entre lugares controlados pela bolivianidade, falam espanhol e ouvem rádio em espanhol”, conclui. A imigração que ocorre acentuadamente com os sulamericanos desde 1980, segundo a pós-doutoranda, se dá ao tempo no qual a mudança de país é sugerida como solução à situação crítica político-econômica que afetara o campo boliviano e outros setores. É um fenômeno distinto do haitiano por ser relativo às condições específicas de pauperidade material e econômica do povo, mecanicamente gerido por um circuito que liga a Bolívia a cidades como São Paulo e Buenos Aires. A imigração, no caso, é a oportunidade para um grupo muito marginalizado da sociedade boliviana de se “libertar” e delegar a exploração apenas a outro endereço. “Numa situação normal, pobre não migra, mas na Bolívia é muito fácil migrar para outros lugares: você já recebe quantia para se inserir e até pagam suas dívidas ou algo do tipo.”
Os bolivianos costumam ser empregados em oficinas de costura, elemento fundante desse circuito imigratório: indivíduos que são empregados em tecelaria no país de origem, muitas vezes por “recomendações” de familiares, são força de trabalho deslocada para outro país. “O ambiente familiar, às vezes, é aquele onde ocorre uma maior exploração”, conta a pós-doutoranda.
Perguntado se São Paulo era uma cidade por si só “fria” ou se má receptora dos imigrantes, Parise revirou os olhos para ressoar um “poderia ser melhor”.
No primeiro de agosto deste ano, entre dois ataques perpetrados por quatro homens num automóvel, um grupo de seis haitianos foi baleado em pernas e quadris às regiões da baixada do Glicério e na escadaria da Missão Paz, naquele mesmo pátio central paulistano que visitara há menos de um mês. Antes do vigoroso disparate, os executores de tal admirável façanha teriam bradado, soberanos: “Haitianos, vocês roubam nossos empregos!”.
Como tenho uma vida estavel aqui no Brasil, sou advogado e minha esposa bancaria, temos dois filhos Apesar dessa falsa estabilidade estamos estudando e nos dedicando para realizar a imigracao mas mesmo assim o medo nao passa muitas duvidas nao sabemos se realmente sera melhor temos medo por nossas situacao financeira ser ruim no Canada e as criancas nao se acostumarem mas estamos aplicados a conseguir esse futuro mais seguro para nossa familia.