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“Um beijo para o meu pai, para a minha mãe, e para a Xuxa”: Os programas de auditório na cultura brasileira

DAS TELAS PARA A VIDA: COMO ESSAS ATRAÇÕES IMPACTAM UMA ENORME AUDIÊNCIA

Do início de tarde dos sábados, ao pôr-do-sol dos domingos, eles são os responsáveis por reunir as famílias brasileiras em frente à televisão. Prendendo a atenção de adultos e de crianças nas telas e nos estúdios, com suas músicas animadas, bordões, piadas e jogos, os programas de auditório são parte importante da cultura popular audiovisual brasileira. Mas, como surgiu esse fenômeno, que, há tantos anos, repete a fórmula para o sucesso? Quem é seu público principal? Quais são os limites para a influência que exercem sobre a população? 

“Quem não se comunica, se trumbica!”

A história dos programas de auditório brasileiros remonta ao surgimento das primeiras emissoras de televisão, a TV Tupi, em São Paulo, e a TV Rio, no Rio de Janeiro. O principal programa desse período, Noite de Gala (TV Rio), foi o responsável por popularizar e concretizar o sucesso do gênero no Brasil. Apresentado por Luís Jatobá e Ilka Soares, o programa contou com a participação de atrações musicais renomadas no país, como Tom Jobim, João Gilberto e Maysa.

No mesmo período, quem também dominava as telas era a “rainha da televisão brasileira”, Hebe Camargo, a primeira mulher apresentadora de um programa de TV no Brasil. Camargo comandou o primeiro programa voltado ao público feminino no país, O Mundo é das Mulheres (TV Paulista), em 1955. Carismática e símbolo de beleza e de elegância para a época, ela assumiu o papel de apresentadora e de entrevistadora, trazendo pautas feministas em um cenário marcado pela hegemonia masculina na televisão. Pioneira na programação televisiva aos 26 anos, Hebe Camargo ainda apresentou diversos programas durante a carreira, passando por diferentes emissoras.  Mas, independente de onde estivesse, seu sorriso e suas “gracinhas” tão características eram presenças marcantes, além de seu talento para deixar seus entrevistados confortáveis em frente às câmeras. 

Ao final da década de 1950, a televisão brasileira foi responsável por consagrar um dos maiores apresentadores de programas de auditório: José Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Na TV Tupi, o “Velho Guerreiro”, homenageado por Gilberto Gil, apresentou a Discoteca do Chacrinha. Transmitida aos domingos, a atração contava com diversos concursos e apresentações musicais. Simultaneamente, o apresentador também comandava a Buzina do Chacrinha, programa de calouros, marcado pelo figurino colorido e pelo cenário surrealista, além de premiações e concursos inusitados. Chacrinha ainda era conhecido por seu carisma ao interagir com o público.

Na década de 1960, outra importante figura do entretenimento assumia a frente dos programas de auditório: o apresentador Silvio Santos. O Programa Silvio Santos, estreado na TV Paulista, durava quase 12 horas na grade da programação, sendo a atração mais bem paga da TV no período. Famoso pelos aviõezinhos de dinheiro que jogava para a plateia,  o apresentador fundou, vinte anos após sua estreia, a emissora SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), consagrada nacional após concessão do governo Figueiredo. A emissora de Silvio Santos se tornou uma das maiores do país até os dias atuais, sendo responsável por revelar outros apresentadores renomados e a produzir atrações de grande audiência. 

Para as crianças, os programas de auditório também tinham suas versões especiais. O Clube da Criança, destaque da TV Manchete, foi o pioneiro no gênero voltado ao público infantil. Revelando talentos como Xuxa e Angélica, o programa atraía os pequenos com suas cores, músicas e brincadeiras, além de transmitir desenhos animados. A então consagrada “Rainha dos Baixinhos”, Xuxa, era o fenômeno do período, e tornava a participação em seu programa um sonho entre as crianças, em especial entre as meninas, que vislumbravam as paquitas. Foi também no Clube da Criança‘ em que o meme “Aham, Cláudia, senta lá” surgiu. Em 1986, Xuxa assinou contrato com a rede Globo, transferindo seu programa para a nova emissora, com o nome de Xou da Xuxa. O impacto entre os pequenos também gerava influências comerciais: bonecas, CDs, fantasias da Xuxa e das paquitas se tornaram sucesso na época, grandes desejos de consumo entre os mais jovens. 

Além deles, os programas de auditório da televisão brasileira apresentaram ao público dezenas de talentos, muitos dos quais já faleceram, como Flávio Cavalcanti, Gugu Liberato e Edson Cury, o “Bolinha”. Há, também, outros que ainda continuam à frente de suas atrações, entretendo a plateia do estúdio e das casas brasileiras, como Faustão, Luciano Huck, Celso Portiolli, Eliana, Rodrigo Faro e Marcos Mion. 

“Fala, garoto!”

Além dos apresentadores, os grandes protagonistas dos programas de auditório são a própria plateia, que participa das atrações cantando, batendo palmas, entrando nos jogos e interagindo com as figuras no palco. Ao longo dos anos, com o crescente sucesso , o modelo desses programas foi se adaptando para trazer ainda mais a interação com o público. Nos anos 90, Serginho Groisman foi o pioneiro no formato em que a audiência presente no estúdio, composta principalmente por jovens e por estudantes, pode fazer perguntas aos convidados, com o Programa Livre, do SBT.

O fenômeno dos programas de auditório também foi o motor para o surgimento de um novo movimento, voltado àqueles que sonham em conhecer seu apresentador favorito e aparecer na televisão: as caravanas da plateia. Organizadas por pessoas com liderança comunitária que querem complementar a renda, as caravanas levam centenas de pessoas para os estúdios de televisão, onde elas têm a oportunidade de participar das gravações dos programas ou mesmo estar lá ao vivo. Algumas emissoras, como o SBT, fazem pagamentos para os produtores dessas visitas, que também cobram valores simbólicos entre dez e trinta reais para cada participante. 

A caravanista e microempreendedora Regiane Garcia, organiza e divulga as caravanas que faz pelo Facebook.  Atualmente, leva um grupo de 15 pessoas para a plateia da Hora do Faro, a maioria mulheres, acima de 25 anos, de média e baixa renda. Para Regiane, “o que mais atrai a participação dessas pessoas são os artistas que comandam as atrações, além do desejo de aparecer na TV.” De fato, os apresentadores desses programas acumulam milhares de seguidores nas redes sociais, muitos deles, fiéis telespectadores de shows televisivos. Rodrigo Faro, por exemplo, conta com 24,3 milhões de seguidores apenas no Instagram, enquanto Luciano Huck soma 20,3 milhões. 

Além disso, a interação dos apresentadores com o público é especial para quem sonha em chegar pertinho de seu ídolo. Muitos param para conversar com a plateia e agradecê-los pela presença durante os intervalos das gravações. Serginho Groisman é exemplo dessa troca, pois faz questão de cumprimentar os grupos de estudantes que participam do Altas Horas, perguntando de qual faculdade vieram e qual o seu curso. É a partir dessa simpatia e carisma que os quadros se tornam engraçados e divertidos, tanto para quem assiste de casa, quanto para quem está no estúdio. Apesar das longas horas de gravação, com poucas pausas, “o público grita, bate palmas, brinca; adoram participar!”, afirma Regiane Garcia.  

“Quem quer dinheiro?!” 

Vale tudo pela audiência? É um questionamento válido ao analisar o formato que alguns dos  programas de auditório tomaram ao longo dos anos. Da Banheira do Gugu, até o mais recente Vai dar Namoro, são muitos os quadros que ofendem minorias, perpetuam falas problemáticas e conteúdos inadequados para menores de idade, e são transmitidos no horário nobre da TV aberta, com pouca — ou nenhuma restrição. 

Para Ciro Hamen e Matheus Laneri, youtubers à frente do canal O Brasil que Deu Certo, que analisam e reagem a diversos programas da televisão brasileira, existe uma falta de responsabilidade social sobre esses programas, já que muito de seu conteúdo é apelativo e sensacionalista, visando à audiência. “Nós [da geração millenium] crescemos muito acostumados aos programas sem limites, talvez pelo contexto próximo ao final da ditadura militar. Muitos quadros assistencialistas, são exemplo disso, como aqueles do Luciano Huck, onde a humilhação do pobre também vem acompanhada da propaganda dos patrocinadores. Talvez exista uma vontade genuína de ajudar os participantes, mas tudo se resume à audiência e ao departamento comercial da emissora”, comenta Hamen e Laneri. 

Além da fetichização da pobreza, muito do humor produzido nos programas de auditório é baseado no preconceito com minorias sociais, especialmente contra as mulheres e os negros. Casos como o assédio de Dudu Camargo e de Silvio Santos à Maísa Silva, quando ela tinha apenas 15 anos, e o episódio de blackface no programa Hora do Faro, em XX anos, feito pelo próprio apresentador ao imitar a cantora Beyoncé, foram transmitidos no horário nobre da televisão aberta, assistidos e normalizados por milhares de pessoas. Apesar das pequenas polêmicas criadas na internet, no período em que foram exibidos, não houve nenhuma responsabilização dos apresentadores, ou mesmo das emissoras que veiculam as atrações. Faro, inclusive, repetiu a mesma prática abertamente racista, anos depois (2017) no mesmo quadro de seu programa, em apresentação com a cantora Joelma.

“Tá pegando fogo, bicho!”

Mesmo com a participação inegável dos programas de auditório na construção da cultura popular audiovisual brasileira, o futuro dessas atrações ainda é incerto. Com a popularização dos streamings e das redes sociais, a audiência da televisão aberta, em especial a dos programas de auditório, têm sido reduzida gradualmente. Exibições que, há poucos anos, batiam recordes de audiência, como as comandadas por Faustão  e por Silvio Santos, têm passado por crises no Ibope. 

Para Ciro Hamen e Matheus Laneri, a relevância dos programas de auditório está diminuindo gradativamente, junto com o envelhecimento da geração que não cresceu imersa na internet. “Acreditamos que a geração millenium é a última que ainda ‘perde tempo’ assistindo esse tipo de programa, datado para a nossa sociedade de consumo que vivemos atualmente. A gente não acha que as próximas gerações vão continuar consumindo esse tipo de conteúdo, mas eles ainda existirão, talvez evoluindo para outros formatos”.

A perda de público desses programas, frente à geração Z, já é visível por seus números. No dia 10/04/2022, A Hora do Faro bateu 5,1 pontos de audiência (2,6 pontos à menos que o pico que atingiu um mês antes), de acordo com o Painel Nacional de Televisão, contabilizando aproximadamente um milhão e quatrocentas residências assistindo à atração, que apostava na volta do quadro Vai Dar Namoro. O público de Faro, todavia, ficou para trás, comparada ao número de visualizações do canal do YouTube Cortes do Casimito (oficial), no qual o streamer Casimiro Miguel postou um vídeo reagindo ao mesmo programa que foi passado na TV e conta, atualmente, com mais de dois milhões e meio de visualizações.
Manter o sucesso na televisão atual não depende apenas do carisma dos apresentadores, da decoração do palco ou do formato do programa em si. Com a sensação de proximidade permitida pelas redes sociais, é necessário criar novas formas de conectar as “estrelas da TV’’ com sua plateia, dentro e fora do estúdio. A competição contra o entretenimento da internet talvez seja desleal, mas as emissoras também atualizam-se, mantendo fórmulas repetitivas e insistindo em um humor que não condiz com seu público. O sensacionalismo utilizado para manter os espectadores ligados em frente à tela por horas a fio, por exemplo, já não atende às características de uma geração tão acostumada a receber informações em poucos cliques. Os millennials, talvez a última geração que ainda acompanha fielmente os programas de auditório, são passageiros e, se essas atrações não passarem a conversar com um auditório mais jovem, já podem se preparar para dar seu último “beijinho, beijinho! Tchau, tchau”.  

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