Falar sobre a morte nunca foi fácil, muito menos unânime. Entenda o que dizem as várias religiões e culturas sobre o fim da vida e como auxiliam o indivíduo a lidar com a perda
Por Fernanda Magalhães (fernandademelom@gmail.com)
O mundo abalou-se na quinta-feira, dia 5 de dezembro, com o falecimento de Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul e responsável pelo fim do Apartheid, regime racial segregacionista que vigorava no país. Madiba, como era carinhosamente chamado, consagrou-se como um dos maiores nomes na luta por direitos humanos, igualdade racial e democracia no século XX. Embora já tivesse 95 anos, e saúde seriamente debilitada, seu óbito não causou por isso menor comoção. A mobilização planetária em torno do fim da vida desse grande homem nos leva a reflexão a respeito desse acontecimento tão humano, porém ainda definitivo e inexplorado: a morte.
As diferentes percepções da morte
Embora comum a existência de todos os seres humanos, a morte não é vivenciada da mesma maneira por cada indivíduo. As formas de compreender esse evento podem ser influenciadas por fatores distintos, de cunho religioso, cultural, familiar e pessoal. Não há somente uma maneira de lidar com a perda de um alguém próximo, explica Geraldo José de Paiva, professor do Instituto de Psicologia da USP e pioneiro no estudo da psicologia da religião no Brasil: “A superação da morte é um processo não apenas social mas também individual: as pessoas diferem no modo e no tempo de viver o luto, e no sentido que encontram na perda de um ente querido: uns se abatem, outros se energizam”.
O especialista reforça a influência dos costumes de locais nessa fase: “Culturas religiosas tendem a ver a perda na perspectiva de um reencontro. Culturas mais secularizadas, não religiosas, tendem a supera-la como o fim de um processo biológico natural, ou do ponto de vista do legado que o morto deixou para a família, para amigos e, por vezes, para a sociedade.”. Maria Júlia Kovács, coordenadora do laboratório de estudos sobre a morte da Universidade de São Paulo o complementa, ao destacar que o óbito pode ser ainda mais doloroso para quem está afastado do seu meio cultural, devido à ausência do amparo dos rituais fúnebres aos quais a pessoa está adaptada.
A morte ao longo dos séculos
Os conceitos da humanidade sobre o perecimento não estão vinculados apenas aos fatores mencionados anteriormente. O contexto e a época analisados também são decisivos para determinar essas noções. Em períodos em que as sociedades ocidentais tinham elos mais estreitos com a religião, como a Idade Média, tinha-se no fim da vida o momento do encontro com Deus, conforme exemplificado por Geraldo. Atualmente, esse pensamento teria se transformado. Para Maria Júlia, “há representações diferentes de morte, alteradas principalmente nos séculos XX e XXI. Há uma diferença em relação ao desenvolvimento da tecnologia médica, uma perspectiva de combater a morte, de vê-la como fracasso profissional, e não como parte inerente da vida”.
O pós-morte nas distintas religiões
Ainda que apresentem intensidades variáveis ao longo da história do homem, os vínculos de alguns grupos e culturas com as religiões são atemporais. As explicações das fés distintas para a morte, bem como para o pós-morte são destoantes. Essas elucidações, presentes em escrituras sagradas ou transmitidas de gerações em gerações, como nas culturas orais africanas, servem como verdadeiros guias para seus seguidores, e auxiliaram a criação das várias ideias acerca do falecimento que estão hoje difundidas pelo globo.
Paiva destaca que o pós-morte é diferente mesmo em crenças monoteístas que tem origens e raízes comuns, como o cristianismo e o judaísmo. “No judaísmo, por exemplo, até praticamente alguns séculos antes de Cristo, a morte era a entrada da alma na região das sombras; já no cristianismo primitivo, como se lê nas inscrições tumulares das catacumbas, a morte era estar com Cristo.”
Para cultos que pregam a reencarnação, o óbito é “ocasião de transmigração da alma de um corpo para outro ou outros”, sendo possível inclusive que almas que foram humanas em vidas passadas renasçam na forma de animais ou outros seres da natureza, de acordo com o animismo. A coordenadora do laboratório de estudos sobre a morte indica que, por serem incrédulas em uma única existência, essas fés veem na morte uma passagem, que é parte de um amplo processo evolutivo. Geraldo conclui, mostrando que “As várias religiões que aceitam a reencarnação diferem-se das que creem numa única vida e na ressurreição, principalmente em três sentidos: primeiro, no conceito que têm da pessoa individual; segundo, na importância definitiva da vida que atribuem à existência terrena; terceiro, na esperança da reconstituição corporal/espiritual do ser humano”.
Contrastes entre leste e oeste
Com as linhas longitudinais também variam as percepções a respeito da morte. Mas o pesquisador adverte que nem sempre as religiões que concebemos como orientais e ocidentais restringem-se aos hemisférios leste e oeste. “O que, entre nós, se denomina ‘crença oriental’ tem a ver com os budismos. Ora, o budismo, de forma geral, tende a entender a morte como reabsorção do ser humano na natureza. No Ocidente predomina a concepção cristã da morte como um encontro da pessoa com Deus. Essas percepções me parecem profundamente diferentes”, ele opina.
Mesmos medos
Maria Júlia Kovács analisa que muitas fés tentam explicar a questão da morte relacionando-a com atitudes dessa ou de outras vidas. Assim, o fim da existência poderia ser uma punição para o ser ou para a comunidade por falta de fé ou por transgressões radicais das doutrinas pregadas. Porém, não existem crenças que limitem-no a simplesmente a repreensão. O professor aponta que “Mesmo no relato bíblico da morte como consequência do pecado, há imediatas perspectivas de reconciliação que se contrapõem à morte como castigo”.
Apesar de ser explicado de várias formas, e ser compreendido e vivenciado de maneiras distinta por cada indivíduo, religião, cultura ou sociedade, existem similaridades sobre o falecimento. Geraldo Paiva relata que, ainda que existam homens que afirmam desejar ou ter curiosidade pelo outro mundo, e também não temer “a própria morte”, como ilustra o hino do Brasil, o medo da morte é normalmente observado na psicologia. Esse receio estaria vinculado a ausências de experiências e conhecimentos concretos sobre o pós vida.