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Rodando pelas BRs: os road movies brasileiros

por Daniel Drumond Ribeiro rd.drumond@gmail.com Na estrada está o acaso, o novo, o inédito. Por mais que se trace um destino, não se pode prever o que acontecerá no caminho. Viajar é o que alarga as fronteiras do mundo: não há situação melhor para conhecer lugares, coisas, pessoas e se conhecer. E, ao ampliar sua …

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por Daniel Drumond Ribeiro
rd.drumond@gmail.com

Na estrada está o acaso, o novo, o inédito. Por mais que se trace um destino, não se pode prever o que acontecerá no caminho. Viajar é o que alarga as fronteiras do mundo: não há situação melhor para conhecer lugares, coisas, pessoas e se conhecer. E, ao ampliar sua visão e o seu próprio mundo, novos caminhos surgem e é possível que o viajante se transforme por inteiro.

E é da associação da estrada com o sentimento de  transformação, liberdade, aventura, movimento, busca e descobrimento que surgem os road movies. O sub-gênero nasceu nos Estados Unidos no fim da década de 1960 como um desdobramento dos western e levava para o cinema grande parte do espírito da juventude do país na época: o questionamento das normas pré-estabelecidas, o universo da contracultura, o desejo de libertação e o escapismo.

Mas as estradas brasileiras parecem apontar para outras direções. Há um caráter geográfico, social, econômico e cultural muito forte na cinematografia do país, que tende a uma busca de identidade nacional e à denúncia de problemas sociais. O filme O Caminho das Nuvens (2003), por exemplo, mostra a desigualdade, a miséria e a questão do desemprego no país por meio de um roteiro inspirado na história real de Romão, sua esposa Rose e cinco pequenos filhos. A família percorreu de bicicleta os 3.200 quilômetros que separam a Paraíba do Rio de Janeiro em busca do sonho “de um emprego que lhe pague mil reais”.

Na contramão, Dora e o órfão de mãe Josué viajam da estação Central do Brasil, no Rio, para a nordestina cidade Bom Jesus do Norte, no interior de Pernambuco, em busca do pai do garoto, que o havia abandonado antes mesmo de seu nascimento. Essa aventura é retratada no maravilhoso filme de Walter Salles feito em 1998 que leva o nome da estação carioca de trem. Em busca do pai também está o menino Duda, encontrado escondido na carroceria do caminhão de João em À Beira do Caminho (2012). Também órfão de mãe, Duda segue caminho do nordeste para São Paulo com o caminhoneiro que, relutante, opta por superar o próprio passado e levar a criança para conhecer seu pai.

As situações vividas pelas duas duplas de personagens mostram o poder da estrada de transformar por inteiro os viajantes. É o nascimento do elo entre João e Duda durante a viagem para São Paulo que faz o caminhoneiro enfrentar e superar suas tragédias e os seus traumas. Dora, por sua vez, costumava ganhar a vida na Central do Brasil escrevendo cartas para analfabetos e julgar quais correspondências escritas por ela seriam enviadas ou censuradas. Porém, na estrada, ela se comove com a história de Josué e com os pequenos gestos das pessoas que eles conhecem ao longo do caminho. Só então Dora muda de atitude a ponto de realmente acolher o garoto e aceitar a difícil relação que tivera com o próprio pai quando jovem.

O sertão nordestino também foi parte dos caminhos trilhados em meio à Segunda Guerra Mundial pelo caminhão de Johann, o alemão representante da Bayer em Cinemas, Aspirinas e Urubus (2005) e pela Caravana Rolidei em Bye Bye Brasil (1979). Os personagens dos dois filmes visitaram cidades de grande atraso tecnológico, muito castigadas pela fome e pela seca. Em ambos, eles viviam de espetáculos: enquanto no segundo filme os artistas mambembes realizavam números circenses, Johann, o alemão do primeiro, aproveitava-se dos encantos engenhosos do cinema e da propaganda para vender Aspirina no sertão.

O gringo projetava filmes publicitários para um povo miserável que nitidamente jamais havia visto coisa parecida, anunciando a Aspirina como “a cura para todos os males”. Em seu caminho, Johann dá carona a diversos desconhecidos, coisa rara nos dias de hoje devido à pressa e ao medo da violência, o que é uma pena para a nova geração de mochileiros e viajantes. O polegar apontado para cima foi um símbolo clássico dos anos 60 no Brasil e a carona é uma bela chance para abrir caminhos para experiências peculiares e papos surpreendentes.

Há quem diga que só é possível conhecer verdadeiramente uma pessoa quando se viaja com ela. Na estrada, seja dormindo em uma cama de casal quebrada de um hotel barato ou ouvindo música alta no carro, nos abrimos para compreender os defeitos, qualidades, segredos e intimidades de quem está com a gente. Precisamos nos desligar um pouco da selva de pedra para furarmos a nossa limitada bolha de certezas, rotinas, confortos e convicções. Talvez, devido ao modo de vida da cidade, só na estrada conseguimos nos abrir para verdadeiramente perceber e receber o que as pessoas têm a mostrar e transmitir.

Os personagens dos road movies criam uma relação íntima com a estrada. Em contrapartida, a estrada devolve profundidade aos personagens da trama, e tanto eles quanto a estrada acabam se envolvendo com o espectador de uma maneira que nenhum outro sub-gênero consegue. Tal vínculo é responsável por fazer com que o espectador, de certo modo, viva e sinta a trama de um jeito que ele cresce e se transforma no ritmo do vai e vem dos caminhões e passe a ver, seja da janela de um carro ou da tela da TV, caminhos que ele antes não via, expandindo horizontes individuais e, finalmente, conhecendo melhor tanto o mundo quanto a si mesmo.

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