Meios alternativos de publicação abrem espaço no mercado para escritores iniciantes.
Por Mateus Netzel
mateusnetzel@gmail.com
Ao entrar em qualquer livraria hoje, nos deparamos com prateleiras repletas de literatura brasileira. Machado de Assis, Guimarães Rosa, Jorge Amado e outros mestres encontram-se em edições comemorativas e colecionáveis, com livros de visual atraente para os leitores. No entanto, ao reparar com mais cuidado, percebe-se que, com exceção dos grandes escritores, não há muita variedade de nomes da literatura nacional à disposição do leitor nas prateleiras. Apesar de a ficção brasileira seguir um processo de valorização, os autores iniciantes não estão sendo beneficiados e continuam à margem do mercado de publicações literárias.
Mercado editorial
A dinâmica editorial no Brasil exclui os escritores iniciantes em todas as instâncias, a começar pela distribuição. Segundo estudo mais recente sobre o setor editorial brasileiro, realizado pela FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas a pedido da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional de Editores de Livros – as livrarias e distribuidoras são responsáveis por 60% das vendas de livros no país, dando a elas poder sobre as publicações literárias. “As livrarias são o funil do mercado e ditam regras cada vez mais duras para as editoras. Isso significa que as pequenas editoras ficam com espaço cada vez menor de exposição de suas obras, o que reflete nos autores nacionais, em especial os novos”, afirma Laura Bacellar. Laura, além de editora, é também consultora para pequenos autores e editores e colaboradora do site “Escreva um livro”.
A exposição nas livrarias obedece a uma ordem de importância e potencial de venda das obras e resulta em um destaque muito maior para as grandes editoras. Daniel, da livraria Martins Fontes explica de maneira simples: “Em questão comercial, as pequenas publicações não têm como competir: a visibilidade é menor, as vendas são menores e é menos interessante para a livraria”. Por possuírem os direitos de publicar os grandes autores e clássicos da literatura, que vendem muito e promovem um lucro maior, as editoras maiores não arriscam publicar autores desconhecidos do público. Esses autores, sem conseguir publicar por essas editoras, acabam excluídos das livrarias e sem exposição para seu trabalho. Da mesma forma, editoras menores também não conseguem se consolidar com a concorrência das que já dominam as estantes.
Segmentação editorial
Para tentar escapar desse ciclo, algumas novas editoras estão apostando na segmentação. Ao definir uma linha editorial específica, buscam um público exclusivo e fiel que, apesar de reduzido, já provoca pequenas mudanças no mercado. Segundo Laura Bacellar, as editoras segmentadas abrem espaço para autores iniciantes e possibilitam o surgimento de novos talentos. Um exemplo que confirma essa tese é José Roberto Vieira, que acaba de publicar seu primeiro romance “O Baronato de Shoah”, pela Draco, editora especializada em literatura fantástica.
“Mandei pra centenas de editoras, todas que eu conhecia, e ninguém me respondeu. Na verdade, duas me responderam dizendo que já tinham fechado o catálogo para o ano todo, o que é uma resposta padrão”. Ter sua obra avaliada pelas editoras é a parte mais difícil do processo de avaliação e geralmente só ocorre quando o autor é conhecido pelos editores. “O contato foi meio sem querer. Eu conheci o trabalho deles, seguia no Twitter e num evento eu conheci o Erick Santos, que é o editor da Draco. Eu fui apresentado a ele pelo Eric Novello, outro escritor brasileiro, nós conversamos e ele pediu para eu enviar o livro para ele dar uma lida”. Mesmo aprovados pelos editores, vários livros deixam de ser publicados por divergências durante o processo de edição. “É muito dificil lidar com escritor, você pede pra ele mudar alguma coisa e ele diz que não vai mexer na obra. Após a aprovação, meu livro passou mais de um ano sendo editado”.
Mudanças do mundo online
Se o panorama editorial está começando a mudar, muito se deve à popularização do acesso à Internet. Antes dela, não era possível imaginar as transformações atuais do modelo de publicação. Por mais que as mudanças ainda não surtam efeito no mercado como um todo, alguns processos editoriais ganharam novas abordagens e dentre eles o mais expressivo foi a divulgação. Ela é a etapa mais significativa para o sucesso das vendas e, no mercado editorial brasileiro, sua eficácia está estreitamente relacionada à infraestrutura das editoras e à exposição nas grandes livrarias. “A divulgação é um mega problema para as pequenas editoras. A internet de certa forma alivia, mas não resolve. Seria preciso criar com urgência novos canais de exposição de livros, de venda, de contato físico entre pessoas e obras”, explica Laura Bacellar.
Enquanto esse canal efetivo não é descoberto, as redes sociais configuram um novo canal de interação e comunicação com o leitor. Com o crescimento de usuários e da influência no meio cultural, as comunidades online permitem um contato mais direto e adequado a cada público e permitem cativar grupos específicos de leitores. Além disso, constituem um meio muito mais barato para expor as obras. Isso tem chamado a atenção das pequenas editoras, que começam a planejar sua divulgação sobre essa nova plataforma. No caso de José Roberto Vieira, a tiragem inicial de sua obra esgotou-se três dias antes do lançamento apenas com ações e vendas online.
Internet como plataforma
A Internet proporcionou à literatura não apenas um novo canal de divulgação, mas uma nova maneira de se expressar e uma nova plataforma de publicação. Impedidos de publicar seus livros por editoras tradicionais, muitos autores optam por expor seus trabalhos diretamente em blogs pessoais, revistas ou coletivos literários.
Um site que segue essa linha é O Bule, um coletivo literário que se propõe a trazer para a Internet a nova literatura brasileira. Nele, vários escritores publicam seus textos regularmente, além de encontrarem espaço para debater literatura e indicar livros para os leitores. Nesse sentido, O Bule procura divulgar seus autores e oferecer a eles espaço na mídia para que possam expor seu trabalho e valorizar a literatura. Tanto é que, paralelamente aos textos publicado no site, os colaboradores escrevem suas obras, com o intuito de publicá-las como livros físicos. Cláudio Parreira, um dos escritores há mais tempo envolvidos no coletivo deixa claro: “O Bule me deu maior visibilidade, mas não é meu projeto principal”.
Na avaliação do próprio Parreira, O Bule tem cumprido essa meta e revelado bons escritores. Um deles é Ricardo Novais, colaborador do site, que publicou seu primeiro livro no ano passado seguindo um modelo de publicação completamente diferente do tradicional.
Self-publishing
A idéia do próprio escritor publicando sua obra é o príncípio básico das editoras virtuais por demanda. Nesse modelo, o autor é responsável por toda a edição e as editoras se responsabilizam por imprimir os livros e disponibilizá-los para venda online, seja em formato físico ou digital (e-book). As tiragens são reduzidas ou os livros são impressos de acordo com as vendas pela Internet. Utilizando esse modelo, Ricardo Novais publicou seu primeiro romance, “O Boêmio”, no ano passado pela Bookess, editora online especializada em self-publishing. “Eu costumava mandar contos para revistas. Quando escrevi meu romance, enviei para várias editoras e não recebi resposta de nenhuma. Aí, o dono da Bookess, que já tinha visto meus contos, entrou em contato comigo perguntando se estava interessado em publicar pela editora”.A parceria deu certo e Ricardo Novais já publicou dois outros romances no mesmo modelo.
Algumas editoras por demanda oferecem os serviços de revisão e diagramação dos livros, mas geralmente eles são contratados à parte da publicação, o que leva a maioria dos autores a editarem seus livros sozinhos. “A editora forneceu o suporte com a aquisição do ISBN e com a revisão, mas a edição foi minha”, explica Ricardo sobre seus livros. A falta de edição profissional permite a publicação de obras de qualidade inferior, que não atraem o leitor. “A escolha das obras segue um critério, mas não é difícil publicar. Acaba resultando em muita obra ruim”, afirma o escritor.
Ao se compromissarem apenas com a publicação dos livros, as editoras por demanda não se comprometem a divulgá-los, etapa decisiva para que a obra se torne conhecida pelo público e possa alcançar um bom resultado nas vendas. Isso acaba restringindo o alcance das obras publicadas nesse modelo. Sem conseguir espaço nas livrarias, nem estruturar a divulgação online, os escritores publicam seus livros, mas continuam sendo desconhecidos. “O problema maior não é fazer o livro, mas torná-lo conhecido e vendê-lo. Para isso ninguém inventou serviços que funcionem ainda”, aponta Laura Bacellar.
Um grade desafio para a literatura nacional
No Brasil, onde metade da população não consegue nomear um autor nacional que admira, como indica a Pesquisa Retrato do Livro, de 2008, valorizar a nova literatura nacional torna-se uma tarefa quase impossível. Se a população não enaltece sua literatura, não é o mercado editorial que tornará fácil a primeira publicação de um escritor. Por mais que se criem novas estratégias de publicação e divulgação, elas não serão efetivas se não houverem leitores interessados nas obras. Nesse ponto, Laura Bacellar é precisa: “Eu diria que o melhor caminho seriam maneiras de incentivar a leitura. Descobrir como a literatura pode ser prazerosa, revolucionária, responder a anseios complexos é a maior barreira para os jovens. Se as pessoas começarem a ler por prazer e não obrigação, nossos escritores terão público”, conclui.
Eu amo a literatura. Também escrevo.
E respeito muito quando o esforço dos escritores é reconhecido. Porque a arte é a representação do universo em uma imaginação.