Por Aline Noronha (alinenoronha@usp.br)
Gabriel Araújo, ou simplesmente Gabrielzinho, foi tido como a principal estrela das Paralimpíadas de Paris pela emissora de televisão francesa France2, recebendo apelidos carinhosos como “Pelé das piscinas brasileiras” e dauphin — golfinho, em francês. Na cerimônia de encerramento, Tony Estanguet, presidente do comitê de organização dessa edição dos Jogos Paralímpicos, fez questão de mencionar o atleta brasileiro entre as “coisas magníficas” que aconteceram na competição.
Além do carisma entregue a cada prova, que não cativou apenas a torcida do Brasil, mas de outros países também, Gabrielzinho trouxe ao seu país a primeira medalha geral e o primeiro ouro de Paris no dia inicial das provas no 100m de costas S2 (limitações físicas e motoras). Ainda conquistou mais duas de ouro nas modalidades de 50m de costas S2 e 200m livres S2 e, apesar de não ter alcançado o pódio nos 150m medley S3 (menor comprometimento físico em relação a S2), bateu o recorde mundial duas vezes entre os atletas S2 que já participaram nesta prova.
“Vou ganhar três medalhas de ouro nos Jogos Paralímpicos de Paris”
Natural de Santa Luzia, em Minas Gerais, Gabrielzinho nasceu com focomelia, uma malformação causada pela interrupção do desenvolvimento de um ou mais membros durante a gestação, sendo que sua mãe descobriu a condição no quinto mês de gestação. Apesar disso, seus pais queriam que ele tivesse uma infância normal e desde cedo o colocaram nas aulas de natação, o resultado foi rápido: com quatro anos ele já sabia nadar.
O atleta nada com movimentos pélvicos, uma técnica conhecida popularmente como “nado golfinho”, desenvolvida em longas sessões diárias de segunda à sábado. Tanto na piscina quanto fora dela, Gabriel faz musculação com destaque nas vértebras lombares, músculos abdominais e assoalho pélvico.
A sua primeira competição foi nos Jogos Escolares de Minas Gerais (JEMG) de 2015, quando seu professor o inscreveu na competição sem que sequer sua mãe soubesse. No torneio, ganhou cinco medalhas e desde então não parou mais. Aos 19 anos, participou pela primeira vez das Paralimpíadas em Tóquio 2020, quando ganhou duas medalhas de ouro (200m livres e 50m costas S2) e uma de prata (100m costas S2).
Dias antes de competir, enquanto treinava no Japão, Gabriel recebeu a notícia de que seu avô havia falecido. Eles eram muito próximos e o apelido dele era pratinha [Reprodução/Instagram: @gabrielaraujo_s2]
“Eu não nadei, eu amassei a prova”
No primeiro dia das provas, Gabrielzinho fez jus ao seu favoritismo e garantiu que a primeira medalha que o Brasil ganhasse fosse de ouro. Desde as eliminatórias, ele já teve o melhor tempo, de 1min59s54, e na disputa pelo pódio fez a prova em 1m53s67, o que o fez bater o recorde das Américas. O segundo lugar foi para o russo — que competiu como neutro — Vladimir Danilenko, com 2m01s34, e o bronze foi para o chileno Alberto Diaz, com 2m01s97.
O atleta de 22 anos participou na cerimônia de abertura como porta bandeira ao lado de Beth Gomes do atletismo [Reprodução/Instagram: @gabrielaraujo_s2]
Ao Comitê Paralímpico Brasileiro, Gabrielzinho expôs: “meu sorriso está sendo levado para todos os cantos do mundo. Eu me senti em casa. A prova foi perfeita. As noites de sono que eu e meu treinador perdemos neste ciclo compensam demais. Tudo o que trabalhei psicologicamente deu certo”.
“Eu não estou nadando, estou voando, estou flutuando na água”
A segunda medalha de ouro não tardou. Nos 50m costas S2 com 50s93, o atleta não apenas se tornou bicampeão da modalidade como também estabeleceu um novo recorde das Américas. O pódio se manteve o mesmo: prata para o russo neutro Vladimir Danilenko (57s54) e para o chileno Alberto Diaz (58s12). Ele fez a prova mais rápida em relação a Tóquio, quando também ganhou o ouro, mas com 53s96.
O treinador e professor de Gabrielzinho se chama Fábio Pereira Antunes e acompanha o atleta há anos [Reprodução/Instagram: @gabrielaraujo_s2]
Ao final da prova, mostrou a descontração e bom humor que o acompanhou durante toda a competição: sorriu, mostrou a língua e brincou com a torcida. Sobre o carinho desta, afirmou: “Mesmo antes de eu chegar na água, já sou ovacionado, então é algo que para mim é muito mais importante pelo meu jeito de ser, de conquistar todo mundo, pelo meu sorriso, pela minha alegria. Isso vale mais que qualquer medalha de ouro para mim”
“Agora é três de três, missão cumprida!”
Gabrielzinho subiu pela terceira vez no pódio na prova de 200m livres de S2, com a mesma sequência de atletas. O primeiro lugar foi para ele, com 3min58s92, a prata foi o russo para Vladimir Danilenko, com 4min14s16, e o bronze para o chileno Alberto Diaz, com 4min22s18. Mais uma vez o atleta brasileiro estabeleceu um novo recorde das Américas e superou o tempo que o fez ganhar o ouro em 2020: 4min06s52.
A performance excepcional de Gabriel o rendeu um prêmio de R$750 mil, na medida que cada medalha de ouro vale R$250 mil, segundo o Comitê Paralímpico Brasileiro [Reprodução/Instagram: @gabrielaraujo_s2]
Apesar de não ter subido ao pódio nos 150m medley S3, nas classificatórias Gabriel bateu o recorde mundial de menor tempo que um atleta S2 realizou nesta modalidade, estabelecido por ele mesmo no Mundial de natação paralímpica de Manchester, no ano passado. Nas Paralimpíadas fez a prova em 3min15s06, sendo que o menor tempo antes era 3min23s83. Horas depois, na fase seguinte, bateu novamente o recorde mundial por ter conquistado o tempo de 3min14s02. Apesar disso, terminou a prova em quarto lugar.
“Nunca tinha batido dois recordes mundiais no mesmo dia e na mesma prova, foi muito bom, fiquei muito feliz. Eu esperava o recorde na manhã, porque foi para isso que eu vim, mas de tarde não esperava quebrar de novo, foi bem surpreendente”, afirmou Gabriel. Na sua última participação nos Jogos de Paris, na modalidade de 50m livre S3, o atleta ficou na quinta posição.
“O negócio é nadar e bailar”
Ao voltar para o país do verde e amarelo, Gabrielzinho foi recebido com festa na faculdade UniAcademia, onde ele estuda jornalismo para melhorar a gestão da própria carreira e garantir sua sequência profissional quando se aposentar no esporte. Entrou na instituição ao som de We Are The Champions, da banda britânica Queen e foi aplaudido tanto por professores quanto por seus colegas de turma, que formaram um corredor de nado para que ele passasse.
“Queria agradecer a todo mundo que torceu, que mandou todas as energias positivas e contribuiu para o amasso em Paris”
Gabrielzinho
Dentre as mensagens de parabéns, o jogador de futebol Neymar mandou um vídeo o elogiando pelo desempenho em Paris. Já em setembro, o medalhista brasileiro conheceu os jogadores do seu time do coração, o Cruzeiro, em Minas Gerais, na Toca da Raposa Dois. Devido à sua grande visibilidade na competição, Gabriel, que antes contava com 50 mil seguidores no Instagram, hoje possui mais de 470 mil.
Imagem de capa: [Reprodução/Instagram: @gabrielaraujo_s2]