Giovanna Querido
Dos cavaleiros da Távola Redonda aos sabres de luz do Darth Vader, a esgrima de certo modo sempre esteve no nosso imaginário. Durante os Jogos Olímpicos do Rio 2016, o esporte atraiu, além dos fãs, um novo público encantado com a tecnologia dos duelos. A cada ponto marcado, sensores acendem luzes e emitem sons, proporcionando um espetáculo digno de Guerra nas Estrelas.
Apesar de ainda ser desconhecida do grande público, a esgrima é umas das quatro modalidades que fazem parte dos Jogos Olímpicos desde da primeira edição em 1896, em Atenas. Das armas molhadas em tintas para marcar a roupa do branca do oponente, caso houvesse toque, para sensores eletrônicos conectados a uma pista elevada com uma malha eletrônica que acusam cada ponto marcado, a esgrima realmente sofreu uma enorme evolução tecnológica. Mas muitas das regras continuam as mesmas dos clubes de esgrima da Itália renascentista.
A bola entra no gol, na cesta, atinge o chão. O atleta completa 50m, 50km, passa pela linha de chegada. Nocaute. Ultrapassa varas, arremessa discos, Nós conseguimos, normalmente identificar quando um ponto é marcado e uma vitória conquistada, mas e na esgrima? Em jogadas tão velozes , como sabemos quando o esgrimista tocou seu oponente? A Vox, site norte-americano especializado em “explicar as notícias”, conforme o slogan da empresa, tentou esclarecer de um modo mais elucidativo as regras da esgrima.
A esgrima, agora, não é mais uma luta entre cavalheiros. Como esporte a expressão correta é jogar esgrima. Outra relíquia dos tempos medievais é achar que esgrima é sinônimo de espada. No entanto, a prática engloba três diferentes tipos de armas: a espada, o sabre e o florete. Para cada tipo de arma há regras específicas e diferentes áreas de contato para pontuação, como se houvesse três diferentes esportes dentro da esgrima.
Usada desde o século XVII, a espada, mais conhecida na esgrima pelo seu termo francês épée possui uma lâmina triangular rígida, além de ser a arma mais pesada da esgrima, só os pontos marcados pela ponta são considerados. Já com sabre, o esgrimista pode pontuar usando qualquer parte da arma, que é mais leve e ligeiramente curvada. A arma mais popular é o florete. Possui a lâmina mais flexível e leve da esgrima. Para o último, também, vale a regra de prioridade ou princípio de parada e resposta, assim pontua não necessariamente quem atingir primeiro o adversário, mas aquele que manteve a primazia nos ataques.
No Brasil
A esgrima no Brasil, foi pela primeira vez incentivada por D.Pedro II durante o período imperial. O esporte começou, primeiro a popularizar entre os militares, os quais eram oferecidos cursos dentros dos colégios e centros militares. O exército, inclusive, contratava mestre d’armas estrangeiros para o ensino da prática no país. Com a fundação em 1927, da Confederação Brasileira de Esgrima, o esporte começa a se profissionalizar e em 1936, pela primeira vez o Brasil disputa essa modalidade nos Jogos Olímpicos de Berlim. Em 1937, também é criado pelo Exército Brasileiro o primeiro, e até hoje único, curso para formação de Mestre D’ Armas.
Para Alkhas Lakerbai, a esgrima cresceu muito no Brasil desde que chegou ao país. Originário da União Soviética, o bielorrusso começou a praticar com 10 anos, conta em entrevista ao Arquibancada, que já são 44 anos dedicados ao esporte. Quando chegou no Brasil, praticava e ensinava dentro de uma pequena sala da Federação Paulista de Esgrima no ginásio da Ibirapuera. Com a vontade de criar o próprio negócio e expandir o esporte no país, Alkhas junto com seu sócio, também bielorrusso, Sergei Kovaliov, abriram a Academia Paulista de Esgrima (APE), localizada na República.
A maior dificuldade que a esgrima enfrenta no Brasil, segundo Alkhas é o fato de não ter repercussão na mídia. “Tem que pelo menos televisionar o campeonato brasileiro de esgrima. Mostra até a terceira divisão do futebol, mas esgrima não mostra. Precisamos quebrar isso”, afirma o mestre d’armas. Durante os Jogos Olímpicos, quando a Esgrima aparecia na mídia, entravam em contato com a APE cerca de 8 pessoas por dia, interessadas em praticar o esporte.
Além da visibilidade, outro incentivo que auxiliou o crescimento do esporte nesses últimos 6 anos, foram os patrocínios, principalmente o Petrobras nos Jogos Rio 2016, que permitiram com que o Brasil conquistasse a sexta posição no feminino e oitava no masculino na classificação geral, sendo que na Olímpiada de Londres ninguém nem entrou entre os 16 melhores. Com o fim dos Jogos, o patrocínio da Petrobras já foi cortado.
Hoje o Brasil disputa campeonatos nacionais individuais e por equipe, além do circuito juvenil e infantil. Também está presente no Campeonato Sulamericano, no qual ganhou 14 medalhas na última edição, nos Jogos Pan-Americanos, no Campeonato Mundial da Federação Internacional de Esgrima (FIE) e dos Jogos Olímpicos. Nas Paralímpiadas, o Brasil participou com número recordes de atletas: 6 esgrimistas concorreram a segunda medalha do país na Esgrima em cadeira de rodas, após Jeovane Guissone conquistar ouro nos Jogos de Londres. Nos Jogos do Rio 2016, a esgrima em cadeira de rodas não conquistou medalha, Guissone caiu nas quartas de final.
Mulheres na Esgrima
Apesar de ser o único esporte em que duas pessoas têm iguais chances de vitória, independente do seu peso, força, altura ou idade, essa aparente equidade demorou muito para existir em relação a gêneros. As mulheres começaram a competir com florete em 1924, época no qual as outras armas eram exclusividade masculina. Foi, apenas, em 1996, que puderam usar a espada e só em 2004, o sabre. “É um machismo que está enraizado na cultura”, afirma a atleta Taís Rochel.
Há 26 anos na esgrima, Taís Rochel conta que sua relação com o esporte começou tudo por um vale lanche. Aos 6 anos, sentava na arquibancada e esperava seu irmão, André Rochel, terminar o treino. “Meu irmão mais velho começou a fazer esgrima, porque gostava de assistir He-man na Tv”, relembra a irmã. A técnica, então, convidou-a para fazer esgrima, assim não ficava parada esperando, em troca ganharia um vale-lanche. Atualmente, número 1 do Florete no ranking nacional, Taís não se arrepende de ter aceitado. Após a falência do clube em que começou, foi convidada para treinar pelo Esporte Clube Pinheiros. “Vai fazer 15 anos que estou com eles”, afirma Rochel.
Também, do Pinheiros, Bia Bulcão, sempre jogou pelo clube. Começou a praticar esgrima, porque era o único esporte que encaixava na sua grade horária quando pequena. Em segundo no ranking nacional, assim como Tais, se apaixonou pelo florete e apenas competiu com essa arma desde o início da carreira. Ao jogar contra países com maior expressividade no esporte no nível mundial, como Rússia e Itália, Bia conta que ainda há certa diferença de tratamento e até uma preferência da arbitragem. Para a atleta, conforme o Brasil ganha maior expressividade da esgrima isso irá diminuir.
Ao serem questionada sobre o crescimento da esgrima no Brasil, ambas as esgrimistas o associam ao Bolsa Atleta. O programa do Ministério do Esporte, iniciado em 2005, patrocina atletas individuais. No último levantamento de 2013, beneficiou cerca de 6.557 atletas, que recebem o benefício por um ano. Os valores variam entre R$ 370 e R$ 3.100. Para Tais, a bolsa foi essencial para melhorar o nível de base do país, afirma: “o pessoal mais novo começou a juntar essa bolsa e fazer o circuito mundial, permitindo maior visibilidade para a esgrima”.
O intercâmbio no esporte, segundo as atletas entrevistas é essencial para aumentar o nível do Brasil na esgrima. Ao treinar com os melhores do mundo, as esgrimistas podem adquirir novas habilidades e técnicas, as quais não conseguem desenvolver no Brasil, por enquanto. Mas, para isso, tanto Tais como Bia dependem de investimentos. Além da Bolsa Atleta, precisam de patrocínios como o da Petrobras, permitindo os atletas sair de um amadorismo (trabalhar e treinar) e passar para uma vida profissional. A número 1 do Florete, Rochel, conta que foi essencial sua preparação na Itália para poder se classificar nos Jogos do Rio.
Esse limiar entre o estudo e o esporte nunca foi bem separado para a esgrimista Katherine Miller. Estudante de Global Affairs da Universidade de Yale, Katherine concilia os torneios brasileiros, nacionais e as competições da própria universidade com o estudo acadêmico. “Na maioria das universidades norte-americanas é considerável e admirável ser um atleta universitário”, conta Miller. Cerca de 1300 universidades estão associadas ao programa NCAA (National Collegiate Athletic Association), sistema que apoia seus atletas, por exemplo, com assessores para ajudar nos estudos e programas de treino que não interferem com as aulas. Katherine foi uma das representantes do Brasil na espada após saída da húngara Emese Takács por problema de naturalização.
Estreantes nos Jogos Olímpicos, para elas não há outra palavra senão incrível para descrever suas experiências. Taís conta que por ser a veterana da equipe, achava que já estava acostumada com eventos maiores. “Eu pensava, tá tudo tranquilo, tô em casa, Ai derrepente , eu virava para o lado e dava de cara com o Nadal, o Phelps, ai meu Deus”- conta Tais sobre a vivência com outros atletas e estrelas consagradas de outras modalidades na Vila Olímpica – “Foi mágico”. Para Bia, o apoio do público nos jogos, também, foi essencial: “acho que foi o que me ajudou no primeiro combate quando eu estava perdendo, a continuar e virar o jogo”.
Dos nobres às elites urbanas, a esgrima sempre foi envolta por uma áurea de “elitização”. Visando quebrar esse estereótipo e levar a esgrima para crianças que normalmente não tem acesso, a Tais Rochel junto com a Associação Brasileira de Esgrimistas, iniciou o projeto Mosqueteiros de Paraisópolis. “Esgrima não é a coisa mais prática, que nem futebol, você pega e a bola e vai jogando, não é assim”, afirma Bia Bulcão ao explicar, também, a necessidade de abrirem novos clubes especializados em esgrima, sem serem em locais fechados. Quanto ao custo do material, apesar de caro por serem importados, duram a vida toda e muitas vezes são fornecidos pelo próprio clube. “A esgrima é muito mais acessível do que aparece”, diz Rochel.