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Daniel Dias: 15 anos de um legado áureo

Saiba mais sobre a carreira de um dos maiores ídolos da natação mundial e o maior medalhista paralímpico brasileiro

Na capital chinesa de Pequim, em 2008, o mundo se reuniu novamente para que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos se realizassem, assim como de costume, a cada quatro anos. Um evento de aparência normal, com expectativas tradicionais para os brasileiros e suas conquistas. O que pouco se sabia era que essa edição dos Jogos Paralímpicos seria marcada pelo surgimento de um ídolo da natação: hoje, dia 15 de setembro, Daniel Dias comemora as suas primeiras medalhas de paralimpíadas, que marcaram o começo de uma jornada cheia de louros e glórias.

Sua carreira como atleta chegou ao fim nas olimpíadas de Tóquio 2020 (21), apenas aos 33 anos, mas, mesmo assim, Daniel se consagrou como o maior medalhista paralímpico brasileiro e o maior em seu esporte. Seus feitos são incríveis: um dos maiores campeões de natação do mundo, o americano Michael Phelps, possui 28 medalhas olímpicas; Dias o alcança com 27. Conheça um pouco mais sobre esse ídolo do esporte, que completa uma década e meia na história da natação e comentou sobre sua carreira em entrevista para a Jornalismo Júnior.

Como tudo começou

Nascido em Campinas, em 1988, Daniel de Faria Dias viveu a sua infância na cidade de Camanducaia, no estado de Minas Gerais. O então futuro atleta nasceu com má formação nos membros superiores, na perna direita e pé esquerdo, e logo cedo se fizeram necessárias suas idas à AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) na capital paulista. Em 1991, passou por uma cirurgia que necessitou de tempo para recuperação e adaptação para começar a dar os primeiros passos com a nova prótese.

Quando criança, Daniel vivia nos esportes. Entusiasta de futebol, basquete, vôlei e muitos outros, descobriu a natação posteriormente. Durante a adolescência, pensava em fazer Engenharia Mecatrônica, e tratava a prática esportiva como um hobby, principalmente por desconhecer competições para pessoas com deficiência.

Aos 16 anos, quando acompanhou as Paralimpíadas de 2004, em Atenas, encontrou o que viria a ser o seu palanque para a história. Segundo Daniel, ele acompanhou o então recordista de medalhas paralímpicas Clodoaldo Silva, nadador brasileiro que conquistou seis medalhas na edição da Grécia.

Clodoaldo Silva, apelidado de Tubarão das Piscinas,  é conhecido como o atleta paralímpico mais popular do Brasil. Em 2016, ele acendeu a pira olímpica na cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Daniel viu na televisão um ídolo que fazia história dentro d’água, nas piscinas de outro continente. A chama do esporte reacendeu e o interesse nas disputas paralímpicas começou a crescer. Por isso, com auxílio da família, entrou em contato com Associação Desportiva para Deficientes (ADD), em São Paulo, com garra para entrar no mundo dos atletas.

Apesar de ter se interessado pelo basquete, Daniel decidiu seguir o caminho da natação após a recomendação de uma professora, que observou a sua aptidão para o esporte. E ela tinha razão: em menos de dez aulas, Daniel nadava a nível competitivo regional e se destacava fortemente. Em 2005, quando participou  de sua primeira competição, na cidade de Belo Horizonte, já saiu campeão, momento  que o atleta admite ter começado a criar uma perspectiva de carreira na natação: “Nessa época eu tive o contato não só com a natação, mas também com o paradesporto.”

Daniel seguiu o rumo da vida de atleta e para isso, se destinou à natação paralímpica dos campeonatos regionais e mundiais. No Mundial de Durban, na África do Sul, em 2006, conseguiu 5 medalhas, 3 de ouro e 2 de prata, o que possibilitou a sua classificação em competições posteriores. Seu desempenho foi surpreendente, já que o nadador atuava no cenário somente por volta de dois anos. Em sua primeira edição logo após o início de suas atividades, Daniel seguiu rumo aos jogos Parapan-americanos de 2007, no Rio de Janeiro e nas Paralimpíadas de Pequim, em 2008.

Daniel Dias conquistou 27 medalhas em Paraolimpíadas, 40 em mundiais e 33 em Parapanamericanos [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Como funciona a natação paralímpica?

 As regras da natação adaptada pouco variam da natação olímpica: o atleta ou grupo mais rápido a atravessar a piscina olímpica, de 50 metros de comprimento, conquista o topo do pódio, em sequência dos segundo e terceiro lugares. No entanto, há utilitários e especificações que auxiliam na competitividade e na realização das provas.

As nomenclaturas na natação são iniciadas com a letra “S”, que vem de swimming (nado, em inglês). A categoria S representa os estilos de nado livre, costas e borboleta; a SB representa o nado peito; e a SM indica o Medley, que compreende os quatro estilos.

A natação paralímpica é dividida em classes, que dependem do tipo e do grau da deficiência do atleta. De S1 a S10, estão as deficiências físico-motoras, de S11 a S13 estão as deficiências visuais e na classe S14 estão as deficiências intelectuais. O órgão que determina a classificação do nadador é o Comitê Paralímpico.

Daniel Dias disputava na classe S5: quanto maior o número, menores são as dificuldades motoras. Uma mudança no regulamento oficial, em 2019, fez com que atletas da classe S6 participassem em competições juntos com atletas da S5. Segundo Daniel, “esse é o calcanhar de Aquiles da natação paralímpica; afetou e está afetando os recordes e as classificações dentro do esporte.”

Pequim 2008, o primeiro degrau

A escalada de Daniel dentro da natação se demonstrou rápida. Aquele garoto que via na televisão em 2004 seus ídolos que representavam seus sonhos agora estava lá, nas piscinas chinesas, no outro lado do mundo. Em cerca de quatro anos, o nadador conquistou o campeonato mundial em 2006, se destacou no ParaPan-americano de 2007. Agora, buscava seus primeiros títulos Paralímpicos. 

Na capital chinesa, em 2008, Daniel Dias conquistou nove medalhas, um feito incrível para sua primeira edição dos jogos. Dentre essas, quatro foram de ouro, quatro de prata e uma de bronze. Há 15 anos, o nadador que viria a se tornar o maior medalhista paralímpico brasileiro, abre alas ao mundo paralímpico com a edição mais vitoriosa de sua carreira. Daniel descreve a sensação de “dever cumprido, de realização de um sonho; ganhar uma medalha é sempre incrível, uma medalha paralímpica então, nem tem como descrever.”

Em casa, a vitória é diferente

Daniel relembra dois grandes momentos de sua carreira, que foram as competições mundiais que participou dentro do território nacional. O nadador conquistou o feito de dominar a natação de sua classificação durante os jogos Parapan-americanos do Rio 2007, conquistando oito medalhas, todas elas com o brilho dourado. 

O tempo passou, mas nem a glória nem o lugar foi diferente: em 2016, Daniel retorna ao Rio, e conquista nove medalhas, quatro de ouro, três de prata e duas de bronze. “Competir nos jogos paralímpicos ou Pan-americanos é algo espetacular; agora, competir esses jogos em casa, é algo sensacional. Vai ficar marcado na história” afirma o nadador. 

Daniel cantou o hino brasileiro em Paralimpíadas 14 vezes [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Dias acumula em sua carreira 27 títulos paralímpicos e compõe uma parcela significativa das medalhas totais da confederação brasileira de natação paralímpica. 


Uma inspiração dentro e fora das águas

Com tantas vitórias, medalhas e pódios é difícil não se tornar uma inspiração. Luciana, mãe de Miguel, aluno da equipe capixaba Natação Paralímpica,  afirma que “Daniel Dias desempenhou um papel crucial ao elevar o perfil da natação paralímpica. Suas vitórias ajudaram a aumentar o reconhecimento e o respeito pelo esporte adaptado no Brasil, incentivando investimentos e apoio a atletas com deficiência.” 

Porém, mesmo sendo um multicampeão paralímpico, Daniel Dias sempre se mostrou consciente da posição de inspiração que ocupava. A árbitra de natação paralímpica Elke Lima Trigo presenciou esta postura positiva e empática do atleta ao longo de sua carreira: “Tive o privilégio de arbitrar competições que ele participou, desde os [campeonatos] regionais em 2008 até a aposentadoria em Tóquio 2020(21). E neste longo período o comportamento dele sempre foi o mesmo com todas as pessoas. Vi ele tirando foto com crianças e jovens iniciantes na Câmara de chamada [lugar de concentração dos atletas antes da prova] com a mesma simpatia e sorriso que falava com qualquer autoridade ou atletas campeões como ele, no momento que seria compreensível que ele se isolasse.”

Miguel pratica natação paralímpica, e Luciana, sua mãe, afirma que “Miguel vai brilhar nas piscinas inspirado por lendas como Daniel Dias!” [Imagem: Reprodução/Instagram/ @lucianamartins.bastos]

O esporte é uma grande fábrica de histórias e lendas. Para Elke “o esporte paralímpico possibilita a construção de ídolos, incomuns até certo tempo. Ídolos que inspiram a prática esportiva, a autoestima, a inclusão e trazem um olhar comum para a diferença entre as pessoas.” O próprio Daniel Dias considera que “o esporte é uma linda ferramenta de inclusão e que pode transformar a vida de muitas pessoas.”

Quando se é tão vencedor como Daniel Dias, tornar-se ídolo é quase instantâneo. Mas um verdadeiro modelo para as próximas gerações requer mais do que apenas o peso das douradas no pescoço. “Ele não apenas alcançou um sucesso excepcional no esporte paralímpico, mas também enfrentou desafios pessoais e se destacou como defensor dos direitos das pessoas com deficiência.” afirma Luciana. A mãe de Miguel ainda reforça: “Como mãe, vejo em Daniel Dias um exemplo poderoso para transmitir valores como resiliência, perseverança e empatia ao meu filho Miguel.”

Por isso, Daniel Dias não é apenas uma inspiração dentro das piscinas, mas fora das águas também demonstra ser revolucionário. “Suas conquistas nas piscinas não apenas quebraram barreiras e estereótipos sobre o que atletas com deficiência podem alcançar, mas também inspiraram uma nova geração de nadadores e pessoas com deficiência a perseguirem seus sonhos esportivos”, afirma Luciana. Samuel Oliveira, nadador da mesma categoria que Daniel (S5), conhecido como “Samuka”, reforça: “Elas [as conquistas de Daniel] me inspiram muito por sermos da mesma classe (S5, limitação físico-motora). Então, eu busco sempre me inspirar em bons resultados, como os dele. E, fora do esporte, ele sempre tem mensagens boas, como ‘sorrir pra vida’. É, sem dúvidas, um exemplo dentro e fora das piscinas.”

Daqui para frente

Mesmo com a aposentadoria da natação em Tóquio, Daniel segue trabalhando com esporte. Em agosto de 2021, foi eleito para o Conselho dos Atletas do Comitê Paralímpico Internacional junto com outros cinco atletas. O campeão paralímpico ocupará o posto até as próximas Paralimpíadas, na França, em 2024. Seu principal objetivo é discutir a nova classificação na natação, que rebaixou atletas funcionais e repercutiu, inclusive, em seus resultados pessoais, que foram inferiores na última competição, no Japão. “Eu acredito que temos que ter uma definição mais clara sobre a classificação funcional. Essa será a minha principal pauta no Conselho, porque a classificação impacta diretamente na vida e na carreira dos atletas” afirmou o nadador ao site dedicado ao atleta.  

No mesmo ano, em outubro, Daniel Dias assumiu a Secretaria de Esportes de Atibaia, tornando-se a primeira pessoa com deficiência a assumir o cargo. Em janeiro de 2022 deixou o posto para se dedicar mais ao instituto que idealizou.

O Instituto Daniel Dias busca a inclusão social através do esporte [Imagem: Reprodução/Instagram/ @danieldias88s]

Fundado em 2014, o Instituto Daniel Dias visa incentivar o esporte paralímpico no Brasil e oferecer oportunidades para PCDs: “Por isso que hoje eu tenho o Instituto Daniel Dias e o projeto do instituto Nadando com Daniel Dias. A gente espera crescer pelo Brasil com esse projeto e, através da Lei de Incentivo ao Esporte, hoje a gente leva o esporte paralímpico, a natação paralímpica para alguns municípios do Brasil”, afirmou o ex-atleta. 

Nadando ou não, dentro ou fora das piscinas Daniel Dias é um campeão. Se em Pequim sua jornada paralímpica vitoriosa começou, 15 anos depois, com dezenas de medalhas paralímpicas a mais, o que mais brilha em sua coleção é a sua atitude positiva e sua escolha por viver.

Imagem de capa: Agência Brasil

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