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Os mecanismos institucionais da maternidade no esporte

Composta por aspectos pessoais e estruturais, a maternidade não configura uma escolha trivial para as atletas. Em muitos casos, a opção significa abdicar do rendimento atingido até então na carreira.  Diante da lógica de resultados do esporte profissional e da desigualdade de gêneros, a falta de vitórias não é tolerada para uma mãe atleta. Para …

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Composta por aspectos pessoais e estruturais, a maternidade não configura uma escolha trivial para as atletas. Em muitos casos, a opção significa abdicar do rendimento atingido até então na carreira. 

Diante da lógica de resultados do esporte profissional e da desigualdade de gêneros, a falta de vitórias não é tolerada para uma mãe atleta.

Para essa pauta, o Arquibancada entrevistou Joanna Maranhão para contar suas experiências no esporte em volta do assunto da maternidade.

 

O vôlei nacional

Em entrevista para a revista Marie Claire, a jogadora de vôlei Jaqueline falou sobre as dificuldades do retorno ao esporte após a gravidez. A ponteira-passadora disse que, depois do nascimento de seu filho Arthur, foi muito difícil achar um clube: “Não queriam me contratar. Jamais imaginei, parecia um preconceito, não me queriam na equipe por não saber como iria retornar às quadras.” 

A Superliga Feminina apresenta também um segundo agravante: todas as atletas têm seu talento rankeado e, a partir desses dados, restringem-se os clubes que uma atleta tem permissão de integrar o elenco. 

Embora tenha sido pensado inicialmente como uma ferramenta para evitar que clubes sejam marginalizados e que todas as grandes atletas  – consideradas no mínimo nota sete – concentrem-se em poucos times, a medida desfavorece atletas mães. Essas atletas recebem pontuações reduzidas por terem ficado afastadas temporariamente, tendo opções mais restritas de clubes. 

O critério não é popular entre as jogadoras, que constantemente apontavam seu descontentamento com a medida. Após a determinação da temporada 2019/2020 da Superliga Feminina terminar sem um campeão, fez-se uma nova reunião em que discutiram-se aspectos do torneio. Nessa ocasião, definiu-se por um placar apertado – decidido pelo voto do Sesi/Bauru – que o ranking deixará de existir na próxima temporada. 


Serena Williams

Serena Williams comemorando ponto. [Imagem: reprodução Flickr]

No dia 13 de Janeiro de 2020 Serena Williams, aos 38 anos, conquistou mais um troféu em sua carreira, no Aberto de Auckland, na Nova Zelândia. O troféu é o primeiro conquistado pela tenista desde 2017, quando conquistou o Aberto da Austrália, já grávida. 

Atualmente, Alexys Olimpia tem 2 anos e Serena ainda não conseguiu conquistar um Grand Slam desde seu retorno às quadras, no final de 2018. A tenista está a um Grand Slam de Simples de se igualar à Margaret Court, com 24 títulos de simples, e tornar-se a tenista mais vitoriosa do esporte.

Certamente uma das melhores atletas dos últimos tempos – com o total de 40 troféus de Grand Slam quando somadas as conquistas de duplas, além de possuir 4 medalhas olímpicas de ouro – Serena pode ser usada como exemplo quando analisamos o impacto da gravidez no rendimento de uma atleta. Quando retornou ao tênis, Serena chegou a ser a número 451º mundial, o que a prejudicou em chaveamentos e até mesmo no número de jogos.

A tenista foi, inclusive, o principal motivo pelo qual a WTA – sigla em inglês para Associação de Tênis Feminino – permitiu uma flexibilização maior no vestuário das atletas. Após sua volta, Serena chamou atenção ao competir utilizando um macacão em algumas partidas. A escolha pelo uniforme não foi feita baseando-se em estética, mas sim por problemas de saúde em decorrência da gravidez. Willians sofreu de embolia pulmonar, o que a obrigou a fazer outra cirurgia após sua cesária de emergência. 

Outra mudança positiva na WTA corresponde à forma como a associação enxerga formalmente a licença-maternidade: antes da mudança, as isenções, no que se diz respeito à classificação e ao posicionamento nas chaves, eram semelhantes ao de uma lesão. Esse regulamento torna-se problemático a partir do momento em que as mudanças fisiológicas e emocionais de uma gravidez passam a ser abordadas da mesma forma como uma lesão muscular, por exemplo. 

A isenção concedida durava dois anos e era contabilizada a partir do último torneio com participação da atleta, podendo ignorar, assim, um período da gravidez antes do nascimento de seu filho. No novo regulamento, uma atleta disporá de uma posição especial no ranking durante um período de três anos após o nascimento de seu filho. 

As atletas que, antes da parada, tivessem ranqueamento suficiente para serem consideradas como cabeças de chave – posições em que sua adversária será necessariamente uma atleta de ranking inferior  – receberão  o direito a serem cabeças de chave adicionais durante 12 torneios após sua volta, o que suaviza o impacto negativo no rendimento das atletas recém-mães. 


Joanna Maranhão

Joanna começa a entrevista contando que sua iniciação na natação ocorreu por motivos de segurança, já que sua família frequentava muito praias e piscinas. Foi também de forma despretensiosa que ela viu que se destacava: “Desde muito cedo eu percebi que assimilava o que aprendia mais rápido que meus colegas de turma. Na época, ainda não via isso como um talento, e aguçou o meu interesse em aprender os quatro estilos”.

A ex-nadadora conta que sua inserção nesse universo competitivo aconteceu de uma forma muito lúdica e prazerosa porque sua família esteve muito presente. Ela contextualiza que “o resultado das competições não era o mais importante, era uma confraternização familiar’.

Joanna Maranhão durante competição. [Imagem: reprodução Flickr]

A iniciação competitiva é amedrontadora. Seus pais, inclusive, chegaram a discutir se valia a pena que Joanna continuasse, tamanho o estresse. Mesmo que não enxergasse sua facilidade com o esporte como um talento, ela apresentou resultados muito cedo: “Não houve um momento em que pensei em ser profissional, sempre fui muito caxias com treino e as coisas foram tomando uma seriedade. Conforme fui avançando nas categorias, disputando o Campeonato Brasileiro e entrando na seleção, era normal que eu começasse a dar cada vez mais atenção para isso”. 

Embora a questão da maternidade fosse um desejo de Joanna, a coexistência com o esporte não foi uma opção: “Eu sempre quis ter filhos e, para mim, eu nunca cogitei ter as duas coisas ao mesmo tempo. Parar por um tempo, ter filho e depois retornar. Sempre enxerguei assim, e hoje vejo que tomei a decisão certa. Tanto o esporte de alto rendimento quanto a maternidade demandam atenção plena e total e não há muito como você se dividir”. 

A ex-nadadora olímpica comenta também sobre sua especialidade na natação. Segundo ela, é humanamente impossível gestar um filho e retornar a competir de forma competitiva, principalmente se tratando de uma nadadora de provas longas, como 400m Medley. Para ela, as provas mais rápidas tem características diferentes: “Talvez se eu fosse uma atleta velocista, não que seja mais fácil, mas por ter uma prova de complexidade menor e que não requer tanto tempo de treino e mais detalhes e que, com uma maturidade, você às vezes consegue até resultados melhores do que quando mais nova”.

Ela confirma que sua especialidade em provas de fundo, aliadas ao seu jeito “caxias” faziam com que dividir a atenção com a maternidade fosse impossível: “Eu nunca vi como um empecilho a maternidade e o esporte porque eu nunca cogitei viver as duas coisas. Eu sempre pensei que, quando eu parasse de nadar, iria começar a construir uma família.”

A dificuldade na volta ao alto rendimento não está associada somente a uma dificuldade de readequação corporal, mas também à lógica clubística presente em variadas modalidades. Por isso, a ex-atleta comenta que “essa questão é uma questão de estrutura e como o Brasil enxerga essas duas coisas. Dentro do Brasil é uma possibilidade, mas não é uma realidade conciliar. São muitos aspectos de estrutura e rede de apoio, principalmente. Não acredito que seja possível manter um aleitamento durante dois anos e seguir como atleta de alto rendimento. A lógica esportiva do país não pode ver isso [a maternidade] como um empecilho”.

O caso da nadadora Dana Vollmer, campeã olímpica em 2012, é um dos exemplos positivos. A estadunidense teve filho logo após os Jogos, retornou e conquistou a medalha de bronze em 2016. “Quando a Dana Vollmer decidiu voltar, as pessoas a motivaram. Das vezes que  vi meninas tentando retornar, no Brasil e na natação, não havia nenhuma motivação, torna-se muito mais uma dúvida”, comenta Maranhão.

Joanna fala sobre a trajetória da jogadora de handebol Samira Rocha. Integrante da seleção brasileira em quatro mundiais e duas Olimpíadas, a atleta deixou de ser convocada e foi demitida pelo clube que atuava na Hungria por conta da gestação. Após a gravidez, Samira conseguiu retornar ao alto nível no handebol, porém agora por um clube menor, com um salário pior. 

Retornando à natação, Joanna recorda de poucos casos de meninas que engravidam e que, na maioria dos casos, tratam-se de gravidezes não planejadas: “Algumas tentaram voltar, mas nenhuma atleta brasileira que eu conheça conseguiu retornar em alto nível, entregando aquilo que conseguia antes da gravidez”. 

Joanna Maranhão olha com orgulho para sua carreira: “Tive resultados expressivos muito cedo, fui a quinta melhor do mundo com 17 anos de idade e foi tudo muito natural, não fazia uso de suplementação, nem de trabalho de força”. Ela também compreende sobre a importância dos baixos resultados em sua carreira: “pelo fato de eu ter passado por uma depressão, enfrentado um abuso, passei muitos anos sem conseguir ter uma boa performance na natação, que seriam aqueles em que atingiria o pico da minha performance, entre 21 e 25 anos. Essa foi a época que eu tive mais altos e baixos, e eu poderia ter encerrado a minha carreira ali, mas eu queria resolver algumas coisas comigo mesma, queria que a natação voltasse a ser algo prazeroso para a minha vida’’.

Para ela, essa mentalidade possibilitou que sua carreira fosse longa. Joanna é a única nadadora brasileira que participou de quatro edições dos Jogos Olímpicos e enxerga o valor e o peso de ter vivido todos os tipos de experiência na piscina: “Preciso também respeitar a minha história e valorizar o fato de que eu vivi as minhas piores e as melhores experiências no mesmo lugar. No mesmo lugar que eu fui a quinta do mundo, fui abusada sexualmente. Então você organizar tudo isso e seguir nesse ambiente procurando desenvolver a sua melhor versão, isso tem um valor muito grande”.

Analisando hoje sua vida como gestora pública e também ocupando-se com a maternidade, ela diz que estar inserida dentro do sistema executivo permitiram-na otimizar e tentar implementar aquilo que ela vislumbra como positivo para o desenvolvimento do esporte, inclusive a partir da análise de seus erros de gestão.

Atual gerente de esportes da cidade de Recife, afirma que o trabalho feito até então na cidade constitui um “ponto fora da curva” se comparado ao cenário nacional de políticas públicas no esporte. Trabalham junto com a ex-nadadora na Secretaria Executiva de Esportes Yane Marques, campeã olímpica do Pentatlo em 2012 e atual chefe da pasta, e Cisiane Dutra, atleta da marcha atlética brasileira.

Joanna fala da importância de ocupação de ex-atletas no setor: “fico pensando o quanto nós, ex-atletas, podemos contribuir com a nossa visão mais progressista. Precisamos ocupar esse espaço, seja no executivo, no legislativo, no terceiro setor com as ONG´s. Acho que, se não nos colocarmos nesse espaço, a lógica atual continua”.

 

*Imagem de capa: CreativeCommons

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