Por Natália Belizario Silva
Quem me conhece bem ou já me viu jogar um jogo de perguntas e respostas na mesa do bar sabe qual é meu maior medo nessa vida. “Ficar cega” é resposta pra essa questão há tempos. Eu, com meus 4 graus de miopia, tenho pesadelos recorrentes de estar sem óculos procurando alguém num lugar cheio de gente. Horrível. Enquanto a maioria dos meus amigos tem medo de morrer, de ter um filho indesejado, de ficar louco… eu tinha medo de ficar cega. E foi numa coletiva de imprensa, a primeira da minha vida, que matei essa verdade minha.
Envergonhada no meio de jornalistas experientes, com suas câmeras, microfones, claramente apressados, estava eu. Pra eles, era só mais uma coletiva de imprensa naquele dia. Comparada com todas as que teriam na semana, insignificante. Eu até pensei em pegar o bloco de anotações na bolsa que estava no chão, escrever alguma coisa… mas deixei pra lá. Ouvi uma voz vindo do fundo da sala – “Oi! Ai, muito obrigada.”. Minha amiga entrava na sala da coletiva, sorridente, conversando com os assessores de imprensa do Comitê Paralímpico Brasileiro. Verônica Hipólito, a medalhista dos Jogos Paralímpicos Rio-2016. Ela havia competido de manhã e eu, por muito azar, não consegui assistir à corrida na Arena. Fui à coletiva para fazer entrevistas que precisava para fechar um texto e, claro, para dar o abraço apertado que não dei na zona mista depois da medalha de bronze.
Na mesa da coletiva estavam Gustavo Araújo, Evânio Rodrigues, Verônica. Evânio Rodrigues é o primeiro medalhista do halterofilismo brasileiro, com prata na categoria até 88kg. Verônica, nesse texto, é minha amiga. Infinitas matérias falam sobre seu desempenho no atletismo, me dou o espaço de não falar sobre isso por agora.
Gustavo, o motivo desse texto, é um dos quatro velocistas que conquistaram o ouro no revezamento 4x100m. Ele compete na categoria T13, para deficientes visuais. Gustavo não nasceu cego. Ele tem uma doença degenerativa e sua visão se esvai com o passar do tempo.
Quando ele disse que já havia feito parte do movimento olímpico, antes que sua perda de visão avançasse, minhas respostas na mesa do bar pareceram vazias. Aqui começa o que quero contar. O que ficou pra trás era contextualização.
Não estou relativizando a deficiência visual, longe disso. Nem quero soar como os que dizem que “todos temos deficiências”. Mas, meu maior medo na vida não mais é ficar cega. Ser uma pessoa medíocre, talvez. Perder a capacidade de ter empatia, outra possibilidade. Mas não faz sentido, para mim, ter medo de ter uma característica que faz parte de uma pessoa tão admirável, sabe?
Por vezes repeti que odiaria viver em um mundo escuro, sem enxergar meus pais, meus amigos. Me enxergar. Não deve ser fácil e eu não entendo isso de maneira alguma. Ainda que o momento entre eu tirar a lente de contato no banheiro e colocar o óculos no quarto sejam muito incômodos, a óptica me deixa ver com nitidez. Mas entendi, naquela coletiva de imprensa, que meu medo não mais fazia sentido. Eu não estaria num mundo escuro, se ficasse cega. Estaria num mundo mais escuro se fosse como os jornalistas sentados ao meu redor, que descobri bastante inexperientes depois que completaram o bingo das perguntas clichês feitas para atletas. Mais especificamente, paraatletas.
E, quem me conhecia bem ou já tinha me visto jogando um jogo de perguntas e respostas na mesa do bar, vamos começar do zero. Volto dos Jogos Paralímpicos Rio-2016 com menos certezas sobre a vida do que trouxe na mala. Acho que vamos ter que nos conhecer de novo e jogar o jogo mais uma vez.