No dia 13 de julho, o Portal Nacional da Educação (PNE) publicou uma nota nas redes sociais, cujo conteúdo anunciava um pacote de privatizações das Universidades e Institutos Federais. Na publicação, posteriormente excluída, afirmava-se que estudantes com renda familiar superior a R$ 2.994,00 teriam que arcar com mensalidades das universidades públicas. Após a postagem gerar polêmica, a página do PNE e o ministro da educação, Abraham Weintraub, negaram a possibilidade de cobrança de mensalidades ou de privatização. Além disso, Weintraub anunciou que na quarta-feira, 17 de julho, seria apresentada uma reformulação das universidades públicas federais. Segundo o ministro, a mudança aproximaria o ensino superior brasileiro de modelos implantados nos EUA, Canadá, Austrália, dentre outros.
O pacote de mudanças atende pelo nome “Future-se” e foi lançado pelo Ministério da Educação (MEC) no dia anunciado, em coletiva de imprensa. O programa visa facilitar a entrada de verba privada no orçamento das universidades federais que se interessarem em participar. Além disso, os pontos do programa foram abertos para consulta pública.
A Jornalismo Júnior entrevistou dois especialistas e duas estudantes para discutir sobre os principais aspectos do “Future-se” e também sobre a possibilidade da cobrança de mensalidade nas universidades públicas. Fernando Batista Pereira é professor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e autor do artigo “Cobrança de mensalidade nas universidades federais: para que e para quem?”. Daniel Duque é mestrando em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tendo publicado o artigo “Mensalidades nas Universidades Paulistas: um novo modelo de Ensino Superior público”.
Future-se: dúvidas ou garantia?
O programa apresentado pelo governo divide opiniões entre os entrevistados. No entanto, ambos têm ressalvas em relação a ele. Para Daniel, as medidas são positivas, principalmente no sentido da internacionalização das universidades. Contudo, é preciso atentar-se às suas possíveis consequências. “É bom que as universidades tenham liberdade para aderir ou não ao programa, só espero que o governo não use asfixia financeira como arma para forçar as instituições a adotarem essa medida, como dizem que foi feito no caso da adoção do Enem”.
Por outro lado, Fernando Batista entende que grande parte das ações de uma instituição acadêmica pública não estão voltadas para o interesse do mercado. Ele toma a pesquisa básica como um exemplo. “Os resultados da pesquisa básica são muito arriscados e o resultados, quando positivos, só são obtidos a longo prazo. É por isso que não há financiamento privado.”
A perda da autonomia também é um ponto de atenção levantado por Fernando. Para ele, pesquisas feitas em instituições universitárias não devem ser influenciadas por financiadores do setor privado, visando justamente à autonomia e à independência dessas. “Imagine, por exemplo, uma pesquisa universitária sobre efeitos de um medicamento e financiada por uma indústria farmacêutica. Quais são as garantias que a pesquisa será conduzida de forma imparcial?”
Fernando considera que o próprio cenário atual da pesquisa já demonstra a inadequação das propostas de maior participação do mercado no meio. “Se o setor privado quisesse efetivamente financiar as atividades de ensino superior, isso já estaria ocorrendo nas instituições particulares, situação que acontece em uma parcela muito pequena das faculdades.”
Mensalidades, pontos e contrapontos
Embora a cobrança de mensalidades tenha sido uma ideia descartada pelo atual governo, a discussão sobre o assunto foi reacendida. Sobre isso, as opiniões mais uma vez se dividem no meio acadêmico, tanto por parte dos especialistas quanto entre os estudantes.
Em seu artigo, Daniel defende que as universidades, no atual modelo, são grandes mecanismos de transferência de renda. Ou seja, são financiadas pelos impostos pagos pela população, mas quem usufrui de sua estrutura são principalmente jovens de alta condição econômica. Por isso, considera que a cobrança das mensalidades seria uma solução justa e viável para resolver esse problema.
Entretanto, sugere que elas sejam aplicadas progressivamente e tenham valores mais baixos do que aquelas cobradas por instituições privadas de qualidade semelhante, mantendo a atratividade das universidades públicas. “Alunos com renda familiar per capita superior a 1500 poderiam começar a pagar, ainda que um valor baixo, de até 400 reais. Em uma família de 3 pessoas, isso significa menos de 10% da renda total destes”. Ele explica que o valor poderia aumentar progressivamente, a cada 100 reais a mais de renda familiar per capita, mas o acréscimo seria inferior a esses 100 reais. “Para famílias de renda per capita de 5000 reais, não vejo porque não cobrar algo mais próximo de 1000 reais.”
Para Letícia Cangane, estudante de Jornalismo da USP, a questão do valor seria muito importante. Ela abandonou uma faculdade particular porque a família tinha dificuldades em arcar com os custos da mensalidade, e, por isso, escolheu a universidade pública. Porém, não se encaixa nos requisitos para bolsas de auxílio social. “É claro que a minha família ia fazer um esforço para fazer isso acontecer, até pelo fato de eu já ter parado a outra, mas varia muito, de verdade, em relação a quanto isso vai custar. Estabelecer essa conta fixa seria problemático.”
Fernando Batista, assim como Letícia, também considera que a ideia de cobrança de mensalidade em instituições públicas de ensino superior é complicada. “Parte-se de um diagnóstico equivocado de que estudantes dessas instituições são ricos e privilegiados.” Batista atesta que boa parte dos estudantes em instituições públicas são de classe média-baixa e baixa. Em seu artigo, ele aponta que 50,4% dos estudantes de universidades federais possuem renda familiar de até três salários mínimos, segundo dados de 2014 da IV Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das IFES. “Esses estudantes, portanto, não teriam a menor condição de pagar uma mensalidade”, afirma.
Mesmo que a proposta de cobrança de mensalidade se aplique para parcelas mais ricas dos estudantes, como proposto pelo então senador Marcelo Crivella na PL-782, de 2015, Batista explica que a medida traria baixo impacto no orçamento das universidades públicas. Segundo o ele, o recurso renderia um montante de 3 a 5% do atual orçamento. “A cobrança é equivocada porque ou expulsaria uma parcela considerável dos alunos ou não resolveria o problema do financiamento do ensino superior brasileiro.”
A estudante de Engenharia Civil da UFMG, Anna Júlia Milanez, acredita que as mensalidades poderiam ser positivas, desde que direcionadas para quem possa pagar. Para ela, a proposta é interessante pois a arrecadação poderia ser convertida em investimento na própria universidade. Porém, também considera que a medida poderia causar evasão por parte dos estudantes. De acordo com o projeto de Crivella, ela se enquadraria no grupo de estudantes de menor renda e, portanto, não precisaria pagar as mensalidades.
Daniel Duque considera que há outras formas de cobrança de mensalidade viáveis à realidade brasileira: “existe o modelo australiano, em que a cobrança ocorre apenas após o aluno se formar e ganhar um certo nível de renda”. Já Fernando Batista contesta a real efetividade a esse modelo em relação ao orçamento das universidades.
Batista também afirma que os modelos de mensalidade e anuidade estão “longe de ser inequívocos”. Ele cita o modelo estadunidense, o qual trouxe problemas de endividamento por parte de diversos alunos. Também explica a necessidade de se analisar os modelos internacionais com cuidado, considerando as peculiaridades do Brasil para novas possibilidades. Para ele, a questão é: “temos que pensar que o financiamento do ensino, da pesquisa e da extensão numa universidade pública devem ser entendidos como investimento, e não gasto. O desenvolvimento de uma nação não se dá sem o fomento da produção do ensino, da pesquisa e extensão de forma independente”.
Nesse aspecto, Letícia compartilha da visão do especialista. “A faculdade pública está aí exatamente para cumprir esse espaço de incluir a população na educação, que já é um setor deixado de lado entre as nossas prioridades.”