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Quais são as perspectivas de ingresso dos estudantes oriundos de zonas periféricas em grandes universidades públicas?

Conheça os principais questionamentos sobre o assunto pelo ponto de vista dos principais interessados nele, os estudantes
Estudantes em uma sala fazem vestibular para entrar em universidades públicas
Por Luiz Henrique de Paula Dias (lhp.dias11973@usp.br)

“A USP não é paga?” ou “quanto você paga de mensalidade?” são algumas perguntas feitas por alunos do ensino médio sobre a principal universidade pública do país. São as dúvidas comuns entre estudantes do ensino público que permeiam o senso comum brasileiro no geral.

Mito da universidade pública

Raiane Moreira, de 24 anos, é estudante formada no ensino médio na região do Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo. Atualmente ela é estudante do curso de Licenciatura de Física pela Universidade de São Paulo (USP). A graduanda revelou alguns de seus sentimentos a respeito das universidades públicas, em especial a própria USP, durante seu período escolar: “Eu não sabia nada sobre ela, achava que era um lugar apenas para gênios”, comenta.

Esse sentimento se demonstra o mesmo em outros entrevistados, um grupo de 28 alunos de cinco escolas cursando o ensino médio em quatro escolas da região do Grajaú: Escola Estadual Professor Carlos de Moraes Andrade, Escola Estadual Professor Carlos Ayres, Escola Estadual Irmã Charlita, Escola Estadual e Samuel Wainer. Frases como “esse lugar não é para mim”, “eu nunca vou passar no ENEM” ou “não consigo tirar nota boa nem na prova de matemática, imagina no vestibular”, são comuns entre os adolescentes.

Fachada da Escola Estadual Professor Carlos de Moraes Andrade
A Escola Estadual Professor Carlos de Moraes Andrade fica no extremo-sul da cidade de São Paulo. [Imagem: Luiz Dias/Arquivo pessoal]

Segundo dados disponíveis no Censo da Educação Superior de 2022 e na Lei de Cotas – nº 12.711/2012,  50% das vagas do corpo discente de universidades federais, institutos federais e universidades estaduais são disponibilizadas para estudantes oriundos de escolas públicas. No ano de 2022, houve cerca de 262,7 mil alunos provindos dessa modalidade de ensino que conseguiram ingressar em universidades públicas.

De acordo com dados oriundos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), apenas no ano de 2019, 1,62 milhões de alunos se formaram no ensino médio público, ou seja, se considerarmos uma estabilidade dos dados ao longo dos anos, apenas 16,21% dos alunos provindos de escolas públicas conseguiriam ingressar no ensino superior naquele ano, considerando que parte desses alunos ingressantes se formaram em anos anteriores.

Deficiências curriculares

Um dos pontos levantados pelos estudantes sobre o ingresso universitário é a deficiência acadêmica de seus currículos para concorrer nos vestibulares nacionais. Dentre as disciplinas consideradas mais difíceis pelos estudantes entrevistados estão Matemática, Física e Química. No entanto, dados revelam que as lacunas no aprendizado dos alunos vão além das disciplinas de Exatas.

Uma métrica utilizada para medir a competência dos alunos ao longo de sua trajetória escolar é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que consiste em um índice de 0 a 10 que avalia as habilidades dos alunos nas disciplinas de Matemática e Português, bem como a aprovação ao longo de sua trajetória escolar. As projeções do IDEB de 2021, o mais recente disponível, pelo Ministério da Educação (MEC) eram de 4,9 de 10. Porém, após a aplicação dos testes e cálculo do índice, a educação brasileira ficou abaixo do esperado com um resultado de 3,9, o mesmo resultado do IDEB de 2019, revelando uma estagnação da educação pública e resultados abaixo da média.

A reportagem entrevistou dois diretores de colégios públicos para analisar esses dados: Anderson Bispo, diretor da Escola Municipal Professor Melquíades de Macedo de Natal (RN), e outro que preferiu não ser nomeado, mas trabalha em uma escola estadual na região metropolitana de São Paulo.

No geral eles concordaram que o índice IDEB é muito preciso sobre as deficiências curriculares dos alunos das escolas dirigidas por eles, deficiências profundas em questões aprendidas desde o ensino fundamental. “É triste ver um desempenho tão ruim dos alunos no IDEB, pois esse é um período crucial para a formação dos estudantes, onde eles são apresentados a conceitos basilares de português e matemática como escrita, interpretação de texto, álgebra e geometria”, afirma o diretor. Ele explica que esses conceitos são essenciais para o bom aprendizado durante o ensino médio. “Se eles não sabem a base, como eles vão conseguir aprender o conteúdo mais avançado?”, completa.

Deficiências socioeconômicas

Ao longo das entrevistas, uma preocupação frequente era expressada por diversos alunos: “Preciso trabalhar para ajudar em casa”. Cerca de treze dos entrevistados apontaram que as condições financeiras de suas famílias não permitiriam custear um filho universitário durante o período da graduação, apontando a necessidade desses estudantes ingressarem em atividades remuneradas para contribuir nas despesas domiciliares.

Por meio de informações levantadas na Pesquisa OD de 2017 e compiladas pela Rede Nossa São Paulo é possível avistar uma diferença substancial na média de renda de bairros periféricos. O Grajaú, por exemplo, possui uma renda familiar que varia em média de R$ 2.876 a R$ 4.400, enquanto bairros da zona central de São Paulo, como os Jardins, possuem renda média entre R$ 7.700 e R$ 10.498.

Tomando como base os dados acima e dados da Pesquisa de Condições de Vida (PCV), que estimam que o número médio de pessoas em uma unidade familiar brasileira é de 3,4 pessoas por família, a renda per capita média dos moradores dessas regiões varia, aproximadamente, entre R$ 846 e R$ 1.294.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os custos de vida na região metropolitana de São Paulo variam em torno de R$ 4,5 mil. Isso torna inviável para muitas famílias despender de uma pessoa do núcleo familiar que possa se tornar uma fonte de renda e ainda mais inviável arcar com potenciais custos adicionais desses familiares que ingressam na universidade, como transporte e alimentação.

Quais os próximos passos?

Uma das possíveis alternativas foi apresentada por Raiane Moreira, que conseguiu ingressar na universidade pública em grande parte por conta de atividades extracurriculares: “Não teria entrado sem o cursinho”. Raiane foi aluna do Cursinho da Poli-USP em 2018 e conta que recebeu reforços especialmente nas disciplinas de Matemática e Português com foco na preparação para os vestibulares.

Existe uma ampla gama de cursinhos pré-vestibulares gratuitos na cidade de São Paulo, sejam ofertados por entidades públicas como é o caso dos cursinhos populares disponíveis na USP quanto por entidades privadas, como é o caso do Instituto Eurofarma.

Matheus Vigari, diretor pedagógico do Cursinho Popular da EACH (CPE), conta sobre o ingresso a esses cursinhos populares. “Os cursos têm um processo seletivo que contará com uma prova ‘para entender o nível escolar do aluno’ e uma entrevista para conhecer mais o núcleo familiar, vivências e situação socioeconômica do candidato.”

Logo do Cursinho Popular da EACH
Cursinho Popular da EACH (CPE) atende 120 alunos por ano. [Imagem: Reprodução/Atados]

Um dos principais critérios utilizados pelo CPE e por outros cursinhos gratuitos é a situação socioeconômica do aluno, dando prioridade para alunos em situação de vulnerabilidade. “O cursinho tem uma função social de ajudar principalmente quem mais precisa a alcançar esses espaços, um espaço que também é deles”, explica Vigari.

Uma possível solução para as questões financeiras seriam as políticas de permanência estudantil como o Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE). Segundo palavras da pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da USP, Ana Lucia Duarte Lanna, em entrevista ao Jornal da USP, as políticas afirmativas têm por objetivo “garantir aos nossos discentes condições de usufruir das amplas possibilidades relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão que conformam a experiência universitária”. Ana afirma que “ações de inclusão e permanência integram as políticas universitárias e constituem indicadores potentes da importância inescapável da Universidade para a sociedade brasileira”.

A bolsa de permanência compreende, no ano de 2024, um valor de R$800,00 e refeições gratuitas nos Restaurantes Universitários (RUs) da USP. Além disso, fornece a possibilidade de moradia estudantil dentro do campus e um valor adicional de R$300,00 para essa modalidade. 

Bolsas e iniciativas como essas, mesmo que sejam inferiores ao salário mínimo, são consideradas importantes ferramentas para auxiliar alunos de baixa renda durante seu período de estudos, promovendo sua permanência estudantil e formação acadêmica integral.

[Imagem de Capa: Marcos Santos/USP Imagens]

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