Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Quebrando barreiras culturais com a Tropicália

por Paula Lepinski paulalepinski.usp@gmail.com “Eles estavam presos, mas as canções estavam por aí”. É o que diz Tom Zé durante sua entrevista para o documentário Tropicália (Idem, 2012), dirigido por Marcelo Machado. Quem sabe o mínimo sobre o movimento de 1967 que transformou a música popular brasileira entende o que o músico quis dizer: a ditadura …

Quebrando barreiras culturais com a Tropicália Leia mais »

por Paula Lepinski
paulalepinski.usp@gmail.com

http://cultura.culturamix.com/blog/wp-content/gallery/o-que-foi-o-tropicalismo-1/o-que-foi-o-tropicalismo-1.jpg

“Eles estavam presos, mas as canções estavam por aí”. É o que diz Tom Zé durante sua entrevista para o documentário Tropicália (Idem, 2012), dirigido por Marcelo Machado. Quem sabe o mínimo sobre o movimento de 1967 que transformou a música popular brasileira entende o que o músico quis dizer: a ditadura militar podia ter prendido e exilado Caetano Veloso e Gilberto Gil, líderes do movimento, mas nunca seria capaz de pôr fim às marcas da utopia que foi a Tropicália.

E, afinal, o que havia sido a Tropicália? Na primeira cena do filme, é essa pergunta feita a Caetano Veloso em 1969 durante um show em Lisboa, que faz desenrolar o documentário.

Alguns dos integrantes da Tropicália: Jorge Benjor, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Gal Costa e Sérgio e Arnaldo Dias Batista

Demarcando bem o tempo conforme se passam as cenas, o filme mostra o surgimento do tropicalismo em 1967 como um movimento de ruptura com o cenário cultural brasileiro dominado pela esquerda nacionalista, tradicional e anti-americana. Era o avesso da Bossa Nova, das canções calmas e acústicas do início da década de 60. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Jorge Benjor e o grupo Os Mutantes procuraram universalizar a linguagem da MPB ao incorporar em suas músicas elementos contraditórios, como a cultura pop da Jovem Guarda e os arranjos inovadores de maestros da vanguarda erudita, principalmente de Rogério Duprat. O rock, a bossa nova, o samba, a rumba, o bolero e o baião se misturavam nas suas canções, que traçavam um quadro crítico e complexo do Brasil da época através de mensagens subliminares e jogos de palavras. As guitarras elétricas, o estilo hippie, a psicodelia, a violência estética, tudo tinha a intenção de chocar o público, de quebrar barreiras culturais e de sair daquela comodidade do cenário musical da época.

http://3.bp.blogspot.com/-krRgJ_PZEao/UCUZJF3pCPI/AAAAAAAAF6M/TNTR1dZ8pnU/s1600/tropicalia+ou+panis+et+circencis.jpg
Tropicália ou Panis et Circencis, disco grupal que representa a alma do manifesto tropicalista

O filme mostra tudo isso. Mostra, ainda, a ojeriza inicial do público às músicas do movimento, vistas como uma apologia ao capitalismo norte-americano devido à incorporação de elementos como as guitarras elétricas. Aos poucos o tropicalismo domina os festivais de música popular e é aceito pelas massas, enquanto a classe estudantil ataca de forma violenta qualquer artista que siga o movimento. A cena em que Caetano faz um discurso inflamado após cantar ‘É proibido proibir’ sob a vaia feroz do público é uma das mais marcantes do filme, tanto pela sua edição quanto pelo sentimento forte que o áudio ensurdecedor passa. E então, abruptamente, o AI-5 é instaurado, Caetano e Gil são presos e exilados e o tropicalismo é reprimido. A partir daí, o documentário mostra a vida de ambos na Europa e entrevistas atuais com os integrantes do movimento.

Sem dúvidas, Tropicália possui uma dinamicidade nova, diferente, que faz as cenas fluírem sem que a monotonia apareça. O conteúdo cinematográfico é riquíssimo, agrupando imagens inéditas e raras da década de 60, com destaque para os festivais de música promovidos pela TV Record. Contextualizando-se com a história da ditadura militar, o movimento estudantil e a efervescência cultural da época, o documentário mostra o painel artístico dos anos da Tropicália de forma a incutir no público a essência do que havia sido aquele movimento efêmero que deixou marcas nas diversas áreas da cultura e da sociedade brasileira.

http://blogdozecelso.files.wordpress.com/2013/01/passeata_dos_100_mil.jpg
Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nana Caymmi na Passeata dos Cem Mil, em 1968

Quase todo montado com imagens obtidas dos arquivos de 1960 a 1970, no documentário quase não há entrevistas, maioria concentradas no final do filme. A ideia de Marcelo Machado de montar uma linha do tempo com as cenas do período, incluindo depois o áudio com os comentários daqueles que participaram do movimento, foi muito bem sucedida. As declarações de Rita Lee, Gal Costa, Caetano Veloso, Rogério Duarte, Rogério Duprat, Tom Zé, Gilberto Gil, Hélio Oiticica e os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Batista às vezes narram, às vezes opinam sobre aquilo que é mostrado. E o público se envolve com as cenas das apresentações dos artistas, dos festivais, as inúmeras fotos, os efeitos de cores vivas dando alegria ao preto e branco de muitas cenas.  O próprio documentário parece querer fugir da monotonia, do “bom tom”, tanto criticados pelo movimento tropicalista. A edição é diferenciada, cheia de efeitos visuais coloridos que lembram as cores berrantes utilizadas pelos artistas do movimento. A passagem das cenas, ao invés do corte seco, é incrementada por efeitos e sons e imagens. Novamente, o filme flui, não empaca, não chateia.  É fácil de ver, principalmente se você é um amante de MPB.

http://payload32.cargocollective.com/1/6/210723/2944736/Fotos_DIVINO_MARAVILHOSO_FRAME-DIVULGA-0.01.00.jpg

As entrevistas foram um detalhe a parte. Ao invés de simplesmente capturar a fala sobre algo batido, Marcelo Machado procurou antes reavivar a memória e trazer de volta algum sentimento antigo dos entrevistados. Para isso, mostrou para cada um individualmente cenas marcantes da montagem inicial do documentário. O mais empolgado de todos é Tom Zé, que dá uma aula do que foi a Tropicália na luta contra a “sombra da ditadura”.

http://www.bossanovafilms.com.br/static/photos/tropicalia_2.jpg
Caetano Veloso assistindo às cenas selecionadas por Marcelo Machado antes da entrevista

Se o filme peca em algum quesito, seria na falta do “depois”, do extenso legado cultural da Tropicália. Irreverente, ela transformou não só o gosto pela música, mas também quanto a política, a moral, ao comportamento, ao sexo e ao vestuário, e isso o filme não mostra. Além disso, a ênfase em Caetano e Gilberto Gil, sobretudo no final do documentário, pode ser vista como um pouco excessiva. Ainda assim, somente pelo mergulho nas cenas de 67 e 68, o documentário Tropicália se torna um registro da cultura brasileira e vale a pena ser visto e absorvido tanto por aqueles que vivenciaram o período quanto pelos jovens de hoje.

Assista ao trailer:

<a href="https://www.youtube.com/watch?v=SS8uhFa0MYg">https://www.youtube.com/watch?v=SS8uhFa0MYg</a>

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima