Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Rebatendo a maldição do Bambino: 20 anos da virada do Boston Red Sox

Em 2004, ex-time de Babe Ruth quebrou o jejum de 86 anos sem vencer a World Series e conquistou sua redenção no beisebol
Por Fernanda Franco (fernanda.francoxavier@usp.br) e Rafael Dourador (rafa.dourador@usp.br)

Ganhar a World Series, final da Liga Americana de Beisebol (Major League Baseball – MLB), vale mais do que um título para o Boston Red Sox. Há exatos 20 anos, o time não apenas marcou uma virada histórica no mundo do beisebol — ao reverter uma desvantagem de 3 a 0 nos playoffs contra o New York Yankees — como também encerrou 86 anos de derrotas e frustrações, quebrando finalmente a crença lendária que o acompanhava: a “maldição do Bambino”. 

O que começou como uma superstição entre torcedores, se transformou ao longo das décadas em uma narrativa épica de redenção. A vitória seguinte do Red Sox sobre o St. Louis Cardinals na final, em 27 de outubro de 2004 , apagou de vez o fantasma de Babe Ruth, o Bambino — ex-jogador do time que, em 1919, foi vendido para os Yankees. 

Quem foi Bambino?

A relação de George Herman Ruth Jr. (1895 — 1948) com o Boston Red Sox começou em 1914, quando o clube o contratou. Ele tinha 19 anos e era um jovem promissor que disputava ligas menores em Baltimore, mas foi no Red Sox onde demonstrou grande talento como rebatedor na temporada seguinte. Venceu as edições da World Series de 1915, 1916 e 1918 até ser vendido para o New York Yankees, em 1919.

Babe Ruth se tornou a primeira “Super Estrela” do esporte americano [Reprodução/Wikimedia Commons]

Em entrevista ao Arquibancada, Ubiratan Leal, jornalista esportivo da ESPN, explica o efeito que Babe Ruth teve para ser considerado o maior jogador de beisebol da história. Segundo o especialista, Babe revolucionou o beisebol como esporte, especialmente sobre a forma de jogar.

“Ele aprendeu a rebater com muita força para a bola sair do estádio, o que acontecia só às vezes, não era tão frequente no jogo. Então o jeito dele jogar fez com que os times começassem a procurar mais jogadores com esse talento”, conta Ubiratan. Essa jogada é chamada de Home Run, momento em que a bola é rebatida para fora do estádio e o time ganha todos os pontos da entrada. “Babe Ruth fez com que o Home Run se tornasse uma ferramenta do dia a dia do beisebol para os times pontuarem”, complementa. 

Acumulando vários recordes ao longo de 22 anos, Babe Ruth teve um total de 714 Home Runs em temporadas regulares — feito que só foi superado por Hank Aaron (755) e Barry Bonds (762). Além disso, Ruth é o único jogador na história da Major League a conseguir um shutout — quando um único arremessador (pitcher) atua em uma partida completa e não permite que a equipe adversária marque um ponto — e também é quem possui o maior número de partidas com vários Home Runs marcados (72).

“Nos anos 1940, ‘Ruthian’ virou um adjetivo nos Estados Unidos para dizer que alguém era tão bom em alguma coisa como o Babe Ruth era no beisebol. É como quando a gente fala que alguém é o ‘Pelé de alguma coisa’

Ubiratan Leal

O apelido “Babe Ruth” surgiu no início da carreira de George, em Baltimore, supostamente  por conta de sua aparência jovial e por ser ainda muito novo. Ubiratan conta que, no Yankees, o jogador começou a ser chamado de Bambino. “Como ele foi jogar em Nova Iorque, onde tinham muitos imigrantes italianos, virou ‘Bambino’, que é ‘criança’ em italiano”, explica o jornalista. 

Red Sox e a “Maldição do Bambino”

Em 1919, o dono do Boston Red Sox anunciou uma decisão inusitada: vender seu melhor jogador ao rival Yankees para financiar uma peça na Broadway. Harry Frazee era produtor e diretor teatral e havia comprado o time três anos antes. Manchetes da época revelaram que o valor da transação seria de cem mil dólares.

Assim, a rivalidade, que já existia historicamente entre as duas cidades desde os tempos de industrialização, ganhou uma nova frente: o beisebol. Segundo Ubiratan, foi após a compra do Bambino que o Yankees ingressou em uma longa e virtuosa sequência de conquistas, enquanto o Red Sox, que era o time mais forte do beisebol, ficaria sem conhecer o gosto da vitória pelos 86 anos seguintes. 

“Começaram a falar que era a ‘Maldição do Bambino’ como uma brincadeira, como se os ‘deuses do beisebol’ quisessem punir o Boston Red Sox por vender o maior jogador da história para financiar uma peça de teatro”

Ubiratan Leal

Pelo Yankees, Bambino conquistou quatro vezes a World Series e entrou para o Hall da Fama em 1936. O time, que antes nunca fora campeão, agora era um dos mais vitoriosos do século, chegando a construir um estádio próprio em 1923 — que se chamava Yankee Stadium, mas ficou conhecido como “a casa que Ruth construiu”.

Virada em 2004: o fim da maldição

No beisebol norte-americano, há três competições principais: a temporada regular, os playoffs e a World Series. Na primeira, cada equipe da Major League Baseball (MLB) joga 162 jogos ao longo da temporada, enfrentando equipes de sua própria liga (Liga Americana ou Liga Nacional) ou da liga adversária. Cada liga é dividida em três divisões: Divisão Leste (East), Divisão Central (Central) e Divisão Oeste (West), e elas funcionam como as conferências em outros esportes, isto é, são divisões regionais para os times disputarem entre si a classificação para os playoffs.

Ao final da temporada regular, os vencedores de cada uma das seis divisões avançam para os playoffs, junto com alguns times de wild card (times que não venceram suas divisões, mas tiveram um dos melhores desempenhos). Os playoffs da MLB funcionam como um torneio eliminatório para decidir o vencedor de cada liga. A World Series recebe os campeões de cada liga para se enfrentarem em uma disputa de melhor de sete  jogos: quem vencer quatro partidas primeiro é declarado campeão da MLB.

Para completar a crise que permanecia no Boston Red Sox com o jejum de décadas, o time passava por situações desanimadoras, tanto para os jogadores quanto para a torcida. Nas 84 temporadas após a venda de Ruth, os Sox chegaram à World Series apenas quatro vezes (1946, 1967, 1975 e 1986), perdendo cada uma delas no sétimo jogo.

Além disso, erros administrativos atrapalhavam o desempenho da equipe. “Muitos anos sem ganhar títulos, você começa a ficar pressionado, tenta sempre dar um jeito de ganhar e não ganha. E o Red Sox foi sofrendo com isso, ficaram anos cometendo muitos erros, se precipitando para contratar jogador”, comenta Ubiratan.

Em 2003, outra derrota traumática afetou o time, justamente contra o New York Yankees. Em disputa válida pelos playoffs da MLB, o Boston perdeu de 4 a 3, com confusão na terceira partida. Para o jornalista da ESPN, no entanto, essa eliminação foi um dos fatores que levou o time à vitória no ano seguinte. “Assim como os brasileiros na copa de 1994 vieram cascudos pelo trauma de 1990, acho que isso também aconteceu com o Red Sox”, analisa.

A redenção (e a vingança) do Red Sox veio também nos playoffs, em outubro de 2004, e não poderia ser contra um adversário diferente senão o implacável Yankees. O time de Boston começou perdendo os três primeiros jogos, já indicando que aquele seria mais um final como todos dos últimos 86 anos. Sobre isso, a estadunidense Lesley Duncan, fã do Red Sox desde a infância, conta que nunca perdeu a fé na equipe: “Nós sempre temos aquela esperança ilusória de que eles vão se sair muito bem, mesmo que não o façam”.

Mas os ‘deuses do beisebol’ tinham um roteiro diferente naquele dia. No nono inning (entrada) — rodada habitual do beisebol, em que cada equipe tem a oportunidade de defender e atacar — do quarto jogo, o Yankees vencia por 4 a 3, e Mariano Rivera, rebatedor do New York, não conseguiu fechar o duelo. Foi a brecha que Dave Roberts precisava para empatar a partida e David Ortiz garantir a vitória do Red Sox nos innings extras.

“Aquele jogo foi espetacular, mas ainda assim era um 3 a 1. Daí eles ganham o segundo, também de virada, e entram na mente do Yankees, porque nunca na história dos playoffs um time tinha chegado a um 3 a 0 e tomado a virada por 4 a 3. E isso não aconteceu nem depois daquela temporada, aquela foi a única vez na história”, conta Ubiratan, sobre a mudança de atitude do Red Sox após o quarto jogo dos playoffs.

Um verdadeiro “red socks”! O arremessador Curt Schilling jogou a sexta partida dos playoffs com as meias sujas de sangue por conta de uma lesão em seu tornozelo direito [Reprodução/Wikimedia Commons] 

Com essa virada de chave, a pressão se voltou para o Yankees, que perdeu o controle da disputa. O Red Sox venceu os dois últimos jogos e eliminou os nova-iorquinos dos playoffs com requintes de crueldade. Não faltava desconfiança para os torcedores de Boston, que já tinham visto o filme de perder na final. Era necessário comemorar com cautela, pois o próximo desafio, a World Series, estava por vir.

Surpreendentemente ou não, o Red Sox atropelou o St. Louis Cardinals por 4 a 0. Com boa participação de David Ortiz, Curt Schilling, Pedro Martinez e Derek Lowe, o time de Boston não deu chances para o adversário.

Com isso, eles conquistaram a primeira World Series pós-Babe Ruth, quebrando a “maldição do Bambino” e ingressando em uma nova fase vencedora de Boston – que desde então conquistou mais três títulos da World Series (em 2007, 2013 e 2018). “Tinha muitas crianças na época que não sabiam da dor, da angústia, que passamos. E eu acho que ver esses jogadores mudou a forma como a base de fãs via o Red Sox”, relata Lesley, em entrevista ao Arquibancada.

Red Sox já foi nove vezes campeão da World Series [Reprodução/X]

Sob o olhar de uma torcedora

Lesley Duncan, 46, é administradora da conta Boston Sports Zone no X e apaixonada por beisebol desde os três anos de idade, a princípio, por influência da família. Tendo crescido durante o jejum do time, ela relembra que eram jogos difíceis: “Ou eles chegavam muito perto de vencer a World Series mas depois perdiam, ou era uma temporada sombria do início ao fim. Nunca tinha um meio-termo”.  

Para Lesley, as derrotas mais dolorosas foram as de 1986 contra o New York Mets, quando ainda era uma criança, e a de 2003 contra o Yankees. Esta última, para ela, foi a mais difícil por quase terem ganhado. “A sensação era de que estava em nossas mãos e foi simplesmente arrancado”, conta. 

Foi diante desses fracassos sucessivos e inacreditáveis do Red Sox que a torcedora relata que a maioria das pessoas acreditavam de fato na maldição. 

“Qualquer coisa diferente que acontecia, atos aleatórios e falhas dos jogadores, as pessoas culpavam a maldição. Tudo que dava errado era a maldição”

Lesley Duncan 

No grande jogo final de 2004, Lesley tinha 26 anos e diz se lembrar com muita vivacidade o momento da vitória. “Eu estava em Iowa usando minha camisa do Red Sox. Dizem que Iowa é o lugar onde os sonhos se tornam realidade e eu posso atestar isso. Foi realmente um milagre”, afirma. Para ela, aquele foi o dia mais espetacular de sua vida.

Ela acredita que todo mundo tem um momento favorito do jogo final. O dela é a celebração dos jogadores Keith Foulke e Jason Varitek logo após a partida, inclusive possui em sua casa uma foto emoldurada deles como recordação. 

“Essa foto traz a sensação de alívio. O peso de 86 anos sendo tirado dos seus ombros”, relata Lesley ao Arquibancada [Reprodução/ X

Mas a emoção de ser Red Sox hoje e na época do jogo é diferente, segundo a torcedora, ao apontar que as gerações atuais têm uma perspectiva do time totalmente diferente. “Não sei se os jovens de hoje em dia realmente entendem o quanto nos apegamos a essa maldição, independentemente de acreditarmos nela ou não. Ela sempre nos dava algo para recorrer”, conta a Red Sox.

Relevância atual

Vinte anos após o fim da “Maldição do Bambino”, a importância desse marco ainda reverbera na memória dos torcedores e no mundo dos esportes, principalmente no beisebol. “O Red Sox aprendeu a ser campeão. Aprendeu que precisa trabalhar com método”, afirma Ubiratan, sobre a principal lição aprendida pelo time. 

Segundo o jornalista, a história do Red Sox mudou radicalmente, e com ela, a perspectiva sobre como as maldições esportivas são vistas na cultura popular. “As superstições são como brincadeiras, não é uma coisa séria. Às vezes, elas se alimentam da pressão que a fila [de anos sem título] cria”, aponta o comentarista. 

Já para Lesley, relembrar a quebra da maldição é relembrar a história de gerações de fãs do clube, que celebraram aquele momento pelo qual alguns esperaram a vida toda. Ela recorda que milhares de pessoas foram às ruas de Boston e fizeram um grande desfile em comemoração ao time. 

“Definitivamente essa vitória significou muito para muitas pessoas, foram 86 anos de espera. Pra mim, essa é a história que mais significa, por mais bobo que seja ganhar um campeonato de beisebol”

Lesley Duncan

A torcedora ressalta que todo esse sentimento de esperança e alegria ao vencer a World Series, em 2004, continua relevante pelo fato de tantas pessoas terem acreditado na superstição. “Talvez nem seja tanto pela maldição em si. Era uma maldição mesmo? Eu não sei. Mas nós nos agarramos a isso por muito tempo”, acrescenta Lesley.  

Equipe do Red Sox faz parte da divisão Leste da Liga Americana [Acervo pessoal/Lesley Duncan]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima