Por Carla Monteiro (carlamonteiro02@gmail.com)
Nos últimos meses, acentuaram-se no Brasil as discussões e os debates acerca da idade mínima que um jovem-adolescente deve ter para ser punido como adulto por possíveis atos infracionais que vier a cometer – atualmente, essa idade é 18 anos. No entanto, está em processo de avaliação no Congresso Federal uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz para 16 anos a idade penal. A PEC 171/1993, proposta de redução da idade penal feita pelo deputado Benedito Domingos (PP-DF), ficou engavetada por mais de 20 anos, mas agora está de volta trazendo à tona as discussões acerca do assunto. No dia 31 de março, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados e seguiu para análise uma Comissão Especial.
Os dados
Dados publicados em 2011 pelo Ministério da Justiça apontam que apenas 1% dos crimes foram cometidos por menores infratores. Se fossem levados em conta apenas os homicídios ou tentativas de homicídio esse indicador chegaria a 0,5%.
Para o professor livre-docente em Pedagogia Social Roberto da Silva, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), o que se está tentando fazer é legislar sobre a exceção, pois as estatísticas mostram que os atos delinquentes cometidos por adolescentes são a minoria diante dos índices de criminalidade como um todo, além do fato de que os menores infratores representam um pequena fração dos jovens em sua faixa etária. “Se fosse aplicada hoje a redução da maioridade penal afetaria em torno de 350 a 450 jovens, que são aqueles que cometeram atos infracionais equiparados a crimes hediondos. O espírito da lei é o espírito da universalidade. A lei tem que afetar a todos igualmente. É inadmissível pensar que 22 milhões de brasileiros que estão na faixa dos 12 a 18 anos sejam colocados sob suspeita. Isso é legislar sobre a exceção”, afirmou.
Existe um grande apelo popular para que a PEC 171 seja aprovada. Uma pesquisa realizada em 2013 pela Confederação Nacional dos Transportes em parceria com o Instituto de Pesquisas MDA mostrou que 92,2% dos entrevistados aprovam a redução da maioridade penal. Os números foram recentemente confirmados pelo Instituto Datafolha em pesquisa realizada somente no Estado de São Paulo.
O Professor Roberto explica que os altos índices de aprovação da PEC são resultado de discursos e propagandas feitas em torno da violência do país, mas ressalta que uma possível aprovação não resolve todos os problemas brasileiros. “Por um lado se fomenta a propaganda da violência. Isso gera um clima de insegurança, de insatisfação nas pessoas e, quando se faz um discurso de endurecimento das medidas e das penas para diminuir a criminalidade, a população está pré-disposta a aceitar. Muitas dessas pessoas que respondem favoravelmente não relacionam isso com os demais problemas estruturais do país. Como se uma única medida, por decreto, por lei, pudesse resolver todos os problemas”, conclui.
A sensação de impunidade, de modo geral, também deixa a população confusa, pois nem sempre se consegue distinguir com clareza a diferença entre maioridade penal e responsabilidade penal juvenil. No Brasil, adolescentes a partir dos 12 anos que cometam atos infracionais são responsabilizados e punidos de acordo com sua idade e a delinquência que cometeu. Nos casos mais graves os adolescentes são encaminhados para internação, que deverá ser cumprida em entidade exclusiva para crianças e adolescentes, obedecendo a programações pedagógicas e acompanhamento psicológico, como é o caso da Fundação Casa . Em países como a Bélgica e a Argentina, por exemplo, a idade de responsabilidade juvenil é 18 anos.
Caso a PEC 171 seja aprovada e sancionada, adolescentes a partir de 16 anos não terão mais o direito de tentar a recuperação em entidades especializadas na ressocialização de cidadãos em seu estágio de desenvolvimento. O que se pretende fazer é conduzir esses jovens às penitenciárias do sistema carcerário brasileiro, que não conta com serviços e projetos psicopedagógicos que visam a recuperação do jovem cidadão.
“Colocar esses adolescentes num ambiente de maior violência e de maior promiscuidade, como é o sistema penitenciário, é aplicar a eles uma pena cruel e degradante, é apostar que esses meninos não tem nenhuma recuperação e o destino deles deva ser o sofrimento, deva ser o cárcere e o abandono”, comenta o professor.
Justificativas
Em 1993, quando propôs a PEC, o deputado Benedito Domingos justificou seu projeto dizendo que “o critério adotado por essa avaliação atualmente é o biológico (…) pouco importando o desenvolvimento mental”, e conclui “o moço [menor de 18 anos] entende perfeitamente o que faz e o caminho que escolhe. Deve ser, portanto, responsabilizado por suas ações”. Para os educadores, a idade em questão é caracterizada por um período delicado de desenvolvimento e, consequentemente, possíveis oscilações.“A peculiaridade de simplesmente estar em desenvolvimento sugere que nada é definitivo. Nem mesmo um erro eventualmente cometido pode ser definitivo na trajetória de uma pessoa que está em fase de desenvolvimento”, explica o professor Roberto.
A Proposta de Emenda está em fase de análise de Comissões da Câmara. Após esse processo, segue para votação da Casa e em seguida para o Senado. Caso seja aprovada, a PEC segue para promulgação pelas Mesas da Câmara e do Senado. Ao contrário do que ocorre com as leis, as emendas constitucionais não passam pela sanção ou veto da Presidência.