Nascida nos anos 2000, acompanhei uma grande evolução na era digital. Quando criança, lembro de ver meu pai utilizando aquele computador de tubo para trabalhar; minha mãe ligando com o telefone de fio; a minha avó brigando com meus tios porque queria utilizar o telefone, mas com a internet ligada não era possível.
Pois bem, sei que aquele foi o começo das grandes mudanças que viriam pela frente e se até eu pude sentir isso, quem dirá os meus pais e avós.
Minha mãe sempre gostou de me contar histórias sobre sua infância, sempre foram histórias emocionantes. Lembro que ela me contava dos dias que passava horas e horas brincando na rua de terra com seus vizinhos, das brincadeiras simples, mas que tornavam cada dia sempre único. Essas narrativas sempre me enchiam o coração. Eu, menina criada na garagem, olhava o lado de fora do portão e me imaginava correndo por aquelas ruas. Mas era fato: aquilo não era possível. A vizinhança não era mais tão confiável. Com isso, minha infância foi baseada em desenhos na televisão e brincadeiras na garagem. Brincadeiras essas que só aconteciam quando estava acompanhada. Brincar sozinha não tinha graça.
E se engana quem pensa que estou reclamando da minha infância. Jamais. Ela de fato foi excelente. É apenas uma comparação com o que minha mãe viveu. Naquela época, os meios de diversão eram outros, assim como os da época da minha vó e assim como está sendo os dessa nova geração.
Chego na casa da minha avó e uma cena cotidiana sempre me incomoda: minhas priminhas pequenas com um celular na mão. Todo dia um video diferente, passaram da fase da galinha pintadinha e agora estão obcecadas pelo Luccas Neto.
O incômodo gerado vem daquela frase que eu sempre ouço minha mãe dizendo: “Vocês não olham o mundo, estão vidrados na tela do celular. Isso aí não é viver não”. Escuto essa frase umas 10 vezes ao dia no mínimo, e sempre respondo que na verdade o mundo agora é assim, ela que precisa se acostumar. Quando se trata de mim, essa fala não surte tanto efeito. Mas ao observar essas crianças, penso se elas não estariam perdendo suas infâncias presas em uma tela de celular.
Em 2014, uma pesquisa realizada pela AVG Technologies com crianças entre 3 e 5 anos mostrou que 66% delas sabiam jogar no computador, enquanto apenas 14% conseguiam amarrar os próprios cadarços. Esses dados podem nos levar a pensar em como os pequenos estão sendo criados. O que tem sido priorizado? Será que a tecnologia é realmente uma grande vilã?
Converso com Caroline, mãe da pequena Alice, de apenas um ano. Ela me conta que sempre procura dar preferência às brincadeiras mais interativas, com brinquedos didáticos que estimulam o desenvolvimento da criança. Ela também conta que, por morar perto de um parque, adora levar Alice até lá para “ver os patos”. Dessa forma, sente que está mais próxima de sua filha, diferentemente de quando utiliza os eletrônicos.
Mas a tecnologia apresenta avanços que trouxeram mais praticidade ao dia a dia. Vale lembrar que em muitos casos, toda a tarefa de criar os filhos fica destinada quase que exclusivamente à mulher. Com o crescimento feminino no mercado de trabalho, o tempo em que as mães passam em casa se tornou muito menor, acentuando ainda mais a questão da dupla jornada e falta de tempo. Uma pesquisa realizada pelo IBGE deste ano mostrou que todos essas tarefas fazem a mulher trabalhar 3,1 horas semanais a mais que os homens. Ou seja, antes elas tinham o dia inteiro para cuidar da casa e dos filhos, mas agora esse tempo se resume apenas a meio período (isso nos bons casos). Deixar a criança entretida é algo muito necessário para que os pais possam realizar suas atividades com mais tranquilidade.
Segundo a psicóloga Maria Marlene de Farias, as brincadeiras são essenciais. “Até os 7 anos, a brincadeira direcionada, supervisionada por um adulto é muito importante, principalmente no desenvolvimento da personalidade.” A pedagoga Amanda Algar completa: “As brincadeiras também são muito importantes para desenvolver a coordenação, a criatividade e a socialização da criança.”
Volto a imaginar minhas priminhas. Estariam elas perdendo todas essas coisas? Preciso levar em consideração que nem sempre elas estão com celulares e tablets na mão, mas que, na realidade, esses são os momentos em que eu reparo nelas. Como se fosse uma visão filtrada, pautada no que eu considero que seria uma infância perfeita, ou seja, pautada no que foi a minha infância. É claro que a forma em que eu fui criada foi completamente diferente. E da mesma forma que antes minha mãe mandava eu sair da televisão, hoje eu falo para as gerações mais novas saírem do celular. Mas com que exemplo? Se eu não desgrudo dessa telinha?
O professor de filosofia Jordan Shapiro, autor do livro The New Childhood: Raising Kids to Thrive in a Connected World, afirma que na realidade crianças devem sim ter contato com a tecnologia desde novas, uma vez que o mundo está mudando e conhecimentos básicos dessas ferramentas são essenciais. Logo, não deveriam os pais demonizar esse tipo de comportamento e sim, incentivá-lo.
Apesar desse ponto de vista, a psicóloga Maria afirma que tamanha implementação pode acabar trazendo prejuízos às crianças, principalmente no ponto de vista afetivo, uma vez que toda essa conexão virtual pode gerar uma desconexão real. Na visão dela, isso é prejudicial para as crianças, já que é nos primeiros anos de vida que criam esse vínculo afetivo com os pais. Caroline, mãe de Alice, ainda reforça que às vezes os próprios pais podem causar prejuízos aos filhos quando passam à expô-los demais em redes sociais, por exemplo.
A pedagoga Amanda Algar diz que o segredo está na moderação. Para ela, a tecnologia tem sido um bom aliado na criação dessa nova geração: “O que não pode acontecer é deixar que essa seja a única forma de distração das crianças”.