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Sem Amor e a evidência de frieza social

Iniciado com diversos takes estáticos de paisagens gélidas que demonstram um inverno forte característico de sua Rússia natal, Sem Amor (Loveless, 2017) parece indicar, através de um imaginário baseado no tempo, o ambiente sensorial que marcará o próprio filme. Isso porque, desde o início e em quase todo seu desenvolvimento, é permeado por uma rigidez …

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Iniciado com diversos takes estáticos de paisagens gélidas que demonstram um inverno forte característico de sua Rússia natal, Sem Amor (Loveless, 2017) parece indicar, através de um imaginário baseado no tempo, o ambiente sensorial que marcará o próprio filme. Isso porque, desde o início e em quase todo seu desenvolvimento, é permeado por uma rigidez e frieza que abrangem diversos aspectos, indo desde o próprio ambiente e chegando até o comportamento das personagens. Muito disso está favorecido pela sutileza visual e pelos diálogos – ou a falta deles – no momento ideal.

A base do enredo é um casamento falido e um intenso choque constante entre o casal. Zhenya (Mariana Spivak) e Boris (Alexey Rozin) dividem um apartamento apenas fisicamente, uma vez que qualquer possível conexão entre ambos encontra-se completamente esfumada. Além disso, o embate entre ambos é constante e o diálogo construtivo ausente. Ambos constituíram relações para além do casamento e possuem novas prioridades, por cima ainda do seu próprio filho Alyosha (Matvey Novikov). Seu desaparecimento após uma terrível briga entre os pais é responsável por redefinir a dinâmica estagnada da família dividida. Não tanto pela instituição de empatia, mas pela exposição ainda pior dos conflitos que permeavam o núcleo. A execução do filme encontra-se intimamente atrelada a demonstrar essa ruptura e inclui todos os elementos técnicos e estéticos.

O jogo de câmera do diretor Andrey Zvyagintsev é semelhante durante o filme inteiro: vários planos estáticos, uns abertos em que os personagens entram e saem, e outros fechados, em que apenas é possível ver os movimentos de partes do corpo. Quando não foca nesse estilo, a câmera acompanha, por trás, os personagens na direção na qual se dirigem. Para além disso, não há uma grave movimentação que indique agilidade ou rapidez.

A falta de música ou de sonoridade marcante e sua inserção em momentos precisos também contribuem para um aumento de tensão: a presença efetiva de melodias encontra-se em momentos de certa transição de localidade ou de contexto, mas quando ausente, favorece uma certa ambientação de limbo, estaticidade. Ao mesmo tempo, a colocação de belas paisagens em diferentes épocas do ano, que servem como indicadores temporais e instauradores de ambiente, contribui para uma experiência visual rica, porém sóbria e comportada.

SEM AMOR 1

De certa forma, a construção de conexões entre personagens e a sua comunicação, além da própria trama e o contexto, lembram um pouco Custódia (Jusqu’à la garde, 2017), drama francês marcado também pela sua ansiedade constante. A relação de apreensividade desenvolvida em Custódia se faz presente em Sem Amor, com uma incerteza que deixam o espectador atento. Porém, ao contrário do seu associado francês, o russo preocupa-se mais (e sem um momento de ápice forte) em evidenciar situações mais sutis e tênues que são exacerbadas pelo estado de exceção vivido pelas personagens. Isto é: comportamentos presentes naturalmente nos envolvidos acabam por ficar mais evidentes ao longo das ocorrências, e contribuem para provar e até provocar, usando a exposição bruta de uma intensa decadência social.

Os ambientes de trabalho, moradia e convivência são muitas vezes caracterizados pela monotonia, além de um certo desinteresse com a realidade ao lado. Revela expressamente uma falta de empatia, que se mostra sutil em locais profissionais mas se evidencia forte e pungente em lugares como a casa familiar ou nas relações entre pai, mãe e filho. Mesmo que não tão elaboradas nos diálogos, poucas e fortes palavras bastam para transmitir uma ideia de descaso por parte de núcleos sociais que deveriam representar união ou carinho, como a família.

O foco excessivo da mãe em redes sociais e as diversas cenas em que aparece apenas passando o dedo pela sua linha do tempo revelam, a princípio, uma certa futilidade e que posteriormente pode ser entendido como desconexão e egoísmo, misturado de certa aversão. Poucos são os momentos em que a mãe demonstra uma preocupação efetiva (ou afetiva) – a não ser quando toda a ambientação atinge um ápice de tensão que levam para uma explosão emocional.

Esse é apenas um dos exemplos de relações que evidenciam a crítica à sociedade russa, mas que são constantes e por vezes friamente cruéis, evidenciando os aspectos conservadores e degradantes da população.. A catástrofe familiar da qual se desdobram os acontecimentos parece ser a base da construção de uma outra grande narrativa. Dessa forma, Sem Amor destina sua abordagem social à gelidez e a estende a diversos contextos, incluindo as relações pessoais, que são essencialmente isso: frias.

Sem Amor estreia em 8 de fevereiro nos cinemas. Assista ao trailer:

por Daniel Medina
danieltmedina@gmail.com

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