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Tatalk show: a maneira como Lady Night marcou a TV brasileira

Tatá Werneck questiona os costumes machistas e tabus em um talk show que abrange, sem pudor, pautas relevantes à sociedade

Tatá Werneck marcou a televisão brasileira com seu talk show, o Lady Night. Ao tratar sobre temáticas polêmicas, com humor e brincadeiras, o programa desmistifica preconceitos e as imagens das personalidades entrevistadas. Atualmente com 5 temporadas, Lady Night foi um triunfo à pequena Tatá, que sofreu preconceito e enfrentou barreiras com sua genialidade. 

Meu programa, minhas regras

Lançado em 2017, Lady Night é o primeiro programa comandado e apresentado completamente por Tatá Werneck. A diretora do programa  até a quarta temporada lançada, Lilian Amarante, em entrevista a Jornalismo Júnior, disse que o talk show surgiu da “barriga” do programa anterior que Tatá participava e a entrevistada dirigia: o Estranho Show de Renatinho. O projeto foi desenvolvido para o Multishow e contava com um momento de talk show para cada participante do elenco do programa. 

Além de Tatá,  ele contava com Maurício Meirelles e Murilo Couto. Para Lilian, o desenvolvimento do quadro para Tatá foi o prenúncio sobre como seria um programa completo para a atriz. “A cada episódio que a gente gravava era praticamente um roteiro que ela jogava fora, porque ela falava que não era assim que ela imaginava seu talk show. Então, eu acho que o Lady Night surgiu, em primeiro lugar, como exclusão de tudo aquilo que ela não queria, mas que ela também ia demandando.”, comenta Lilian com humor.

Lady Night é dividido em diferentes quadros, os quais exibem seus nomes ao público por placas que descem do teto. Para Amarante, a ideia de dividir o programa dessa maneira surgiu de uma demanda de Tatá para não se perder e saber o que perguntar de maneira mais orgânica aos seus convidados. Os quadros apresentam nomes criativos e ajudam na delineação do show — ao longo da temporada, eles entram e saem, de forma dinâmica.  Um que se manteve intacto até a última temporada foi o Entrevista com Especialista, no qual a apresentadora entrevista alguém especializado em determinado assunto. Tatá cria piadas com trocadilhos que variam do escopo tratado pelo convidado. Para iniciar o quadro, a atriz cruza o palco, cumprimenta o entrevistado, coloca seus óculos falsos e senta-se de frente com o convidado, momento em que inicia suas perguntas. Outros quadros merecem destaque, como Meu programa, minhas regras e ChekList de Sexo. No primeiro, Tatá continua a entrevista com a celebridade convidada com regras de como falar ou se portar. No outro, ela através de uma linguagem figurada ligada a características e informações marcantes do entrevistado, conversa sobre a vida sexual deles.

Não se pode falar sobre o programa sem destacar a presença desses convidados. Dependendo do episódio,  são chamados dois, ou até mesmo um casal. No talk show, Tatá e os convidados conversam livremente sobre os assuntos, e há um acordo mútuo de liberdade acerca das piadas, em que ambos se empenham para gerar graça ao público. Ainda segundo a diretora, a intenção era que o convidado fosse desconstruído, não pela sua profissão, mas a pessoa que está no palco.  “A gente queria tentar tirar essa casca dessa pessoa nas brincadeiras, pelo impacto da Tatá, mostrando o lado humano das celebridades, que estão sempre muito armadas nos talks shows. Elas vão para dar uma entrevista e divulgar um trabalho. A gente não queria isso. A gente queria falar com a pessoa. A gente construiu um lugar onde um artista se sentisse livre”, Lilian complementa. Em nenhum quadro a Tatá ou o convidado brilha sozinho. Para convidados específicos há customizações da forma com que o quadro será levado adianta, o que segue e valoriza as particularidades de cada um.

Tatá na entrevista com o confeiteiro Antônio Maciel. [Reprodução/ Instagram/ @antoniomaciel.cakes]

O programa conta com uma plateia ao vivo — essa interação e reação do público altera toda a atmosfera do talk show.

Lady Night, por todas as suas inovações e genialidade, transformou-se em um fenômeno. Inicialmente, o programa era transmitido somente na Multishow, canal de televisão fechado. Os episódios estreavam em sequência com o surgimento de uma nova temporada e depois passavam a ser transmitidos em horários e dias específicos, de acordo com a grade de programação do canal. O sucesso a certo ponto transpassou a Multishow e o talk show ganhou um espaço na televisão aberta, sendo transmitido nas noites de quinta-feira na Rede Globo, por volta das 23 horas. Lilian ressalta: “A ida para Globo foi a prova de que era um programa de mainstream, que tinha qualidade técnica, editorial e que ela era uma apresentadora com uma estatura para ter um programa na Globo”, comenta.

Tatá adentrou a grade da Globo semanalmente e expandiu ares para a TV aberta, em 2021. [Reprodução/ Instagram/ @ladynighttv]

Entrevista com clímax 

Uma mulher, comediante, a frente de um talk show do porte do Lady Night, na maior emissora do Brasil, que entrevista personalidades midiáticas marcantes de maneira subversiva, em um país extremamente machista, é um ato político e revolucionário. 

O Brasil apresenta poucos exemplos de mulheres à frente de talk shows de maneira tão livre e aberta, como foi com Hebe Camargo e seu impacto na televisão brasileira. Tatá experiencia situações semelhantes a Hebe com seus convidados, como a de dar um beijo na boca dos entrevistados, perante a um público marcantemente homofóbico e machista. Outro exemplo da televisivão nacional que se assemelha em alguns aspectos a Lady Night, principalmente pela liberdade temática, foi o programa Amor e Sexo, apresentado por Fernanda Lima. Apesar da presença feminina nesses casos, o machismo associado aos talk shows e a maneira como se estruturam e se formam ainda é presente. Isso se observa principalmente no cenário estadunidense, precursor desse estilo de programa televisivo.

Leia meus labinhos 

Um fator muito importante e marcante ao Lady Night é a veia cômica de Tatá. A comediante, com seu jeito rápido de falar e seu destemor perante tabus, impactou a maneira de se fazer televisão no Brasil. A comédia, por si só, é um gênero extremamente machista, que aloca as mulheres e a feminilidade em estereótipos que as tornam passivas perante a comicidade. Tatá Werneck inverte isso. Toma as rédeas das piadas e assume o lugar de quem faz rir como o personagem principal. 

No Lady Night, ela se expressa com palavrões e fala abertamente sobre sexo — algo inesperado em um programa comandado por uma mulher e que apresenta personalidades tão marcantes no Brasil.

O temor de que a condução do programa, por Tatá, fosse impedir sua ida à Globo, era constante.  “Acho que tem aí todo um contexto social de empoderamento feminino que ajudou nesse processo. De reprente, essa mulher falando palavrão e falando sobre sexo não era só isso, mas era uma mulher se dando a liberdade de falar essas coisas, de ser livre sexualmente, de que a mulher tem desejo, de que ela pode ser uma predadora sexual. Que a mulher pode ser como ela quiser”, diz Lilian Amarante.

Tatá é uma mulher livre e trata sobre assuntos considerados tabus de maneira natural e bem-humorada. [Reprodução/ Instagram/ @pedrosales_1]

Debatendo-se

A relevância e a influência do talk show de Werneck são enormes. Tatá aproveita-se disso e trata de assuntos importantes no âmbito social, como o  feminismo e a liberdade feminina. Temas esses que são geralmente tratados como tabu,  são escancarados com falas e atitudes da apresentadora e das convidadas. 

A atriz  aprofundou de maneira delicada o processo de gravidez e o de tornar-se mãe no programa —  durante as gravações da quarta temporada, a apresentadora estava grávida de Clara Maria, a deusa, como ela a denomina. Apesar dos muitos enjôos e complicações que transpassaram a gravidez de Tatá, não a impediram de seguir com o programa. Ela e as convidadas, durante a entrevista, partilhavam suas experiências e desmistificavam a maternidade idealizada e perfeita — chocando, novamente, o público, ao adentrarem em um assunto tão importante quanto este, mas de forma inovadora. 

Tatá passou por certas dificuldades em sua gravidez. Larissa Manoela, uma das convidadas da temporada na qual Werneck estava grávida, diz ter ajudado a apresentadora em alguns de seus momentos de contínuos enjôos. [Reprodução/ Instagram/ @tatawerneck]

Na última temporada lançada, Tatá abriu a discussão sobre outro tópico pertinente: a transfobia. Ela se declara contra qualquer tipo de preconceito, mas assumiu publicamente a culpa perante piadas transfóbicas feitas anteriormente. A artista pediu desculpa e ressaltou a importância de uma comédia que não ofenda existências.

Os entrevistados também trazem para debate outros aspectos sociais. A lgbtqia+fobia e o racismo são assuntos também tratados no talk show. Dessa maneira, o programa acaba tendo, até mesmo, um caráter social-educativo. “Há um fomento das pautas relevantes, das pautas necessárias. Se ela tem esse lugar, lugar de liberdade. Se ela carrega esse símbolo de uma mulher livre, dona do seu próprio destino, ela também tem que ser responsável nesse papel como cidadã”. 

A diretora ainda afirma como sente a preocupação de Tatá como puramente genuína, assim como a própria apresentadora, que é cuidadosa com questões de minorias e de representatividade. 

Desculpa, eu não posso te beijar 

Durante a pandemia, o programa passou por duas temporadas em que as gravações eram feitas mediante aos testes negativos dos participantes, que eram separados por uma repartição de acrílico. Alguns quadros, como o Desculpa, eu só quero te beijar, pararam de ocorrer. Outros mantiveram-se, mas, nesse caso, feitos com distanciamento.

A plateia do talk show passou a ser virtual, o que, para Lilian, é uma perda muito grande a um programa deste estilo, porque uma plateia faz parte da dinâmica do show. Além disso, de acordo com ela, Tatá é muito sensível à ‘’quentura” da plateia e adapta as piadas seguindo a resposta do público. 

Caixa de comemorações 

Em uma entrevista marcante ao programa Altas Horas, Tatá afirmou que desde sua infância, sofreu muito preconceito por ter atitudes tidas como “masculinas”. Falar palavrão, brincar com sexo, fazer piadas escatológicas — tudo era mal visto quando vindo de Tatá. 

O Lady Night ajudou a desmistificar o preconceito vivido pela apresentadora. Foi como um triunfo à genialidade de Tatá, simbolizando o desprendimento da ideia de que a comédia feminina não pode abarcar temáticas diversas, em especial as que desconcertam, provocam e fazem pensar. 

Transformar as celebridades em pessoas reais e abraçar as diferentes facetas das personalidades foi outro ponto marcante do sucesso do programa.

Um programa com trilha sonora ao vivo e quadros criativos e improvisação e  especialistas e  artistas e dança e gatos e sexualidade e uma pequena gênia em um país da família tradicional não pode ser definido de outra maneira que não seja um ato revolucionário.

A deusa da televisão brasileira com a sua deusa no colo. [Reprodução/ Instagram/ @tatawerneck]

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