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‘The Flash’: mais uma divertida nota na marcha fúnebre do gênero de super-herói

Com uma trama puramente funcional e muito fanservice, o filme entretém, mas, na falta de qualquer substância, evidencia a crise da indústria cinematográfica

The Flash (2023) foi um filme que penou para sair. Os primeiros planos para a criação de um longa-metragem baseado no velocista escarlate dos quadrinhos da DC Comics, na verdade, surgiram nos anos 1980, com um projeto que morreu no meio do caminho, foi reanimado em 2004 e passou por outro hiato até 2014, quando foi anunciado que Ezra Miller interpretaria o personagem no Universo Cinematográfico da DC, com um filme solo planejado para 2016. Nesse ínterim, o filme se tornou uma verdadeira batata quente cinematográfica, pulando de diretor para diretor, roteirista para roteirista, até 2019, quando a dupla Andy Muschietti e Christina Hodson tomou as rédeas da produção.

Desde então, o filme passou por uma cadeia de adiamentos envolvendo fatores como a pandemia e uma sucessão de controvérsias relacionadas à Miller em 2022. No fim das contas, como revelado pelo Deadline, ao final da produção, somaram-se um total de 45 roteiristas envolvidos com o projeto em algum ponto das suas décadas de tramitação.

Agora, neste dia 15, The Flash finalmente estreou nos cinemas, mostrando as marcas de sua produção conturbada e de uma indústria assolada por uma crise criativa. Contando com a participação especial de diversos outros personagens da DC, incluindo o retorno inusitado de Michael Keaton para o papel de Batman, a trama gira em torno de Barry Allen (Ezra Miller), o super-herói Flash, em sua ambiciosa tentativa de salvar a vida de sua mãe voltando no tempo, uma empreitada que o lança para um universo paralelo onde as coisas não estão bem como eram antes.

O filme de fato começa com um gás considerável: a sequência de ação inicial, envolvendo um prédio ruindo, bebês, um microondas e algumas aparições da Liga da Justiça, é de uma palhaçada verdadeiramente refrescante, um ridículo autoconsciente que serve para capturar o espectador de imediato com um tom leve e cômico. Um tom, aliás, um tanto fugidio, com o qual a trama nunca se compromete inteiramente e que tem de conviver de maneiras por vezes muito dissonantes e subtrativas com aquela austeridade típica dos grandes blockbusters de evento.

Ezra Miller retorna ao papel de Flash dois anos após sua última aparição na Liga da Justiça de Zack Snyder (Zack Snyder’s Justice League, 2021). [Imagem: Divulgação/Warner Bros. Discovery]

Surpreendentemente, em suas excessivas duas horas e meia de duração, o longa dificilmente cai em uma monotonia tediosa, apesar de ser, em grande parte, agoniantemente previsível. Nisto, o roteiro de The Flash demonstra razoável competência: entreter o espectador. No entanto, no que o filme tem de entretenimento barato, falta qualquer resquício de substância.

A narrativa corre e tropeça para estabelecer seu conflito principal, isto é, o assassinato de Nora Allen (Maribel Verdú), mãe do protagonista, e a tentativa desesperada de Barry de salvá-la por meio da viagem no tempo. O que deveria ser o âmago emocional da trama aparece como um susto de tão súbito. O ato do velocista de voltar o relógio chega a ser mecânico de tão utilitário para o prosseguimento da história, de forma que a audiência dificilmente tem qualquer chance de se importar com algum daqueles personagens ou com as ramificações astronômicas – evidentes para qualquer pessoa que já assistiu a uma obra sobre viagem no tempo – de uma decisão ponderada pelo protagonista apenas por breves momentos.

O filme só começa mesmo quando o super-herói começa a vagar pelo passado próximo de um mundo alternativo junto com uma outra versão de si, mais jovem, sem poderes e, tendo crescido com seus pais, com uma personalidade bem diferente. Nesse ponto, a atuação de Ezra Miller vem ao primeiro plano, quando duas versões de si precisam contracenar, o que, por sua competência, torna fácil esquecer que os dois personagens são performados pela mesma pessoa.

Tirando isso, há pouco de excepcional no trabalho de Miller. Apesar de ter sido provavelmente a melhor atuação do filme, é bem menos que o suficiente para ofuscar a variedade de controvérsias que giraram em seu entorno e garantiram mais uma pedra no caminho da produção do filme no ano passado. Na ocasião, em março de 2022, a estrela de The Flash foi presa duas vezes no Havaí, primeiro por uma confusão em um bar e, depois, por ferir uma mulher com uma cadeirada.

Foto de rosto de Miller tirada pela polícia após sua primeira prisão no Havaí. [Imagem: Divulgação/Departamento de Polícia do Havaí]

Os incidentes se juntaram a um catálogo de diversas outras polêmicas e crimes, onde constam, entre outras coisas, acusações de manipulação e abuso de menores, invasão a domicílio, furto, agressão e formação de seita. Claro, o conhecimento da figura bizarra que é Ezra Miller dificilmente arruinará a experiência do filme, mas, para o espectador mais bem informado, tal noção certamente fica zumbindo no ouvido toda vez que Barry Allen aparece em cena, adicionando um estranho desconforto.

Impossível falar de The Flash sem discutir as duas outras faces mais predominantes de sua campanha publicitária: o Batman de Michael Keaton e a Supergirl (Sasha Calle). O retorno de Keaton para o papel do homem-morcego pela primeira vez em mais de trinta anos aparece em um contexto no qual o cinema de super-herói e Hollywood em geral têm investido cada vez mais em aparições especiais de atores revivendo suas antigas versões de personagens, vistas em filmes recentes como Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (Spider-Man: No Way Home), em 2021, e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness), em 2022.

Em The Flash, Michael Keaton retorna ao papel de Batman pela primeira vez desde Batman: O Retorno (Batman Returns, 1992). [Imagem: Divulgação/Warner Bros. Discovery]

No caso de The Flash, no entanto, fica evidente como essa aposta no fanservice vazio, facilmente “marqueteável”, tem se tornado um clichê entediante e uma muleta para estúdios procurando lucrar sobre a nostalgia de obras consagradas do passado. A pobreza criativa disso é explicitada na forma como o próprio Batman de Keaton e a Supergirl mal são personagens na trama do novo filme.

Eles têm, admite-se, uma função narrativa e adicionam algo na história (diferente de outras curtas aparições surpresa do filme, que beiram o paródico), mas, para além do breve deslumbre nostálgico, são meros recursos utilitários e apelativos para uma trama que pouco faz para que o espectador desiludido realmente sinta qualquer conexão emocional com essas figuras. A fala clássica, supostamente catártica, saída da boca de Keaton, “Eu sou o Batman”, mais faz rolar os olhos.

Os problemas “sistêmicos” do filme vão além das simples referências ao passado. A produção caótica do longa claramente teve um impacto significativo, principalmente no roteiro puramente funcional, que se contradiz diversas vezes e cria mistérios que simplesmente nunca aborda ou resolve.

O CGI também sofreu com isso. The Flash frequentemente mostra uma confiança descabida em escancarar na tela modelos digitais de seres humanos com a fidelidade visual do Jeff Bridges rejuvenescido de Tron: O Legado (Tron: Legacy, 2010), o que representa uma estranha e recorrente anomalia em um trabalho de computação gráfica, em geral, competente.

A explicação mais lógica para isso estaria não apenas na falta de tempo ou orçamento para aquelas tomadas, como também numa falta de diálogo entre aqueles responsáveis pela direção e os outros que de fato confeccionaram e sabiam as limitações das cenas computadorizadas – algo esperado dado o modelo quase fordista que as grandes produções da indústria tem adotado.

The Flash é, no final das contas, um sinal do fim dos tempos para o gênero de super-herói (e Hollywood no geral, em certa medida). Filmes de heróis têm se fundamentado cada vez mais no fanservice, no apelo à nostalgia e nas aparições especiais, o que denota que tudo que há de bom nessas obras já está no passado. O paradigma não é quebrado há tempos, e o gênero está rapidamente marchando em direção a um abismo do qual dificilmente se recuperará por completo. Não há dúvida que o longa terá uma bilheteria satisfatória, assim como outros na mesma tendência, porém a questão não está no presente, e sim no futuro: não há mais um horizonte para esses filmes, não há mais nada pela frente e o que restou foi apenas olhar para trás e juntar o lucro espalhado pelo chão até o momento em que tudo colapse.

O filme já está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/Warner Bros. Discovery

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