A primeira temporada de The Society, uma das produções originais mais recentes da Netflix, traz um enredo que, à primeira vista, é inovador e desperta interesse. Ao trazer referências ao livro clássico O Senhor Das Moscas, de William Golding, The Society explora questões semelhantes, mas desenvolvidas de maneira bem diferente. Em geral, as duas obras tratam sobre pequenos grupos que foram isolados do resto da sociedade de alguma forma. A partir daí, diversos temas relacionados à tomada do poder e formação de novas comunidades passam a ser tratados, tendo cada produção suas especificidades. No livro, ocorre a queda de um avião com estudantes em uma ilha remota, deixando-os completamente à parte do resto do mundo.
O principal diferencial apresentado pela série da Netflix é que os jovens estudantes permanecem em sua cidade natal, West Ham, região em que se passa toda a trama. Após voltar de um passeio do colégio, o local em que as personagens cresceram juntos não era mais o mesmo. Todos os adultos – incluindo seus pais – não estavam mais lá, não era possível entrar em contato com pessoas de fora, e tudo em volta da cidade era apenas floresta e árvores. Eles estavam completamente isolados.
Nos primeiros episódios, a série tem início com um ritmo rápido e que não se desenvolve muito, incluindo diversas situações que são deixadas de lado ao longo da temporada ou dramas resolvidos de maneira rápida e fácil. Como exemplo, há a citação frequente de um cheiro que assolava West Ham antes da tragédia acontecer, que é apresentado como um ponto central para explicar os acontecimentos sobrenaturais. Porém, isso é deixado de lado ao longo da temporada e, quando as personagens voltam a tocar nesse assunto, outras questões apresentadas pela série já chamam mais a atenção do espectador, fazendo com que uma questão central da história fique em segundo plano.
É notável, em diversos momentos, que os moradores da cidade mudam de opinião rapidamente, muitas vezes sem discutir os problemas apresentados. Isso pode caracterizar a instabilidade emocional que eles vivem por não estarem com suas famílias e terem que se virar sozinhos. Mas, a frequência com que essas mudanças ocorrem ao longo dos episódios, passa a impressão de que poucos ali conseguem impor sua voz e muitos acabam por largar crenças construídas em anos em diálogos que duram apenas minutos.
No tocante às personagens, The Society aprofunda bem as histórias de cada uma delas, trazendo a atenção de quem assiste para todos. Apesar de ter algumas principais, o tempo de tela é bem dividido. Na linha de frente, estão Cassandra (Rachel Keller), sua irmã Allie (Kathryn Newton), Will (Jacques Colimon), Campbell (Toby Wallace) e Harry (Alex Fitzalan). Cada um deles representa diferentes personalidades da sociedade em que vivemos, e é interessante ver como cada um lida com as dificuldades enfrentadas após a tragédia.
Cassandra é aquela líder nata. Ela era presidente do grêmio estudantil no colégio, e – como esperado – é a primeira a se colocar em frente como liderança para lidar com a organização da nova sociedade de West Ham. Já Allie vive às sombras da irmã, sempre procurando ter mais espaço, mas só é lembrada como “irmã da Cassandra”. O crescimento emocional e social da última é dos mais destacáveis ao longo da temporada.
Harry se apresenta de início como o vilão. Ele é o playboy que tinha tudo que desejava e não pretende de forma alguma compartilhar recursos ou bens com o resto da população, pois se acha merecedor e digno de tudo que tem. Seu amigo, Campbell, compartilha dessas características mas, de diferente, ele tem uma personalidade forte e se dá muito bem em seus discursos para conseguir o que deseja.
Por último, Will. Ele é o que melhor lida com a tragédia, pois é acostumado com mudar de residência várias vezes e se virar sozinho.
The Society apresenta como essas personalidades distintas lidam com a situação imposta para eles em West Ham, mostrando as fraquezas de todas as personagens, seus momentos de crises, anseios, dúvidas e frustrações. É aí, na metade da temporada – quando essas questões são postas em prova de forma mais clara –, que a série começa a cativar e emocionar. Torna-se interessante acompanhar a saga das personagens, e é provável que haja uma identificação com alguma delas. Os problemas já citados continuam presentes, principalmente o de mudanças bruscas de opinião e crenças em instantes. Mas, as muitas reviravoltas da trama – às vezes inesperadas –, a tornam emocionante.
Vários temas atuais vividos na adolescência e fora dela são tratados, como gravidez na juventude, as consequências da posse livre de armas de fogo, violência doméstica e relacionamentos abusivos.
A representatividade também deve ser levada em consideração. Muitos grupos e classes sociais estão presentes na série, e alguns deles não muito comuns de terem papéis importantes na televisão. Como exemplo, há Sam (Sean Berdy), surdo, que se comunica por meio de linguagem de sinais. Além disso, há a representação da figura negra em meio a um grupo de pessoas majoritariamente branco e de classe média – representado por Will – e de mulheres que ocupam grandes cargos de liderança e poder – caracterizado por Cassandra.
Discussões de teor político também estão presentes, lembrando obras clássicas que têm esse tema como central, como O Príncipe, de Maquiavel, e Leviatã, de Thomas Hobbes. Ambas retratam o poder nas mãos do rei, chegando a conclusão que a ordem só pode ser atingida por meio de um líder soberano e monárquico.
A série mostra, no início, a crise gerada a partir do momento em que os jovens viram todos os estabelecimentos (supermercados, farmácias, etc.) cheios de produtos e sem nenhuma fiscalização de compra e venda. Esse caos deu origem a discussões sobre dividir recursos e pensar no coletivo em detrimento do individual. Com a figura de Cassandra, também é presente a discussão do poder nas mãos de uma só pessoa e se ela realmente estava governando para o bem todos.
Ao longo dos episódios, são discutidos e apresentados temas como ditadura, democracia e socialismo. É realmente a formação de uma sociedade nova e que precisa criar leis e costumes para que pudesse seguir em frente.
No fim da temporada, muitas dúvidas são colocadas em jogo, e deixa um cenário em aberto para uma continuação. A Netflix ainda não renovou o seriado, mas pela grande repercussão, é provável que haja uma nova temporada.
The Society traz questões importantes de serem discutidas. Na prática, a execução do que foi proposto pode falhar em alguns momentos, mas a história ganha força ao decorrer da série e se apresenta como o ponto forte. É uma experiência interessante e capaz de fomentar diversas dúvidas e reflexões sobre alguns temas atuais e outros seculares, que mostra como a trama é bem construída e desenvolvida ao longo dessa experiência audiovisual.
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