Carimbó, bolero, brega, eletro, moda de viola, guitarrada, samba, valsa e sofrência são exemplos de ritmos populares no Pará. Lá, a música criada pelo homem se mistura com os sons da natureza, que vêm dos animais, do vento e das águas, principal inspiração para Bruno Murtinho desenvolver o documentário Amazônia Groove (2018).
Tendo o Rio Amazonas como cenário, o longa escuta artistas locais, jornalistas e pesquisadores para entender a diversidade musical da região. Em todas as falas, há referência à água. O movimento constante do rio é análogo à malemolência da população amazônica.
Com sequências de tirar fôlego, a obra começa com a indagação “quantas músicas cabem nesse rio?”, que é retomada ao final do filme. O espectador é incapaz de responder, mas tem certeza de que são infinitas as possibilidades. Impossível conviver com um rio da magnitude do Amazonas, fundamental para a subsistência, religiosidade, sociabilidade e economia da região, e não tirar dele qualquer inspiração. O que surpreende é a forma como sua influência é traduzida para a música.
Depoimentos que vão de cantores à capela até um DJ são o material usado por Murtinho na investigação das origens da criação melódica paraense, envolvendo o público nas histórias dos artistas e provocando um balançar involuntário. Enquanto a cantora Gina Lobrista faz músicas que ela denomina como “de corno” e vende seus CDs na feira, a produção de Albery Albuquerque e seu filho Thiago, que harmoniza o conto dos pássaros com violino, é estudada em universidades.
O diretor mistura o popular e o erudito sem distinções. Ele apresenta com a mesma intensidade os cantos religiosos de Mestre Damasceno e a viola clássica de Sebastião Tapajós, assim como o carimbó chamegado de Dona Onete e os sambas praieiros de Paulo André Barata.
O filme também dá voz ao baixista MG Calibre, que tentou carreira na Europa e morou às margens do rio Sena por gostar de ficar perto da água. Não resistindo à distância das margens do Amazonas, voltou para sentir de perto a sua energia e inspiração.
O povo paraense convive com a música desde a colonização, que teve influência espanhola dada a maior proximidade com as colônias caribenhas do que com a coroa portuguesa estabelecida no Rio de Janeiro. Durante a Segunda Guerra Mundial, a região sediou uma base americana e teve influência dos ritmos daquele país, sobretudo do jazz.
O DJ Waldo Squash é quem faz referência, no filme, ao “groove” da Amazônia. Definido como sonoridade pulsante, groove é uma energia sentida pela música, comum ao jazz e aos ritmos paraenses. O artista se sente conectado com o público pelo movimento de pressão que responde às batidas criadas em seu estúdio improvisado.
O último depoimento do filme é de Manoel Cordeiro, guitarrista que empresta a voz à indagação inicial do filme, complementada por: “quanta fé, ancestralidade, força e cultura transporta esse rio?”. Após 85 minutos de imersão na cultura musical paraense, é possível perceber o papel central desempenhado pela água na criação artística da região.
Além da riqueza sonora, o filme proporciona um deleite visual, ao captar a natureza amazônica em sua majestade e simplicidade na relação de troca com a comunidade, que retribui com música o que tira de inspiração. O documentário recebeu prêmio de melhor fotografia no festival South by Southwest (SXSW 2019), no Texas.
Emocionante e acolhedor, é uma aula sobre a diversidade de ritmos amazônicos, rompendo o estereótipo de que a região só produz música brega, estilo que se popularizou em outros estados brasileiros.
O longa é ao mesmo tempo sensível e impactante, daqueles que ecoam por vários dias até serem completamente assimilados, para a sorte do espectador, que pode refletir por mais tempo sobre a experiência.
O documentário estreia nos cinemas no dia 6 de junho. Confira o trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=NMrBNdd4lVI