Um dos maiores feitos de um brasileiro em Jogos Olímpicos completa cinco anos neste domingo. No dia 15 de agosto de 2016, no Rio de Janeiro, Thiago Braz escreveu seu nome na história do Salto com Vara conquistando a primeira medalha dourada do atletismo do Brasil em 32 anos — a última havia sido com Joaquim Cruz, em 1984.
De salto em salto, Thiago superou obstáculos, cresceu no esporte, se profissionalizou e surpreendeu o mundo com o recorde olímpico. O brasileiro, que na prova tinha meros 22 anos, fez frente ao poderoso francês Renaud Lavillenie, com uma atmosfera caótica criada pela torcida presente no Engenhão. Desde Marília ao topo do pódio olímpico, o Arquibancada conta esse momento marcante do esporte brasileiro.
A infância e o encontro com o Atletismo
A história começa em 16 de dezembro de 1993, em Marília, São Paulo. Rejeitado pela mãe aos dois anos de idade, Thiago foi deixado na porta da casa de seus avós Maria do Carmo e Orlando Braz, com quem cresceu e teve seus ensinamentos para a vida. Ele esperava pelo retorno dos pais quando menino com sua mochila nas costas, o que nunca aconteceu. Hoje, em entrevista dada ao portal Terra, ele diz que não guarda mágoas: “São seres humanos e merecem o meu perdão”.
O tio e ex-atleta Fabiano Braz sempre esteve presente para o apoiar. Foi ele, inclusive, que levou Thiago para a pista de Atletismo da cidade, onde tudo começou. Antes, o medalhista até arriscou no Basquete, mas nada comparado ao nível que atingiu na sua modalidade. Frequentando diariamente o local de treino, com horas e horas de salto, o caminho profissional começou a se desenhar.
Thiago disputou seus primeiros campeonatos aos 14 anos, pelo Clube dos Bancários de Marília. A avó Maria sempre fazia uma exigência: a vitória. E ele a respeitou, desde os primeiros passos na base. Treinado por Elson Miranda, marido da renomada atleta Fabiana Murer, o saltador colecionou recordes e medalhas: de 2009 a 2012, colecionou três ouros, duas pratas e um bronze em campeonatos juniores internacionais, incluindo o segundo lugar nos Jogos Olímpicos da Juventude de 2010 e o recorde brasileiro juvenil de 5,55m.
Fabiana também teve papel importante na carreira de Thiago. Parceiros de prova, ela bancou a estadia de Thiago em São Paulo no fim de 2009, quando ainda não era contratado de seu clube, o Bm&FBovespa, e sempre esteve presente para orientá-lo nas primeiras competições. “Eu resolvi ajudar porque tinha a condição que o clube já me dava, era para ele vir para São Paulo, treinar e se desenvolver”, contou a atleta para o site Torcedores.com.
Com o apoio ideal e o status de um dos principais nomes sul-americanos da modalidade, Thiago Braz iniciava o ciclo para sua primeira Olimpíada como profissional, em 2016. Seria em casa, com a torcida a seu favor.
Os primeiros passos no profissional e o técnico
O primeiro ano como profissional, ainda defendendo o clube de São Caetano do Sul, foi brilhante. Thiago foi campeão Sul-Americano com a marca de 5,83m, recorde do continente até então. Meses depois, derrotou o alemão campeão mundial Raphael Holzdeppe no Meeting de Leverkusen, saltando um centímetro abaixo de seu próprio recorde. Apesar da 14ª colocação no Mundial, a temporada foi excepcional.
A empolgação com os primeiros resultados levou Thiago a novos ares: em 2014, o atleta se mudou para Formia, na Itália, onde passou a ser treinado pelo ucraniano Vitaly Petrov, o mais respeitado da área no mundo e que o acompanhava desde 2009, com admiração. Ele foi responsável pelos campeões e recordistas mundiais Sergey Bubka e Yelena Isinbayeva, além de Fabiana. Nesse mesmo ano, Thiago se casou com Ana Paula Oliveira, atleta do salto em altura.
No Campeonato Mundial Indoor, o brasileiro ficou em quarto lugar e por pouco não entrou no pódio. Na Diamond League, dois meses depois, veio medalha para o Brasil, mas não para Thiago, que ficou em sétimo. Augusto Dutra, também de Marília e seu rival desde os tempos da base, levou a prata, ficando atrás apenas do francês campeão olímpico Renaud Lavillenie. No Sul-Americano, o ouro também ficou com Augusto.
Com a carreira embalada por finais consecutivas, veio o primeiro obstáculo: durante uma competição na Europa, o atleta caiu fora do chão, lesionou o punho e teve que fazer cirurgia. Thiago colocou um pino e ficou parado por dois meses, sob o temor de não poder retornar ao alto nível que atingira. O “paizão” Petrov manteve a confiança do garoto e, assim, ambos retornaram ao cenário internacional tempos depois. Mas aquela intensidade demorou a ser reconquistada.
2015 começou bem, com novas melhores marcas pessoais em Roma (5,86m) e depois em Baku (5,92m). Mesmo assim, era favorito no Pan-Americano e decepcionou. Ele errou os três saltos que tentou na marca de 5,40m e deu adeus precocemente à competição. O desempenho no Mundial de Pequim também foi abaixo, sem sequer se classificar para a final. Na época número quatro do mundo, Thiago colocava uma grande interrogação a menos de um ano dos Jogos Olímpicos.
Segundo o próprio Thiago em entrevista para o GE, os resultados ruins nos grandes eventos começavam no seu mental, que recebeu um preparo específico para a competição no Rio de Janeiro para não repetir o efeito negativo da pressão. Seu maior rival era ele mesmo e, em casa, esse peso seria ainda maior.
Chegando em 2016, o saltador somou ótimos resultados. Um deles, muito notório: no Mundial Indoor de Atletismo, ele derrotou o grande nome da modalidade, Renaud Lavillenie, e estabeleceu o novo recorde sul-americano com 5,93m. Essa era a primeira vez que o brasileiro superou o francês, e essa rivalidade — mal sabiam eles — seria novamente protagonizada na Olimpíada.
Ele havia batido a marca dos 5,70m em todas as seis competições outdoor que disputou, saindo no pódio de todas elas. A expectativa por medalha crescia, assim como o medo de um novo desempenho abaixo em um grande evento. À época, Lavillenie, o favorito, disparou: “Ele não é bom em grandes campeonatos”. Assim, Thiago chegava ao Rio depois de quatro anos intensos de preparação.
O dia em que a história foi escrita
A noite em que Thiago escreveu seu nome na história do Atletismo brasileiro começou intensa. A chuva aliada a fortes ventos atrasaram a prova e o clima de tensão instaurou-se no Estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro.
Na prova, o brasileiro teria concorrentes com muita notoriedade no cenário do atletismo mundial. Shawnacy Barber, o jovem Sam Kendricks e o grande favorito e estrela da modalidade, Renaud Lavillenie, mostravam que a sonhada conquista de medalha por Thiago Braz não seria fácil.
Barber, que havia vencido o Campeonato Mundial de 2015, na China, deixou a final precocemente, ao não conseguir passar dos 5.50 metros de altura, assim como parte considerável dos outros competidores. Thiago, por exemplo, só abriu seus saltos a partir de 5.65m e Lavillenie começou a saltar apenas aos 5.75m, demonstrando muita confiança para vencer o evento.
O chinês, Xue Changrui, deixou a prova quando o sarrafo estava nos 5.65m, enquanto o checo Jan Kudlicka e o polonês Piotr Lisek pararam em 5.75 metros. Com isso, Braz já havia garantido sua medalha olímpica e agora disputaria com Kendricks e Lavillenie o lugar mais alto do pódio.
O norte-americano Sam Kendricks saltou até 5.85m de altura, mas errou suas três tentativas quando o sarrafo estava posto a 5.93m, dando adeus à competição com a medalha de bronze. A partir desse momento, iniciava-se a disputa acirrada entre o brasileiro e o francês e a confirmação de uma rivalidade que entraria para a história do esporte.
A torcida brasileira também foi parte fundamental desse confronto e gerou muitas polêmicas e reclamações por parte do francês. De acordo com Rafaela Farias, que estava presente no Engenhão: “Eu lembro bem que não eram apenas vaias, mas ele [Lavillenie] estava bem incomodado com a torcida brasileira, porque a gente fazia muito barulho, era uma torcida muito alta”
Todas as atitudes de Renaud Lavillenie antes e durante a competição retratavam o seu favoritismo e confiança para conquistar a medalha de ouro. O francês passou por 5.75m, 5.85m e 5.93 metros sem deslizes, visto que avançou todas as alturas em suas primeiras tentativas.
Thiago Braz também foi passando. Mesmo que tenha errado seus primeiros saltos em 5.75m e 5.93m, o brasileiro atingiu as marcas na segunda tentativa. O confronto, que já estava carregado de drama, ganhou ainda mais emoção quando Lavillenie subiu o sarrafo para 5.98m e passou de primeira.
Com a marca, o astro da modalidade havia alcançado o recorde olímpico no Salto com Vara. O atleta explodiu após o salto e comemorou muito, como se a competição já estivesse liquidada. No entanto, o francês não contava com o desempenho arrasador de Thiago Braz.
O brasileiro foi brilhante e mostrou uma força psicológica nunca vista antes dessa final. Pelas palavras de torcedores que estavam lá presentes, como Rafaela: “Existem pessoas que transmitem aquela sensação de esforço e que você quer torcer pra ela, quer que aquela pessoa se saia bem, você sente aquele orgulho, que está sendo representado”. Além disso, ela completa: “Só de ver ele tendo aquele desempenho, oferecendo uma performance muito boa, você já fica sentindo que faz parte”.
Thiago tomou a decisão de saltar 6.03m, altura que ele jamais tinha alcançado na carreira. A torcida calorosa presente no Engenhão, a comemoração antecipada de Lavillenie e todo o retrospecto de insegurança recorrente na trajetória do atleta brasileiro serviram de combustível para o salto que marcaria o esporte e o coração dos brasileiros.
Thiago Braz confirmou a decisão com seu técnico Petrov e levou consigo uma imensa torcida para o seu salto. Braz errou na primeira tentativa, mas a segunda execução foi perfeita e o Salto com Vara ganhou um novo recorde olímpico. O brasileiro colocou seus primeiros dedos na medalha de ouro e jogou toda a pressão em cima de Lavillenie.
Em duas tentativas sem sucesso, o francês, que havia passado todas as alturas de primeira, vivia um drama e, como atitude desesperada para vencer, subiu o sarrafo para 6.08m. Em seu último salto, o astro do Atletismo falhou e o grito da torcida brasileira foi mais alto no Rio de Janeiro.
As vaias, marcantes no duelo, podem ter influenciado a disputa, como sugere Rafaela: “Ele [Lavillenie] estava bem incomodado e desconcentrado, tanto é que até hoje eu acho que isso pode ter colaborado para ele perder”, mas a jovem ressalta: “Não acho que só as vaias foram determinantes, porque se você disser que o cara só perdeu porque a torcida adversária estava gritando, vaiando e desconcentrando ele, você tira automaticamente mérito do vencedor do Thiago Braz”
Thiago conquistou o ouro para o Brasil. Com muita emoção, o brasileiro desbancou Lavillenie e, além de subir no lugar mais alto do pódio, quebrou o recorde olímpico e gravou seu nome na história do atletismo. O momento pode ser expresso nas palavras da torcedora: “Quando o recorde olímpico foi alcançado, eu só lembro de ficar abismada, ‘Meu Deus, é sério eu estou presenciando isso, é um momento histórico pro nosso país’”.
O sentimento não ficou restrito apenas aos torcedores que estavam no Engenhão, a história de Thiago Braz comoveu o país e, em especial, os que fizeram parte dessa construção. “Valeu a pena, vó, você chorou quando eu saí, mas também está chorando agora que eu estou ganhando a medalha”, disse Thiago, ao relembrar a emoção da família após a conquista em depoimento para ao Esporte Espetacular. Em depoimento, com muita leveza e alegria, o atleta ainda explica o motivo de não ter chorado após a conquista: “Eu não vou perder tempo chorando, eu quero sorrir”.
O pós-medalha
Após o ouro vencido na Rio 2016, Thiago Braz não manteve uma sequência de conquistas e medalhas em competições importantes. O nível do Atletismo mundial é muito alto e manter-se entre os melhores é mais complicado do que parece.
Alguns atletas evoluíram e outros começaram a despontar no cenário mundial, tornando o esporte ainda mais competitivo. Sam Kendricks cresceu ainda mais e foi campeão mundial em Londres 2017 e Doha 2019. Os jovens da nova geração, como Chris Nilsen e Armand Duplantis — atual detentor do recorde mundial —, também surgiram como grandes nomes e possíveis estrelas para o futuro do esporte. Além de Renaud Lavillenie, que sempre deve ser mencionado pelo seu tempo no topo.
Depois da medalha de ouro em solo brasileiro, a meta de Thiago e Vitaly Petrov era bater o recorde mundial, que na época era de Sergey Bubka, com 6.14m saltados. Entretanto, os planos não seguiram conforme o planejado e o brasileiro não conseguiu bons resultados. Inclusive, em 2017, o atleta sentiu uma lesão e não foi disputar o Campeonato Mundial de Atletismo em Londres.
Em 2018, o brasileiro também não alcançou marcas brilhantes e saltava muito abaixo do que se esperava dele. No ano seguinte, 2019, Thiago parecia voltar a boa forma, tendo alcançado 5.92m em Mônaco, além de ter ficado na quinta colocação no Campeonato Mundial disputado em Doha, com 5.70m saltados na final.
No mesmo ano, Thiago ficou na quarta posição nos jogos Pan-americanos de Lima. O brasileiro parou nos 5.51 metros de altura e parecia amargar uma sequência complicada. Com resultados aquém do esperado, problemas em relação ao contrato, imprecisão sobre seu técnico e local de treinamento, além da chegada da Covid-19, uma boa performance nos Jogos Olímpicos de Tóquio era impensável para Thiago Braz.
A Olimpíada chegou e o brasileiro surpreendeu. Thiago conquistou o bronze 5 anos após vencer o ouro no Rio, algo que parecia improvável por conta de tudo que ocorreu durante o ciclo. Braz conseguiu um resultado acima das expectativas e pode proporcionar a alegria para os brasileiros mais uma vez.
Nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, o favorito e recordista mundial Armand Duplantis foi o vencedor, mas o recorde olímpico ainda está nas mãos do brasileiro. O sueco saltou 6.02m e até poderia ter passado a marca do Thiago. Entretanto, optou por tentar 6.19 metros de altura e quebrar o recorde olímpico juntamente com o seu próprio recorde mundial. Sem sucesso.
Chris Nilsen e Thiago Braz completaram o pódio. O brasileiro, que deixou mais uma vez o rival francês Lavillenie para trás, conseguiu saltar 5.87m e conquistou a medalha de bronze. Desse modo, Thiago confere esperança à torcida brasileira, que espera o bronze olímpico como apenas o primeiro passo de uma recuperação e muitas conquistas que estão por vir.