Os filmes da franquia Jogos Vorazes (The Hunger Games) foram um fenômeno mundial. Com números de bilheterias batendo cerca de 2,96 bilhões de dólares, a saga trouxe uma nova perspectiva para as narrativas distópicas e para o cinema. Baseada na trilogia de livros homônima, que por sua vez foi inspirada em obras clássicas como 1984 (1949), Admirável Mundo Novo (1932) e Fahrenheit 451 (1953), a saga é uma das adaptações cinematográficas mais fiéis da indústria. Os filmes foram capazes de agradar públicos dos mais variados, que passaram a admirar a história da protagonista.
Em Panem, todos os anos, dois tributos são escolhidos em cada um dos 12 distritos para lutar até que só um sobreviva. O chamado Jogos Vorazes surgiu como punição após uma rebelião dos distritos contra a capital de Panem. O que antes era visto como brutal e imoral virou entretenimento para os cidadãos. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), é uma jovem de 16 anos, moradora do Distrito 12, que se voluntaria para os Jogos quando sua irmã mais nova é sorteada, e, assim, dá início a uma história de resistência, esperança, força e revolução que permeia todos os filmes.
A novidade da distopia adolescente nos cinemas
O misto de assuntos distópicos e temas adolescentes foi importante para prender a atenção do público. O primeiro filme, Jogos Vorazes (Hunger Games, 2012), introduz os temas da distopia que serão tratados mais para frente, enquanto em primeiro plano passa um romance. O segundo filme, Jogos Vorazes: Em Chamas (The Hunger Games: Catching Fire, 2013), aprofunda o espectador nas desigualdades e crueldades de Panem, mas ainda em paralelo com o triângulo amoroso que a protagonista está envolvida. Por fim, os últimos dois filmes, Jogos Vorazes: A Esperança – parte I e II (The Hunger Games: Mockingjay – Part 1 and 2), mergulham de cabeça no mundo distópico, deixando pouco espaço para namoros.
Para Gabriel Henrique, fã e dono de um portal dedicado à saga, “Tico Tico e Jararaca”, os filmes foram importantes para a luta contra a alienação da geração Z, uma vez que misturavam traços de gêneros atuais à uma história distópica, tornando a didática e valores veiculados pela obra acessíveis ao público.
O sucesso desse novo gênero criou oportunidades para a adaptações de obras semelhantes, como Divergente (Divergent, 2014) e Maze Runner: Correr ou Morrer (Maze Runner, 2014). No entanto, essas não tiveram o mesmo impacto provocado por Jogos Vorazes no público. Divergente recebeu duras críticas dos fãs e não concluiu a franquia. Maze Runner, apesar de agradar os fãs, não conquistou os críticos e teve números de bilheteria bem abaixo do conquistado por Jogos Vorazes. Por isso, aos poucos, o gênero distópico-adolescente foi desaparecendo das telonas.
A Garota em Chamas
São essas características que aproximam a personagem de uma pessoa real. “Temos desde o início uma empatia enorme pela protagonista. Vamos consumindo a história sem perceber, através da narrativa da Katniss e toda sua luta contra o sistema injusto da Capital”, diz Gabriel.
Essa empatia, provocou a aproximação entre público e personagem, tornando Katniss Everdeen uma das maiores heroínas do cinema. Em 2013, Em Chamas foi o primeiro filme protagonizado por uma mulher em 40 anos a liderar a bilheteria anual dos Estados Unidos e, em 2015, a personagem ganhou título de heroína de filme de ação mais rentável do cinema, pelo Guinness Book.
O que torna as conquistas dessa protagonista ainda mais marcantes é o seu perfil mercadológico. Katniss é uma das poucas personagens femininas do gênero de ação que não é sexualizada. O sucesso da heroína dentro dos novos moldes, inspirou a produção de novos filmes protagonizados por mulheres fortes, engajadas e não sexualizadas, como a Imperatriz Furiosa, de Mad Max – Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015); a Rey, da franquia Star Wars; e a Carol Danvers, de Capitã Marvel (Captain Marvel, 2019).
Convergência entre história, símbolos e vida real
Percebe-se uma relação clara entre a história romana e os elementos de Jogos Vorazes. Panem, o nome do país fictício, é o primeiro item da política em latim, “panem et circenses”. A luta de gladiadores no Coliseu é substituída pela luta dos tributos na arena, com o objetivo de entreter os moradores da Capital e sufocar a revolta da população nos distritos, mostrando-lhes o poder exercido pelo Governo. Além disso, são oferecidas Tésseras — placa romana usada como bilhete de voto, mas que na distopia são fichas que permitem a coleta de suprimento de grãos e óleo — para incentivar a realização de múltiplas inscrições na colheita. Pão e Circo.
Dentro desse universo baseado e influenciado pela história, a autora ainda constrói a sua própria cadeia de signos e simbologias, importantes para o desenvolvimento da narrativa e que também ganharam significado fora das telas.
Utilizado em diversos momentos da saga, o sinal dos três dedos médios significa demonstração de admiração e agradecimento, e ganhou conotação de resistência ao ser usado pela protagonista após a morte de uma amiga. Na Tailândia, o gesto passou a ser usado em 2014, representando oposição ao golpe militar no país. Nessa ocasião, três estudantes foram detidos e as exibições de A Esperança: Parte 1 foram canceladas. Em outubro de 2020, manifestantes voltaram a usar o sinal para protestar contra o governo a favor dos movimentos democráticos. Em Mianmar, em fevereiro, houveram protestos contra o golpe em Yangon, em que também foi usada a saudação.
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“Jogos Vorazes é uma saga que mexe com o nosso quesito ideológico. Ao fim, nos vemos perplexos, percebendo como de início a narrativa da história é vista superficialmente, quando na realidade são apresentados assuntos muito sérios”, diz Gabriel sobre a importância dos filmes.
Entre referências, narrativas, simbologias, críticas sociais, personalidades e romances, Jogos Vorazes se constitui como uma das sagas mais importantes da geração. Não apenas pelo impacto provocado na indústria cinematográfica com a história inovadora e extravagâncias nas produções visuais, mas também pelo impacto político-social e pelas questões refletidas. Assim, constrói-se uma franquia atemporal.