Por Júlia Sardinha (jusardinha.eca@usp.br)
Trabalhar por quatro dias e descansar três é o sonho de muitas pessoas. Essa proposta tem sido testada no Brasil e pode se tornar realidade. Mas antes de planejar os três dias de folga, vale conhecer os impactos que o fim da escala 6×1 e a implementação da jornada 4×3 podem trazer aos trabalhadores e às empresas do país.
O Secretário de Relações Internacionais da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nivaldo Santana afirma que a jornada 6×1 de trabalho é anacrônica. Segundo ele, o antigo modelo é uma relação trabalhista que não corresponde ao estágio de produtividade nacional, fundamentada na aplicação de tecnologias como a inteligência artificial (IA).
O principal impacto negativo de trabalhar durante seis dias e folgar apenas um, para Nivaldo, é o desequilíbrio na distribuição de tempo entre a vida pessoal e profissional dos trabalhadores. A situação se agrava quando a Reforma Trabalhista de 2017 entra em discussão com as propostas de flexibilização das leis trabalhistas, como a criação do trabalho intermitente – ou parcial –, no qual a prestação de serviços passa a ser não contínua, ou seja, com períodos de ativa produção ou de inatividade.
Porém, é um erro acreditar que a aplicação da escala 4×3 seja simples. O economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Ulisses Ruiz de Gamboa afirma que a implementação do novo modelo deve ser feita de forma equilibrada para não provocar efeitos indesejáveis, como o aumento no número de desempregados à curto e médio prazo ou a elevação dos custos trabalhistas aos setores econômicos e às empresas.
Em um país com pequena produtividade, como é o caso do Brasil, Ulisses acrescenta ser importante analisar quais seriam os possíveis impactos empresariais – em destaque aos setores de serviços – com o fim da escala 6×1. Para ele, a diversidade dos setores econômicos brasileiros já representa um grande desafio à efetivação de uma jornada de trabalho 4×3. “Isso acontece porque alguns podem se adaptar ao sistema enquanto outros, talvez, não obtivessem êxito”, completa.
Apesar das especulações e dos receios, 22 empresas brasileiras tomaram frente como participantes do projeto piloto da 4 Days Week – em tradução livre, “4 dias na semana” –, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, organização especializada em relações trabalhistas mais equilibradas. Em entrevista à Jornalismo Júnior, a diretora e fundadora do instituto, Renata Rivetti comentou sobre os propósitos do projeto da escala 4×3 e as expectativas quanto aos resultados dos testes.
J.Press – A necessidade de redesenhar a jornada de trabalho é uma demanda no Brasil?
Renata Rivetti – Nós [a Reconnect Happiness at Work] percebemos, no pós-pandemia e com novas gerações entrando no mercado de trabalho, que o modelo atual começou a se tornar insustentável. As pessoas estão desmotivadas, desengajadas, ansiosas, tristes, deprimidas, com sintomas de Burnout. Dentro desse cenário, como é que nós poderíamos redesenhar o trabalho para que possamos, de fato, ter pessoas melhores para também gerar resultados? Como é que poderíamos gerar uma sociedade mais justa e encontrarmos mais saúde mental e bem-estar?
J.Press – O que é sustentabilidade humana?
Renata Rivetti – A sustentabilidade humana são políticas e práticas para priorizar as pessoas e as colocar nas decisões e nos resultados de negócios. Por muito tempo nós olhamos somente para os resultados financeiros em detrimento da saúde mental do e bem-estar das pessoas. Pessoas sobrecarregadas não vão gerar resultado, então, sustentabilidade humana vem da ideia de cuidar dessas pessoas, desses colaboradores.
J.Press – O que é felicidade corporativa?
Renata Rivetti – Quando falamos de felicidade corporativa, estamos falando sobre como nós trabalhamos para que as pessoas gostem mais do que fazem, [para que as pessoas] se sintam mais realizadas, encontrem mais sentido no seu dia a dia. Então, o primeiro aspecto é o próprio trabalho, o segundo, são as relações – como construir relações mais humanas e mais empáticas: – e o terceiro aspecto é o tempo – como reduzir a sobrecarga para trabalhar melhor?
J.Press – Como é o modelo de trabalho 100-80-100?
Renata Rivetti – O modelo utilizado para redução de trabalho é 100-80-100: entregar 100% dos resultados trabalhando 80% do tempo e mantendo 100% dos salários. Então, a ideia é que se reduza 20% do tempo que pode ser um dia inteiro de trabalho ou a redução em 5 dias da semana.
J.Press – Quais os benefícios, para o país e para os demais países americanos, do Brasil ter sido o primeiro Estado da América do Sul a embarcar nessa jornada inovadora?
Renata Rivetti – Ser pioneiro na semana de quatro dias é uma grande oportunidade para o nosso país ver o que funciona e o que não funciona. Percebe-se que nós [brasileiros] trabalhamos muito, mas nem sempre bem. A semana de quatro dias é justamente uma proposta para que as empresas aprendam a trabalhar melhor, então, quem sair na frente nesse piloto, pode ser um grande líder para fazer uma revolução no mundo do trabalho e que vai ser boa para os seus colaboradores e também para si.
J.Press – Como o projeto 4 Day Week tem rompido com o discurso de que “o Brasil não está preparado” para a redução da jornada trabalhista?
Renata Rivetti – Eu acho que nós [brasileiros] ainda valorizamos muito a cultura workaholic, premiamos muito aquele que tem a sobrecarga, que trabalha muito, que “dá duro”. Então, quando pensamos nisso [no discurso do Brasil “não estar preparado”], de fato, ainda não estamos preparados para mudanças, mas o que eu sinto é que já estamos falando sobre mais saúde mental, sobre bem-estar nas empresas, sobre sustentabilidade humana. Eu vejo que o Brasil vem evoluindo nessas pautas que, antes, eram um tabu e tinham muitos mitos e crenças.
J.Press – Quais as expectativas para a finalização do projeto? Os trabalhadores e as trabalhadoras podem esperar uma futura implementação da escala 4×3?
Renata Rivetti – Agora no fim de junho, nós [a ReconnectHappiness at Work] finalizamos os pilotos e temos conversado com as empresas para entender qual é o futuro delas. Em sua grande maioria, as empresas estenderão o piloto, continuarão testando e vendo como funciona. Então, nossa expectativa é ótima, estamos bem otimistas para que cada vez mais o tema cresça.
*Imagem de capa: Flickr