Por Bernardo Carabolante (bernardonm0411@usp.br) e Malu Vieira (marialuizavieiragoncalves@usp.br)
No dia 30 de outubro de 2007, a Fifa anunciou a escolha do Brasil como país-sede da copa do mundo de 2014. A partir daquele instante, uma nação se preparava para receber o maior evento esportivo do futebol mundial pela segunda vez. Com chance de deixar para trás o trauma da Copa de 1950 — em que perdeu a final para a seleção uruguaia no Maracanã lotado —, o país vinha com altas expectativas de conquistar o tão sonhado hexa. O que ninguém esperava era que o maior vexame da seleção brasileira fosse dentro de casa.
Como vinham as seleções?
Alemanha
A equipe combinava uma mistura de talento, juventude, experiência e forte coesão tática. Liderada pelo técnico Joachim Löw desde 2006, a Alemanha possuía um estilo de jogo baseado na posse de bola, pressão alta e transições rápidas. A equipe era conhecida por sua versatilidade tática e pela capacidade de adaptar sua estratégia conforme o adversário; um time de toque de bola, de circulação, de movimentação; uma equipe intensa e propositiva, que parecia matar o adversário quando quisesse, a conta-gotas.
A seleção alemã contava com estrelas mundiais consagradas ou em ascensão na época, com destaque para os campeões da Champions League pelo Bayern de Munique em 2013, Neuer, Lahm, Kross, Müller e Schweinsteiger. Apesar do elenco qualificado, o grande trunfo da Alemanha era o jogo coletivo, balanceado e consistente, fundamental na conquista do tetra.
Para a Copa foi revelado no documentário “Die Mannschaft” que a seleção treinava entre o meio-dia e as 13 horas para se acostumar com o calor. No seu grupo, com Portugal, Gana e EUA, passaram em primeiro sem muitas dificuldades, com vitórias sobre os portugueses e os norte americanos, e empatando com os ganeses, com saldo de sete pontos.
Joachim Löw e jogadores levantando a taça da Copa do Mundo em 2014 [Reprodução: X/@EURO2024]
Nas oitavas de final, a Alemanha ficou próxima de ir aos pênaltis contra a Argélia, porém, na prorrogação, conseguiu se sobressair e venceu por 2 a 1 — com todos gols no tempo extra em um jogo bem equilibrado. Nas quartas de final, com um gol no início do jogo e atuação brilhante de Manuel Neuer, a Alemanha passou pela França e chegou em mais uma semifinal de Copa do Mundo. A equipe é a recordista, com 13 marcas em sua história.
Para a semifinal contra o Brasil, os alemães entraram em campo com o goleiro Manuel Neuer; os defensores Lahm, Boateng, Hummels e Höwedes; os meias Khedira, Schweinsteiger, Kroos, Müller e Özil; e o atacante Klose.
Brasil
A seleção brasileira vinha com altas expectativas, por jogar em casa e por ter um time com boas peças ofensivas, como Neymar e Oscar.O “menino Ney”, de 22 anos, era a jovem promessa brasileira e fazia uma ótima temporada no Barcelona. Oscar era outro jogador chave no setor. Atuando como meio-campista ofensivo, era conhecido por sua visão de jogo, habilidade técnica e capacidade de conectar o meio-campo à linha de ataque.
O ataque ainda contava com Fred e Hulk.. Embora criticado por alguns e apelidado de “cone”, o centroavante Fred era um jogador eficiente na área, com boa capacidade de finalização e posicionamento para marcar gols importantes. Hulk atuava como ponta ou atacante de lado, conhecido por sua força física e chutes potentes. Ele era uma opção valiosa para desequilibrar as defesas adversárias com sua capacidade de driblar e criar oportunidades de gol tanto para si mesmo quanto para seus companheiros.
O Brasil vinha de uma campanha sólida na fase de grupos. Invicta, a Seleção ganhou de 3 a 1 da Croácia, empatou em 0 a 0 com o México, e venceu Camarões por 4 a 1. Nas oitavas de final, a tensão dominou a partida brasileira. Com o empate em 1 a 1 contra o Chile, a partida foi para a prorrogação, com o placar permanecendo inalterado. O futuro do Brasil na competição seria decidido nos pênaltis. Com atuação de destaque do goleiro Júlio César, com duas cobranças de pênalti defendidas, a amarelinha venceu na disputa por 3 a 2 , com gols de Neymar, David Luiz e Marcelo.
Nas quartas de final, o Brasil venceu a Colômbia por 2 a 1, em partida marcada pela lesão de Neymar. Aos 88’, o jogador colombiano Juan Camilo Zùñiga acertou o atacante brasileiro nas costas com o joelho. O atacante do Barcelona saiu de campo carregado na maca e, segundo relatório hospitalar, sofreu uma fratura na terceira vértebra lombar. Além de Neymar, o Brasil também perdeu o zagueiro Thiago Silva para a semifinal, suspenso por ter levado o segundo cartão amarelo.
Contra a Alemanha, a Seleção comandada por Luiz Felipe Scolari entrou em campo com a seguinte escalação: Júlio César; Maicon, David Luiz, Dante, Marcelo; Luiz Gustavo, Fernandinho, Hulk, Oscar, Bernard; Fred.
O Jogo
Primeiro tempo arrasador da Alemanha
A Alemanha começou o jogo com potência total, aproveitando-se da desorganização defensiva da seleção brasileira. Aos 11’, Thomas Müller abriu o placar após cobrança de escanteio mal defendida pela defesa brasileira.
Daqui para a frente, só para trás. A Alemanha demonstrou eficiência em seus ataques rápidos e jogadas ensaiadas, explorando os espaços deixados pela defesa brasileira. Aos 23’, Miroslav Klose ampliou o placar com o gol que o colocou como o maior artilheiro em Copas do Mundo, com 16 gols.
Aos 24’ e 26’, Toni Kroos marcou dois gols em um intervalo de 69 segundos, afundando ainda mais o time brasileiro. Sami Khedira aproveitou o desespero defensivo brasileiro e marcou o quinto gol alemão aos 29’, completando assim a primeira etapa vergonhosa da semifinal.
Mesmo ao tentar reagir, o time brasileiro não causou impacto nenhum na seleção alemã. Abalado emocionalmente e desorganizado taticamente, as tentativas de pressão resultaram em erros defensivos ainda mais graves.
Lá vem eles de novo…
Em um comunicado após a partida, Mats Hummels disse que o time alemão decidiu que não queria humilhar os brasileiros durante o segundo tempo: “Acabamos de deixar claro que tínhamos que manter o foco e não tentar humilhá-los. Dissemos que tínhamos que ficar sérios e nos concentrar no intervalo. Isso é algo que você não precisa mostrar em campo se estiver jogando. Você tem que mostrar respeito ao oponente e foi muito importante fazermos isso, e não tentamos mostrar um pouco de mágica ou algo assim. Foi importante jogarmos nosso jogo por 90 minutos.”
André Schürrle ainda ampliou o placar mais duas vezes, enterrando de vez a autoestima brasileira. O Mineirão testemunhou uma mistura de desânimo entre os torcedores brasileiros e choque perante a diferença astronômica no placar.
O Brasil conseguiu marcar um “gol de honra” aos 90+1’ com um contra-ataque rápido para a finalização de Oscar, selando o fatídico placar de 7 a 1 para a Alemanha.
Em entrevista ao Bolívia Talk Show, na época, no canal Desimpedidos, Müller contraria o que Hümmels disse. “Quando se está vencendo de 5 a 0 você pensa em enfeitar, como os brasileiros fazem, mas nós alemães não estamos acostumados a ‘sambar na praia’. Nós decidimos jogar com seriedade para vencer. Estava 5 a 0 no intervalo, mas nos 20 primeiros minutos do segundo tempo o Brasil jogou pesado e tentou fazer um milagre para mudar o resultado… tiveram lances que o Neuer salvou. Foi um jogo especial para nós”, contou o meia atacante alemão.
Thomas Müller conversando com o apresentador Bolívia em 2018 sobre a Copa do Mundo de 2014 e mais aleatoriedades no Bolívia Talk Show [Reprodução: Camisa 21]
O Legado do 7 a 1
Após o dia 8 de Julho de 2014 a seleção, claramente abalada pelo acontecido, veio a perder para a Holanda na disputa pelo terceiro lugar. Desde então, a crise de identidade tomou conta da CBF e do futebol apresentado pelos convocados nos últimos 10 anos.
Em entrevista à ESPN, Luiz Gustavo, volante titular na semifinal contra a Alemanha, falou sobre o sentimento de impotência durante o jogo. “E aí depois aconteceu o primeiro gol, o segundo gol, e aí acho que já não tinha mais controle. Estava naquela coisa: apanhei, vou reagir, apanhei, vou reagir. Tentando reagir de formas individuais que não era o ideal. Então, podemos dizer assim, foi um conjunto de coisas que levou àquela situação. Mas, em geral, eu consegui resolver a minha situação com isso entendendo que eu tinha que ter passado por aquilo”.
A Copa América de 2015 marcou o retorno de Dunga ao comando da seleção brasileira, que tentou introduzir novos jogadores e perspectivas. No entanto, o Brasil teve um desempenho decepcionante, eliminado nas quartas de final nos pênaltis contra o Paraguai. Na edição de 2016 da Copa América, o resultado foi ainda pior: a seleção não conseguiu avançar para a fase eliminatória, em um grupo com equipes consideradas relativamente fracas, como Haiti, Equador e Peru, o que resultou na demissão de Dunga.
Com o fracasso da Copa América de 2016, Tite chegou ao comando da seleção brasileira. Durante as eliminatórias para a Copa do Mundo, liderou a equipe com sucesso, garantindo a primeira colocação no grupo de qualificação. Em 2018, o Brasil começou a Copa do Mundo como um dos favoritos, mas enfrentou dificuldades contra a Suíça e a Costa Rica, revelando inseguranças na equipe. Apesar de bons desempenhos contra a Sérvia na fase de grupos e o México nas oitavas de final, a Seleção foi eliminada na fase seguinte pela Bélgica.
Tite foi um dos poucos treinadores a permanecer no cargo imediatamente após uma eliminação na Copa do Mundo, continuando seu trabalho até a Copa de 2022 no Catar. Antes dele, Cláudio Coutinho foi o último a manter o cargo logo após a Copa de 1978, embora não tenha ficado até o Mundial seguinte em 1982, ao deixar a seleção após a Copa América de 1979.
Em 2022, apesar da segunda colocação nas eliminatórias, atrás dos argentinos, o Brasil terminou essa fase invicto, o que gerou sentimentos mistos de confiança e insegurança. Apesar de uma boa partida inicial contra a Sérvia e um jogo equilibrado contra a Suíça, a derrota para Camarões com o time reserva levantou questionamentos sobre o trabalho de Tite, que deixou o cargo de treinador da Seleção após a eliminação para a Croácia nos acréscimos das quartas de final.
Desde 2022, o Brasil teve três treinadores, porém, até o momento, nenhum obteve sucesso.
Ao refletirmos sobre os dez anos desde o 7 a 1, é evidente que a seleção brasileira passou por altos e baixos, momentos de glória e de superação, mas também de desafios e questionamentos.
À medida em que continuamos a escrever essa história, é crucial lembrar que os tropeços do passado não definem o futuro. Com uma base sólida de talentos emergentes e liderança experiente, o Brasil segue em busca de restaurar não apenas sua reputação, mas também o orgulho e a confiança de uma torcida apaixonada. Que os próximos capítulos nos reservem conquistas significativas e um legado que inspire gerações futuras a sonhar e a perseguir incansavelmente o sucesso.