Vingança (Revenge, 2017), o filme de estreia da francesa Coralie Fargeat, é uma metáfora sangrenta da luta feminista. O enredo é repleto de denúncias, bem como de violência, que torna-se símbolo da opressão sofrida pelas mulheres. Coloca frente a frente o homem branco que devido aos seus privilégios é completamente inconsequente, e a mulher que para litigar por uma condição de dignidade sofre, abandona sua vaidade, mas com resiliência quebra sua imagem de objeto. Um conflito que não é para quem tem o estômago fraco, assim como o longa.
Ao chegar de helicóptero a uma bonita casa no México, Richard (Kevin Janssens) recebe do piloto um pacote com peyote, e carícias de sua bela amante, Jen (Matilda Lutz). O homem é bem sucedido e casado. Logo que chega, recebe uma ligação de sua mulher, na qual se ouve uma criança chorando ao fundo. A concubina é cheia de sonhos, e almeja o sucesso e o glamour com uma mudança para Los Angeles. Logo chegam também os dois sócios de Richard, Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guillaume Bouchède), que, unidos ao casal ilegítimo, começam uma grande festa cheia de danças e excessos.
Jen acorda na manhã seguinte e logo é recebida por Stan, que preparou uma mesa de café da manhã para os dois, na ausência de Richard. À mesa, o homem de meia idade começa uma conversa estranha, que deixa a moça desconfortável. Entretanto, o assédio de Stan não cessa, logo Jen sai pela tangente e escapa da mesa. O assediador, todavia, volta a insistir e vai atrás da jovem que acabou de sair do banho, e a surpreende se trocando. O sitiante dessa vez não se contenta com o assédio psicológico e se força sexualmente sobre a moça.
Seguem então uma série de absurdos, que infelizmente acontecem mais do que se imagina: primeiro, Dimitri entra no quarto enquanto Stan consumava o estupro, porém escolhe sair e aumentar o volume da televisão para que o barulho da agressão sexual não o incomode. Segundo, quando Richard volta, encontra seus sócios calados na sala e Jen em choque no seu quarto, e ao saber do acontecido, sua primeira iniciativa é chantageá-la. Terceiro, frustrado em sua tentativa de suborno e provocado por sua amante, o francês a agride e parte para a ameaça, fazendo a jovem fugir. Por fim, tudo acaba com uma negociação, à beira de um precipício, na qual Richard dissimuladamente concorda com os pedidos de Jen. Assim que ela abaixa sua guarda, ele a empurra, deixando a jovem empalada por uma árvore seca do deserto.
Os três ricos amigos franceses já dão a morte da jovem como certa, mas quando não existe mais esperança para o espectador, Jen recobra a consciência, ainda que atravessada pelo afiado tronco da árvore fatal. Ficam claros pela primeira vez no filme a astúcia e a coragem da moça, que incendeia a árvore, arma do assassínio, a fim de se libertar.
Ao voltarem para omitir o corpo, os sócios se deparam com as cinzas dos troncos sinuosos e com a ausência da moça. Inicia-se desta maneira a caça à jovem pelos três caçadores. Porém, Jen agora é uma mulher que luta inabalavelmente por sua vida, e está disposta a tudo, não só para sobreviver a essa perseguição, mas também está em busca de vingança!
No desenrolar da história, a diretora Fargeat enche o filme de símbolos. Os insetos que aparecem frequentemente em plano detalhe são parte integrante do filme e metáforas da condição humana. O comportamento dos personagens, bem como o próprio desenvolvimento do roteiro, têm símbolos que retomam cenas anteriores ou que chamam referências externas, tornando o filme mais intrigante.
Vingança, contudo, enrola-se um pouco no seu desenvolvimento ao dar enfoque a detalhes nem sempre muito importantes para chamar ainda mais atenção para sua simbologia. O roteiro também não prima tanto pela originalidade, quando opta por ser uma mistura de Kill Bill (2003) e Doce Vingança (I Spit on your Grave, 2010) ao retratar a brutal desforra de uma mulher que sofreu graves injúrias. A história muito linear não surpreende tanto os que estão assistindo, e suas reviravoltas, em grande parte, são previsíveis, fora que as atuações são um bocado simplórias e estereotipadas. Noutro passo, a trilha sonora chamativa, e os ângulos e planos inusitados prendem a atenção, de mais a mais, o apelo do enredo é bastante válido.
A produção de Coralie é uma boa opção de cinema trash, com uma inteligente reflexão, ademais. Para quem gosta, os personagens e cenários banhados em sangue são um excelente entretenimento. Os exageros do filme em algumas partes também têm seu potencial cômico. A película cumpre bem o seu objetivo de fazer sua audiência refletir sobre a objetificação da figura feminina, tal como representa o conflito da mulher para quebrar esse estereótipo a partir da luta por sobrevivência e vingança de Jen.
Vingança estreia dia 7 de junho nos cinemas brasileiros. Assista ao trailer abaixo:
por Pedro Teixeira
pedro.st.gyn@gmail.com