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Uma Noite de 12 Anos: um retrato visceral do desrespeito aos direitos humanos

O ano é 1972. O Uruguai é palco de uma violenta ditadura militar. Grupos de resistência se articulam para lutar contra as forças autoritárias do governo. Com direção de Álvaro Brechner, Uma Noite de 12 Anos (La noche de 12 años, 2018) narra a história real de três membros do grupo guerrilheiro Tupamaros, que são …

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O ano é 1972. O Uruguai é palco de uma violenta ditadura militar. Grupos de resistência se articulam para lutar contra as forças autoritárias do governo. Com direção de Álvaro Brechner, Uma Noite de 12 Anos (La noche de 12 años, 2018) narra a história real de três membros do grupo guerrilheiro Tupamaros, que são presos como reféns do governo. Confinados e torturados por mais de uma década, sobreviveram às piores condições em nome de suas ideologias.

É perceptível o tato carregado de sensibilidade que o diretor hispano-uruguaio empenhou ao contar essa história. Logo na primeira cena, vemos alguns detentos sendo retirados da prisão com golpes e violência, ao melhor pior estilo dos militares, é claro e a câmera tem movimentos que nos atordoam. Quando as torturas se intensificam e os anos passam, a maquiagem impecável transparece de forma crua as marcas da dor e do tempo.

Uma Noite de 12 Anos
[Sildavia]
A escuridão e o silêncio incomodam. São duas horas assistindo a cenas escuras e sufocantes. São duas horas assistindo a solidão e a angústia latejantes de quem passou 12 anos sem ver o céu. 12 anos sem sentir o vento. 12 anos sem tatear um amigo. 12 aniversários. 12 anos de experiências que lhes foram privadas. 12 natais sem o abraço da mãe.

“Devíamos ter matado você antes. Agora vamos te deixar louco”. A frase que sai da boca de um dos militares explicita o objetivo daquela experiência desumana. Desviando de qualquer código de conduta, os militares submetem seus prisioneiros a situações inimagináveis de tortura física e psicológica. O filme transparece a agonia. Tratados como animais confinados, os prisioneiros enxergam como esperança cada mediocridade, como um copo de água, o som dos fogos de artifícios em mais uma virada de ano, os gritos dos militares que comemoram um gol, uma página de jornal amassada e suja roubada do lixo do banheiro. Os anúncios de preços os resgatam para a realidade e servem de lembrança de que ainda existe um mundo lá fora.

Uma Noite de 12 Anos
[Sildavia]
Cada um dos três sobreviventes tenta se agarrar ao que possuem para suportar mais um dia. Um papel e um lápis devolvem a vontade de viver, e a mínima comunicação que possuem quando desenvolvem uma linguagem através de batidas nas paredes permite o sabor da alegria pela certeza de saber que o companheiro está vivo, do outro lado da parede. As memórias ensolaradas de sorrisos e levezas da vida de outrora que contrasta com a escuridão e a podridão das celas. A garganta fecha quando de tempos em tempos aparece na tela o número de dias já passados. Nós sabemos quantos ainda restam. Ainda falta tanto, sabemos… Eles não sabiam nem mesmo que haveria um fim.

O trio principal de atores se garante na emoção. O carisma de Alfonso Tort, que interpreta Eleuterio Fernández Huidobro, cativa em especial, em momentos de leves alívios da tensão do longa, que fazem o público sorrir, mesmo que com os olhos ainda molhados. Chino Darín interpreta o jornalista e poeta Maurício, e entrega emoção. Já Antonio de la Torre, ator espanhol que representa Mujica nas telas, carrega bem o fardo de interpretar o agudo sofrimento e os torturantes delírios causados pelo confinamento — o ex-presidente do Uruguai passou dois anos mantido no fundo de um poço.

Uma Noite de 12 Anos
[Sildavia]
O único aspecto em que o filme tropeça é o de não contar grande parte da história. Alguns poucos episódios da vida de antes da reclusão são apresentados ao público por meio de flashbacks. Não muito se fala sobre a política do país ou mesmo sobre a trajetória do trio principal. Talvez mais aspectos pudessem ter sido abordados, mesmo que brevemente. A repetição das torturas, as mudanças de celas e as dúvidas constantes podem cansar o público, mas o motivo é compreensível: criar uma experiência sensorial a partir do que foi vivenciado pelos personagens de acompanhamos. Com o estilo de filmagem que transforma o sofrimento dos prisioneiros nos olhos da audiência, sentimos o que eles sentem.

Ainda que pudesse contar mais, o filme não perde seu valor. Se compromete a mostrar os horrores das torturas escolha mais que justa e necessária, em tempos que, mesmo distantes dos que vemos nas telas, ainda são assombrados por líderes e discursos violentos. Enquanto se assiste ao filme, é impossível não pensar no momento delicado que vivemos do lado de fora do cinema, e é devastador lembrar que o candidato à presidência que lidera as pesquisas de intenção de voto louva as práticas desumanas que nos choca no longa, e brada o nome de torturadores em pleno Congresso nacional. Escancarando o inferno da tortura, Uma Noite de 12 Anos chega aos cinemas num momento de alerta para o Brasil, e serve como lembrete da necessidade do respeito absoluto aos direitos humanos. Tortura nunca mais.

Uma Noite de 12 Anos estreia dia 27 de setembro. Confira o trailer:

por Giovanna Stael
giovannastael@usp.br

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