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USP recebe vencedores do Prêmio Nobel

Em parceria com a Academia Brasileira de Ciências e o Nobel Prize Outreach, laureados são recepcionados para diálogo na universidade
Laureados do Prêmio Nobel no evento Nobel Prize Dialogue.
Por Theo Schwan (theo.schwan@usp.br)

No último mês, a Universidade de São Paulo recebeu os laureados pelo Prêmio Nobel Serge Haroche, May-Britt Moser e David McMillan. Numa iniciativa promovida pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) em parceria com o Nobel Prize Outreach, entidade de comunicação e fomento à pesquisa da Fundação Nobel, os convidados participaram do debate sobre o papel da ciência e do cientista na criação de um futuro responsável.

O “Nobel Prize Dialogue“, que fez parte da comemoração dos 90 anos da USP, ocorreu no Centro de Difusão Internacional e teve apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação. Ele serviu como um meio de compartilhar aprendizados com o público sobre uma vida dedicada à ciência.

A presidente da ABC, Helena Nader, discursante na abertura do encontro, lembrou que os presentes, em sua maioria jovens universitários, têm a responsabilidade de “abraçar a ciência e a educação, para que possamos mudar o planeta”. Para o reitor da universidade, Carlos Gilberto Carlotti Junior, o momento cumpriu a função de catalisador a estudantes e docentes com o objetivo de promover pesquisas.

A arte de ser cientista

Sob o tema “Criando nossos futuros juntos com a ciência”, os três cientistas compartilharam visões sobre o impacto da pesquisa e os desafios enfrentados na carreira. Diante de um público de cerca de mil pessoas, MacMillan, Moser e Haroche responderam perguntas e discutiram temas como diversidade na academia, financiamento e liberdade de pesquisa e entraves entre a ciência de base e a aplicada.

A promoção do diálogo científico, objetivo do evento, representa um esforço dos organizadores de inspirar futuros pesquisadores. Nessa investida, os cientistas concordam que a criatividade se mostrou um pilar fundamental para garantir aos pesquisadores  a capacidade de fazer conexões, buscar caminhos e fazer as perguntas certas para desbravar os campos de conhecimento. Para Haroche, a ciência é uma arte que precisa respeitar os limites do mundo físico.

Os três cientistas foram recebidos no palco por Adam Smith, diretor científico do “Nobel Prize Dialogue”, que mediou o debate.

“Nós somos excelentes ao lidar com nossos fracassos. É isso que cientistas fazem”

David MacMillan, químico britânico e professor da Universidade de Princeton desde 2006, foi laureado em 2021 com o Nobel de Química, junto a Benjamin List. A “organocatálise assimétrica,” descoberta que consagrou os cientistas, é uma técnica de aceleração de reações orgânicas sem interferência no produto final, importante para criar novas moléculas de forma previsível. Essa descoberta, assim como um tipo de catálise sustentável descoberto pela dupla em 2000, pode trazer um novo paradigma para a pesquisa farmacêutica.

Palco do Nobel Prize Dialogue com David Macmillan.
David MacMillan, ganhador do Prêmio Nobel de Química de 2021, no Centro de Difusão Internacional da USP. [Imagem: Arquivo pessoal/ Theo Schwan]

Com grande entusiasmo, MacMillan contou que uma das “coisas mais legais” de ganhar um Nobel é a visibilidade do trabalho e como ele passa a ser um agente transformador: “As pessoas do meu grupo começaram a perceber que aquele mundo fechado em que vivíamos se expandiu. Isso é muito positivo, é mostrar que o pensar, o aprender, impacta a sociedade como um todo”. Para ele, o potencial da ciência reside em como um estudo básico pode se transformar em algo incrível e fundamental em 20 anos.

“Uma das maravilhas da ciência é que todos podem decidir por si mesmos qual caminho seguir”, afirma o cientista. Ele disse sobre como, com a experiência de laboratório, começou a ter ideias disruptivas, investigando novas possibilidades na química orgânica. Respondendo jovens pesquisadores, MacMillan reconheceu a resistência da academia e da indústria de se desviarem do trabalho tradicional, mas os encorajou a seguir os caminhos mais desafiadores.

O químico também se recordou de seu início de carreira. Ele afirmou que sua maior preocupação, assim como a de muitos cientistas iniciantes, era conseguir um emprego estável: “o único impacto que eu queria era manter meu emprego”. Apesar da eventual sensação de sobrecarga e da certeza de encontrar fracassos, David se manteve imerso em ciência: “Quando você estiver pensando em desistir, lembre-se de como é bom estar contribuindo com um pedaço de conhecimento que permanecerá para sempre. […] Fracassamos muito mais do que acertamos, mas quando chegamos a uma resposta, vale por todo o processo”.

Compromisso com um futuro inclusivo

A ganhadora do Prêmio Nobel de Medicina de 2014, May-Britt Moser, é psicóloga e chefe do Centro de Computação Neural da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia. Feita em conjunto com Edvard Moser e John O’Keefe, sua pesquisa laureada buscou entender como funciona a memória. Ao mapear neurônios e investigar as funções cognitivas do hipocampo e do córtex entorrinal, as descobertas dos pesquisadores abrem caminhos para a prevenção e o tratamento do Mal de Alzheimer.

Palco do Nobel Prize Dialogue com May-Britt Moser.
May-Britt Moser destacou a importância de um ambiente de trabalho inclusivo e diverso. [Imagem: Arquivo pessoal/ Theo Schwan]

Para a laureada, que representou espacialmente as redes neuronais em uma análise objetiva, o papel do cientista é usar seus recursos para contribuir com o mundo. “Qual a nossa responsabilidade hoje?” ela refletiu, antes de defender a transferência tecnológica e o compartilhamento de descobertas como pilares para o avanço científico global. May-Britt também encarregou os pesquisadores de tornar a ciência interessante e acessível.

“Cientistas falam sobre ‘paixão,’ mas eu prefiro falar […] que somos viciados no que fazemos”

May-Britt Moser

“Somos cientistas porque temos perguntas que queremos responder”, afirmou a pesquisadora. Moser disse que, apesar das dificuldades e dos fracassos, o surgimento das respostas no laboratório é “viciante.” Ela lembrou que, devido a sua complexidade, o progresso da ciência é lento e demanda ferramentas que podem ainda não existir. Planejamento e estudo, então, foram essenciais para que, quando a tecnologia chegasse, ela e sua equipe pudessem “ir além, encontrar coisas novas, entender melhor como as estruturas celulares cerebrais estavam interagindo”.

Moser também deixou claro seu compromisso com a diversidade no ambiente de trabalho. A cientista defende que, quanto mais complexo o problema é, mais se precisa de uma equipe plural. “Precisamos de gente diferente, com diferentes atitudes, diferentes treinamentos, pois isso aumenta o alcance da ciência. Nós amamos a ciência juntos”, afirmou. May-Britt disse se orgulhar do ambiente de trabalho criado, que ela chama de segunda casa, e se sentir responsável pela felicidade da equipe: “Quando vem o sucesso, é um sucesso de todos, comemoramos todos juntos e nos tornamos mais próximos”.

“Descobrir o que não se sabia antes e divulgar para o mundo”

Vencedor do Prêmio Nobel de Física de 2012, Serge Haroche, acredita que a ciência de base é fundamental para o desenvolvimento do conhecimento. Professor de Física Quântica no Collège de France e membro da Academia de Ciências da França e da Europa, além de  participante convidado em institutos ao redor do mundo, ele foi agraciado por desenvolver novos métodos experimentais para medição e manipulação de sistemas quânticos individuais à nível atômico.

“O que move um cientista é observar um fenômeno e descobrir coisas sobre ele que ninguém sabe”, afirma o cientista. Serge acredita que a ciência de base é fundamental para compreender o mundo. Lembrou que seu Nobel não é resultado apenas de mérito científico, mas também de estar no lugar certo na hora certa e saber usar sua curiosidade e bagagem de conhecimento.

O pesquisador defende o financiamento no desenvolvimento da pesquisa: “Primeiro você explora e depois surgem as aplicações. Quem faz políticas de ciência precisa entender isso”. Sobre o Brasil, ele comentou que o país tem talentos que devem ser valorizados, e o primeiro passo é firmar compromissos com investimentos na educação básica para criar condições iguais para todos os jovens que aspiram ser cientistas.

Repórter da Jornalismo Júnior entrevistando laureado Serge Haroche
Serge Haroche, sendo entrevistado pela Jornalismo Júnior. [Imagem: Michel Sitnik/USP Imagens]

Quando questionado pela Jornalismo Júnior, Haroche afirmou que começou a entender a proporção de sua pesquisa no início dos anos 2000, quando seu grupo de pesquisa obteve os primeiros resultados que auxiliaram a observar partículas isoladas. “Na época, não pensávamos no Prêmio Nobel,” afirmou o físico.

Imagem de capa: Arquivo pessoal/ Theo Schwan

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