Complexidade. Uma palavra que pode muito bem definir uma das escritoras mais famosas do século XX, Virginia Woolf. E talvez sejam suas obras tão profundas que instigaram, tanto no passado quanto no presente, a produção cinematográfica envolvendo seu nome e seus personagens.
Como todo bom modernista, Woolf consegue trazer um frescor irreverente. No entanto, ao mesmo tempo, transparece uma londrina desamparada, e as linhas de sua escrita carregam a depressão e a tormenta da própria alma. Ao longo dos 59 anos de vida, ela conseguiu imprimir a essência das personalidades humanas em análises psicológicas árduas. O seu suicídio, em março de 1941, comprova que muito além de escrever as suas histórias, Woolf também ditava o que aconteceria consigo mesma. Dona das palavras e do público, caiu nas graças dos amantes de literatura, e logo dos cinéfilos de plantão.
Em 1966 estreiou o longa Quem tem medo de Virginia Woolf? (Who’s afraid of Virgina Woolf), que tem no elenco a famosíssima Elizabeth Taylor. Apesar do título, o filme, baseado em uma peça de teatro, não tem nada a ver com Woolf. Na realidade, o drama envolve dois casais que discutem em um início de madrugada. Os quatro protagonistas, os quais se encontram bêbados, dialogam sem parar sobre relacionamentos e temas comuns do cotidiano moderno – até moderno demais para os padrões dos anos 60. Citar a autora no título é, além de um trocadilho com a música infantil “Quem tem medo do Lobo Mau?”, uma maneira formidável de mostrar como entrar nos percalços dos questionamentos é característica marcante de Woolf. As interpretações bastante teatrais tiram a cara de discussão tediosa do enredo, e rendeu à queridinha de Hollywood, Liz Taylor, o Oscar de Melhor Atriz.
Após esta primeira impressão de Virginia Woolf no cinema, mesmo que sutilmente, as próximas produções se mostraram mais voltadas aos livros da inglesa. Rumo ao farol, Mrs. Dalloway e Orlando, além de serem os maiores sucessos da autora, foram adaptados ao audiovisual de modos distintos.
O mais discreto de todos, Rumo ao Farol foi apenas distribuído para a televisão do Reino Unido em 1983, bem singelo e humilde. Provavelmente era um clássico da “Sessão da Tarde” britânica ou presença garantida de programas ao estilo “Telecurso 2000” para os estudantes desesperados de literatura. Mas, mesmo assim, a produção televisiva mantém a integridade da obra de Woolf, buscando a maior fidelidade possível ao livro em que foi baseado
Já em 1992, foi lançado Orlando – A Mulher Imortal (Orlando) com estrondosa aclamação, diferentemente do predecessor lançado nove anos antes. Com o aparato tecnológico que a última década do milênio poderia trazer, as cores explodem em cenas de corpos à mostra e voluptuosas vestimentas da nobreza inglesa.Por ser mais leve, a narrativa de “Orlando” é mais fácil de ser entendida por ter, de certa forma, uma carga menor de interpretação psicológica. Uma fuga do tradicional de Woof, há uma nova temática com contraposições como o efêmero – trazido pelo sexo – e a busca pela glória eterna – raiz dos desejos humanos.
Mrs. Dalloway (Mrs. Dalloway) contou com uma versão adaptada ao cinema em 1997. A tentativa de reconstrução dos devaneios psicológicos de Woolf não ficou tão bom quanto em Orlando, uma vez que o livro consiste em avaliações de comportamentos e personalidades mais intensas. O filme que transcreve um dia relativamente normal na vida de uma mulher, conta com vários flashbacks e abuso da imaginação de como a sua realidade poderia ter sido outra se tivesse feito diferentes escolhas.
Por fim, e o destaque atual vai para As Horas (The Hours, 2002), que com roteiro incrementado se tornou o mais interessante de toda a participação de Woolf no mundo do cinema. Com um trio de atrizes com um histórico notável – Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman – a trama cria pontos de vista diferentes ao redor de um livro: Mrs. Dalloway. A escritora, a leitora e a personagem: três eixos que compõem a construção de qualquer narrativa. Dessa maneira a viagem temporal que o diretor Stephen Daldry proporciona é dinâmica e inovadora para os que não estão acostumados a linearidade de fatos. Nicole Kidman emprestou seu corpo à Virginia Woolf e colocou face à autora escrevendo o livro; Julianne Moore interpreta uma dona-de-casa de Los Angeles nos anos 30, que por mais fútil que pareça, vive transtornada com a volaticidade de sua vida e não consegue desgrudar do livro Mrs. Dalloway; e Meryl Streep é uma Mrs. Dalloway dos anos 2000. A mistura de épocas auxilia em um reconhecimento da similaridade com que se pode conectar as angústias humanas, desde quem as escreve até quem é capaz de perceber. Não é à toa que o filme foi indicado a oito categorias no Oscar de 2003, dentre elas Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz, sendo que apenas a última foi arrematada por Nicole Kidman.
Virginia Woolf marcou não só a literatura mundial como também o cinema. A sua presença traz a figura feminina em alta, frente à diversidade gigantesca de autores masculinos valorizados na literatura mundial. Na carta de despedida ao seu marido, antes que se suicidasse colocando pedras no bolso e mergulhando no Rio Ouse, ela escreveu suas últimas linhas ao estilo Woolf. Sendo um surto psicótico ou apenas resultados dos seus problemas com a depressão, ela confessa na frase final do bilhete: “Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós dois fomos”.
por Júlia Pellizon
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