Jornalismo Júnior

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Você sabe o que são softwares livres?

Com mais liberdade, controle e segurança sobre a máquina, os softwares livres apresentam novas possibilidades na relação entre pessoas e tecnologia

Por Lara Soares (larasoares@usp.br)

Quem assistiu a O Dilema das Redes, documentário original da Netflix, certamente ficou alarmado sobre a possibilidade de estar sendo controlado pela tecnologia. Na maioria das vezes, não é possível saber o que está acontecendo dentro dos computadores, dos celulares e de sites acessados por meio da internet. Assim como há sempre alguém por trás das câmeras, há sempre alguém por trás dos softwares, com intuitos e interesses particulares. 

Na segunda metade do século 20, os programadores e profissionais da computação já estavam pensando sobre isso e buscando formas de ter mais controle, segurança e privacidade em suas máquinas. É nesse contexto que surge o movimento dos softwares livres.

O que é software?

Software é uma sequência lógica que permite que um dispositivo execute uma determinada tarefa. Por  analogia, se o seu objetivo é fazer um bolo, seu dispositivo seria a cozinha e o software seria a receita do bolo. Ou seja, é um passo a passo, um conjunto de instruções dadas ao computador ou celular para que o usuário possa operá-lo.

Um tipo especial de software são os sistemas operacionais, como o Android, o Windows, o MacOS e as diferentes distribuições do Linux. A função desses softwares é gerenciar e administrar os recursos do seu sistema. Eles são essenciais para a utilização de um dispositivo. 

Todo arquivo armazenado e software instalado em um computador utiliza o sistema operacional como plataforma para poder funcionar. Além disso, ele também controla as funcionalidades do hardware, ou seja, a parte física do aparelho. É o sistema operacional que reconhece e organiza os dados digitados no teclado, envia dados para o monitor, controla periféricos (mouses, impressoras, dispositivos de áudio e vídeo) e administra o acesso do computador às redes.

As liberdades de um software

Qual a diferença do Windows para o Linux? Do Microsoft Office para o LibreOffice? Apesar das interfaces serem muito semelhantes, há alguns aspectos que fazem com que o Linux e o LibreOffice sejam considerados softwares livres. 

Um dos principais é o código aberto, ou seja, o usuário tem acesso ao código-fonte do programa, podendo ver como foi construído e modificá-lo, para corrigir bugs ou aprimorar as funcionalidades. “As ferramentas de código aberto são muito mais customizáveis. O código aberto te proporciona literalmente a palavra liberdade”, conta Guilherme Santos, 20, estudante de Engenharia da Computação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Usuário de Linux há 2 anos, ele conta que decidiu mudar de sistema operacional para aprimorar seus conhecimentos de programação. “Com o tempo, fui me acostumando e percebendo que realmente é bastante benéfico, não só para programação, mas porque é um sistema mais leve, mais rápido e, pelo fato de ser código aberto, está o tempo inteiro sendo atualizado.”

Ter o código aberto não é o único fator que faz com que um software possa ser considerado livre. “A questão que diferencia, do ponto de vista estrito, o que é um software livre do que é um software não livre é a licença”, explica o professor Nelson Lago, membro do Centro de Competência em Software Livre (CCSL), do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP). 

“Quando você instala um software que não é livre na sua máquina, tem vários termos do que você pode e não pode fazer. Você não pode redistribuir, por exemplo. Às vezes até pode, mas não pode fazer engenharia reversa. O software livre também tem termos desse tipo, mas eles são diferentes. Os termos de software livre garantem que você tenha algumas liberdades quando os usa.” 

De acordo com o site do GNU, um projeto de software livre, quatro liberdades essenciais precisam ser garantidas para que um software seja, de fato, livre. A Liberdade 0 permite usar o programa onde e como quiser. A Liberdade 1 assegura que usuário possa modificar o programa e adaptá-lo às suas necessidades. A Liberdade 2 garante que se possa redistribuir cópias do software para ajudar outras pessoas. A Liberdade 3 permite a redistribuição de cópias com modificações feitas por um usuário.

Os softwares livres permitem uma maior personalização da sua interface. [Imagem: Lara Soares/Acervo Pessoal]

O fator segurança

Uma das grandes preocupações na hora de baixar um programa para computador é a segurança. Assim, pode surgir a dúvida: se qualquer pessoa pode acessar e modificar os softwares livres, seria seguro usá-los? 

“Existe uma fantasia que as pessoas têm de que um software fechado – que não se sabe muito bem como funciona – é mais seguro. Isso é uma coisa que já, há muito tempo, se sabe que não é verdade”. O professor Lago explica que é vantajoso que o modo de funcionamento de um software seja público, porque poderá ser analisado por diferentes pessoas, otimizando a identificação e correção de falhas de segurança. 

“A questão de um software ser seguro ou não tem a ver com quem está por trás dele, se eles têm condições financeiras de arcar com os custos de manter a qualidade. Manter a segurança de um produto significa que, se alguém descobre um problema, precisa ter uma pessoa com tempo, disposição e capacidade para resolvê-lo. É uma questão muito mais econômica do que se o software é livre ou fechado”, diz o professor.

Por outro lado, há quem coloque em dúvida a segurança da sua privacidade nos softwares fechados. Santos acredita que “o Linux não tem o problema do Windows, que, por ser um código fechado, você não sabe o que está rodando no fundo. Costumo brincar com um amigo meu que o Windows é um grande spyware”

Por definição, um spyware é um software destinado a coletar dados de um dispositivo e transmiti-los a terceiros sem o consentimento do usuário, como o cavalo de Troia e outros vírus. A analogia do estudante, apesar de hiperbólica, é representativa da grande desconfiança da comunidade defensora dos softwares livres em relação a programas de código fechado. Entre os ativistas da causa, repercute a célebre frase: “Se os usuários não controlam o programa, o programa controla os usuários”.

Para o professor, “quando se está falando de software não livre, que não oferece a possibilidade de saber como ele funciona, você precisa ter uma certa confiança na empresa, no que ela está fazendo com os seus dados. Você pode pensar que uma empresa grande dificilmente vai fazer algo questionável do ponto de vista ético ou legal. Só que, na prática, a gente já viu isso não é verdade. Há sim empresas grandes que fazem coisas questionáveis do ponto de vista da ética e da legalidade. Existe um risco por aí”. 

Ainda segundo Lago, esse risco é muito menor com os softwares livres. Como o código-fonte é público, “se for implementada alguma coisa questionável, como já aconteceu, a comunidade reage muito rapidamente”.

Questões de popularidade

De acordo com a plataforma W3Schools, em fevereiro de 2023, o sistema operacional Linux era utilizado por cerca de 4% dos usuários. É um número bem pequeno quando comparado com os 70,9% de usuários de Windows, no mesmo período. Entre os usuários mais iniciantes, os sistemas operacionais de código aberto ainda não são tão populares, o que pode gerar alguns problemas para quem passa a aderir a eles.

Sofia Zizza ,19, estudante de Jornalismo na USP, começou a utilizar Linux no final de 2018, quando sua mãe lhe presenteou com um computador novo que já vinha com o sistema operacional de código aberto. “Eu nunca tinha usado na vida. Então, logo que ganhei o computador, foi um pouco mais difícil de conseguir configurá-lo para os padrões de um computador normal. Eu tive que pedir ajuda para um amigo do meu padrasto”, ela conta. 

“Eu tenho um pouco de dificuldade na hora de instalar algum programa porque, como é código aberto, você tem que mexer no terminal do computador. É uma experiência diferente, mas acho que, se eu mexesse com programação, talvez seria melhor.”

Para Santos, esse também é um dos pontos negativos do Linux, que dificulta a sua maior popularização em detrimento do Windows. “O Linux acaba exigindo um pouco mais de conhecimento de computação do usuário. Muitas vezes, você vai se pegar vendo na internet, em fóruns, sobre a distribuição que você usa e como resolver um problema que você não está habituado a resolver.” 

“Eu diria que o Windows é muito mais simples e aprimorado para a experiência do usuário parecer agradável. Tudo é feito para ele, é muito mais prático. Mas, se você quer mais liberdade, customização e controle sobre o seu computador, ao preço de ter que se esforçar um pouquinho mais, o Linux é melhor”, complementa o estudante.

Há um esforço inescapável de fugir do convencional: “o primeiro passo é o usuário entender que, se você está saindo do mainstream, vai haver um impacto”, diz Lago. 

Entre o público geral, ainda há muito pouco conhecimento difundido sobre os softwares livres. O professor ainda afirma que “vale a pena divulgar para as pessoas que, quando usam Android, Firefox ou mesmo Chrome, elas estão usando software livre. Não é uma coisa tão misteriosa”.

Além disso, muitos programas são incompatíveis com o sistema operacional Linux, o que dificulta a comunicação e o compartilhamento de informações entre diferentes dispositivos.

“Você não vive sozinho numa ilha. Você se comunica com as pessoas, que, em geral, usam Windows e utilizam, por exemplo, Microsoft Office. Você tem um Libreoffice, que é o software de escritório bastante capaz e compatível com o Microsoft Office, mas a compatibilidade não é perfeita. Então, quando você trocar documentos de lá para cá, vai ter dificuldade”, complementa Lago. Sofia diz que sentia falta de ter o Word: “Por isso, até hoje, eu uso o Google Docs. Foi a alternativa que eu achei”.

Apesar de ainda serem um tanto misteriosos para usuários comuns, os softwares livres já são amplamente conhecidos entre os profissionais de tecnologia. De acordo com o professor, esses programas fizeram grande sucesso por vantagens técnicas e econômicas em relação aos softwares não livres.

Lago acredita, no entanto, que mesmo no campo dos profissionais falta conscientização. “O maior problema é que o movimento original pelo software livre era um certo ativismo em prol da liberdade, privacidade e controle individual sobre as suas questões do mundo da computação. Esse sucesso de software livre que a gente tem hoje em dia não está vinculado a esse pensamento.”

Segundo ele, essas outras questões merecem ser mais discutidas. ”Cada vez mais, temos uma realidade totalmente mediada pelo computador em vários níveis e estamos considerando natural que esse processo aconteça sem que a gente tenha muito conhecimento ou controle sobre o que acontece. Isso é um pouco problemático.”

A filosofia por trás dos softwares livres ainda merece ser mais popularizada. [Imagem: Reprodução/Marcelo Teixeira]

Nuvem

A filosofia dos softwares livres ainda é fonte de muitas reflexões sobre o controle e a privacidade do usuário no meio computacional. Porém, já existe uma mudança de paradigma tecnológico: a transição para a computação em nuvem, que torna o software livre uma peça menor do que já foi para essa problemática. 

“Os softwares livres foram cunhados em uma época em que, de fato, o grosso do que você fazia com um computador era o que acontecia na sua máquina. Hoje em dia, muito do que acontece se dá numa máquina que não é a sua. Então, o software que está lá pode ser livre, mas você não tem controle sobre ele. Um bom exemplo é o Facebook e outras  redes sociais. Toda a infraestrutura das redes sociais roda software livre, mas isso não altera o fato de que eles te controlam muito mais do que você controla eles”, aponta o professor.

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