Por: Bruno Carbinatto (brunocarbinatto@gmail.com)
Não é incomum que grandes obras literárias sejam imortalizadas nas telas do cinema pelas mãos de conceituados diretores; 2001: Uma odisséia no espaço (Editora Aleph, 2013), porém, passou pelo caminho diferente. O filme de 1968 – responsável por alavancar a carreira do promissor Stanley Kubrick – foi inspirado no conto “A sentinela”, de Arthur C. Clarke, que também participou da produção do longa. Simultaneamente ao filme, Clarke desenvolveu o romance futurista, dialogando com a história do brilhante Kubrick, mas com algumas mudanças. Não se trata de uma adaptação, mas de duas obras interpretadas em diferentes visões, concomitantemente.
Dividido em 6 partes, o livro nos leva a uma verdadeira viagem temporal. Somos apresentados, logo no início, a uma remota época pré-histórica, em que nossos ancestrais, meio homens e meio macacos, (sobre)viviam na selvagem Terra primitiva. A grande reviravolta se dá quando um monolito (ou monólito) de pedra negra surge dos céus, e começa a ter efeitos inexplicáveis nos homens-macacos. A partir daí, esses seres começaram a desenvolver técnicas de sobrevivência, como o uso de ferramentas e armas, e passam, no sentido mais amplo da palavra, a ‘evoluir’. É o momento definitivo da conquista do mundo pelo homem.
Seguindo nossa viagem, somos levados do passado remoto ao futuro fantástico: o homem já não é mais apenas dono do mundo; também conquistou o espaço. No ano de 2001, um astronauta viaja da obsoleta Terra até a Lua, atraído por um mistério que pode mudar o destino da humanidade: no nosso satélite natural, é encontrado um grande monolito de pedra negra, que ninguém sabe explicar o porquê de estar ali.
A partir daí, começa de fato a grande odisséia espacial: dois astronautas, David Bowman e Francis Poole, estão a bordo da Discovery, a nave mais moderna da época, a caminho de Saturno, em uma missão que nada aparenta ter a ver com o misterioso artefato encontrado na base lunar. Os dois aventureiros não estão sós: são acompanhados por outros 3 cientistas, todos em hibernação induzida, e um sexto passageiro, talvez o mais interessante da história: HAL 9000, a inteligência artificial que controla a nave. No decorrer do livro, começamos a nos perguntar – e também descobrir – o que aquela viagem aparentemente desconexa com o começo do livro tem de importante, e também nos questionamos a respeito de HAL: seria possível confiar em uma inteligência artificial? Até que pontos os robôs são desprovidos de erros, e, principalmente, de sentimentos, desejos e interesses próprios?
2001 não nos decepciona nesse sentido: nossas perguntas são respondidas das maneiras mais inesperadas possíveis. Somos surpreendidos a cada capítulo, com plot-twists incríveis e uma trama genialmente bem construída. A construção dos personagens, incluindo o robô HAL, é verossímil e empática, mesmo numa situação tão distante de nós, meros terráqueos.
Seguindo essa linha, Clarke nos conquista com uma ambientação incrível. Sua descrição da vida no espaço – seja na nave, na base espacial ou no eterno vácuo – é tão bem feita que nos sentimos flutuando na gravidade zero. Além disso, há o bônus do escritor -cientista: todo o livro é correto do ponto de vista físico, mas explicado de uma forma que leigos possam entender e se interessar. Por exemplo, podemos não saber exatamente como um veículo espacial pode “roubar” ‘momento angular’ de um planeta como Júpiter para ser “catapultado” para Saturno, mas entendemos muito bem a tensão de Poole e Bowman quando eles precisam utilizar essa manobra. Por mais que alguns leitores possam achar o começo da aventura dos dois astronautas um pouco maçante, esse processo é extremamente necessário para nos colocar em um mundo ao mesmo tempo distante e tão próximo de nós.
2001 é um grande marco não só do cinema como da literatura. Assim como em grandes distopias da história, a antítese (ou síntese?) homem vs máquina é tratada de forma brilhante, assim como a possibilidade de não estarmos sozinhos no universo, e o que isso acarretaria em toda nossa estrutura social. Não é apenas um livro de ficção científica, é um grande tratado sobre as questões mais humanas da (pós)modernidade, que, ao contrário do que se pensa, diz mais sobre nosso presente do que sobre nosso futuro. Se aventurar por 2001 é uma experiência de reflexão, crítica e ‘evolução’. Quase como se fossemos, novamente, homens-macacos diante de um monolito negro, dessa vez literário.