Cores vibrantes, brilho e muito glamour são coisas comuns no mundo da beleza e estão presentes em Medusa Deluxe (2023) durante toda a uma hora e 40 minutos do filme. O que marca a história, mas destoa do fantástico universo dos salões de cabeleireiro é um pequeno detalhe: a morte de um profissional cotado para ganhar a competição regional de hairstylist do ano. O intrigante é que, além do crime, ocorrido na sede do evento, parecer um homicídio, a vítima foi escalpelada e seu cabelo está desaparecido.
Lendo assim, até pode-se pensar que a narrativa é um pouco cômica: um cabeleireiro que tem seu cabelo roubado. Apesar de ter seus momentos de humor bem situados e genuinamente engraçados, essa conclusão seria um engano. A história é repleta de personagens densos, com nuances e individualidades, que contribuem para a construção de um cenário intrigante no glamourizado mundo dos hairstylists.
Uma história de detetive de modelo original
A trama começa com o grupo de cabeleireiras discutindo sobre a morte de Mosca (John Alan Roberts), encontrado pela sua modelo de penteado, Timba (Anita-Joy Uwajeh), sem vida e escalpelado em um dos camarins da disputa de penteados organizada pelo aposentado dono de salão de beleza Rene (Darrell D’Silva).
A partir desse incidente, todos os envolvidos na competição — hairstylists, modelos, organizador e familiares — começam a conjecturar sobre quem teria cometido o crime, o que traz à tona brigas do passado envolvendo Mosca e outras cabeleireiras, casos amorosos e um possível esquema de corrupção dentro do concurso.
O enredo lembra uma história de detetive, mas diferente do que estamos acostumados, não há um investigador protagonista ou pistas para serem seguidas. O desenrolar ocorre na base de discussões pessoais e revelações íntimas, transportando o telespectador para o seio do conflito de modo natural e convincente.
Cores, sons e grandes sequências sem cortes
A estreia de Thomas Hardiman como diretor e roteirista de longas em Medusa Deluxe é muito positiva. O britânico já havia trabalhado nos curtas Pitch Black Panacea (2019) e Radical Hardcore (2015), obras que contribuíram de forma notável para seu excelente uso de plano sequência e direção de cena.
O jogo de câmera em Medusa Deluxe é esplêndido: o filme é uma grande e delicada junção de vários planos sequências. Para o espectador desavisado, o uso da tática para formar toda a obra só é percebido na metade do longa, tamanha a sutileza da união das cenas.
Para usar a técnica, Hardiman escolhe o método de acompanhar um personagem, inserir outro na cena e acompanhar a saída desse elemento intruso com a câmera, levando a história para o caminho que deseja sem precisar fazer cortes. A fluidez do filme, combinada ao roteiro cheio de fofocas íntimas, embala e insere o espectador na trama, que se desenrola lentamente em um ambiente limitado.
O longa também conta com uma trilha sonora cuidadosamente pensada para a construção do enredo, o que contribui com as diversas sensações causadas no público ao longo do filme. A direção de arte de Robbie Ryan, indicado ao Oscar por A Favorita (The Favourite, 2018) e Docinho da América (American Honey, 2016), abusa do uso de luzes neon, tons coloridos e brilhos. Dentro dos corredores apertados, camarins e banheiros da competição de penteados, tudo isso cria uma atmosfera expressiva, claustrofóbica e ansiosa, que parece guardar surpresas atrás de cada porta.
Completa entrega aos papéis
Junto ao trabalho de direção, as atuações de Medusa Deluxe representam o ponto alto do filme. Todos os personagens são maravilhosamente representados e os intérpretes, mesmo com pouco tempo de tela, conseguem construir a personalidade dos envolvidos na competição — as pequenas engrenagens na grande história contada por Hardiman.
Clare Perkins, que interpreta a destemida, orgulhosa e violenta cabeleireira Cleve, rouba todas as cenas em que aparece e, enquanto faz elaborados penteados, exibe talento com os monólogos da personagem. Harriet Webb, Kayla Meikle, Luke Pasqualino e Kae Alexander também têm atuações impecáveis que merecem ser mencionadas.
Uma grande história que se extravia em seu caminho
O longa é, de fato, muito bem feito tecnicamente, mas deixa um pouco a desejar no desenrolar do roteiro. A primeira parte do filme prende o espectador de verdade, entretanto, daí em diante, a obra se estende aos poucos, com alguns pontos que reconquistam a atenção, mas rapidamente se perdem no grande emaranhado que o roteirista tenta desembaraçar.
No final, a resolução do crime é um pouco decepcionante. Talvez, a ânsia em surpreender e ser diferente dos outros filmes com o famoso “quem matou?” tenha gerado a busca por uma resposta menos óbvia, que, infelizmente, acabou por ser a mais sem graça.
Mesmo assim, Medusa Deluxe consegue ser um deleite visual de cores, sons, filmagem e atuação. É um conjunto muito bem construído que, no decorrer do filme, eleva as expectativas do espectador com a obra e, por isso, pode gerar a sensação de “podia ter sido melhor”.
No saldo final, a totalidade da obra compensa as falhas no desenvolvimento do roteiro e faz com que o filme mereça ser visto em uma sala de cinema.
O filme já está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Divulgação/MUBI