– Alice, você quer prestar atenção à lição de história?- Diz a irmã mais velha.
– Perdão! Mas como prestar atenção em um livro que não tem gravuras? – Responde Alice.
– Ouça, Alice, há muitos e muitos livros nesse mundo sem gravura.
– Neste mundo pode ser, mas pra mim os livros só teriam gravuras!
O diálogo acima é parte da primeira cena da adaptação feita pela Disney em para a “Alice no País das Maravilhas”. A história, escrita por Lewis Carroll, completa 150 anos em 2015 e ao longo desse tempo muitos artistas atenderam ao pedido de Alice, fazendo com que a sua história fosse enriquecida por gravuras, ilustrações e animações.
Em 2014, Yayoi Kusama ilustrou o extraordinário País das Maravilhas e suas criaturas. Conhecida no Brasil pela exposição “Obsessão Infinita” (Instituto Tomie Otake, 2014), Kusama afirma ser e é, de fato, uma “moderna Alice no País das Maravilhas”. A artista sofre alucinações e tem um diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia, o que faz com que ela tenha uma visão distorcida da realidade. Desde 1977, Kusama vive voluntariamente em uma instituição psiquiátrica e afirma que sua arte é uma tradução de como ela enxerga o mundo. “Obsessão Infinita” é, segundo Kusama, a materialização da percepção e da visão distorcida que ela tem, que a fazem enxergar pontos infinitos.
A história de Alice parece ter sido feita para ser um dia ilustrada por Kusama, que tem uma expressão artística caracterizada por repetições, padrões psicodélicos e traços fortes. A maioria das suas obras é marcada pelo uso de cores contrastantes, o que não é diferente nos desenhos que aparecem no livro.
Kusama se expressa também através de espaços imersivos. Em “Obsessão Infinita” existiam diversas salas que levavam os espectadores para dentro do mundo da artista. Agora Kusama nos leva para dentro do País das Maravilhas e para cada cena da história a artista cria um ambiente. Em um capítulo que se passa com criaturas do fundo do mar, por exemplo, Kusama opta por usar páginas azuis. Além disso, o tamanho das letras acompanha as mudanças na altura de Alice.
A cada nova ilustração ou animação feita para a história de Lewis Carroll surge a curiosidade de como serão os personagens mais caricatos, como o Chapeleiro Maluco e o Gato de Cheshire. Kusama optou por representar esses dois personagens através de suas características mais marcantes. No capítulo “Um Chá Maluco” a ilustração principal é um grande chapéu e o gato foi ilustrado somente através do seu famoso sorriso. A história de Alice é rica não apenas pelos seus diálogos, mas principalmente pela liberdade que ela dá para a imaginação dos leitores. Ao compararmos as ilustrações de Kusama com as originais vemos grandes diferenças.
Ilustrações originais do Gato de Cheshire, feitas por John Tinnel, em comparação com as de Kusama.
Ilustrações originais do Chapeleiro Maluco, feitas por John Tinnel, em comparação com as de Kusama.
O livro de Yayoi Kusama é, portanto, uma grande contribuição para que “Alice do País das Maravilhas” continue encantando muitos leitores. A história que passa longe de ser monótona fica ainda mais viva graças as ilustrações dessa grande artista contemporânea.
Por Natália Belizario Silva
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