por André Meirelles
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Durante a manhã do dia 15 de janeiro, a Academia de Artes de Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy) anunciou os indicados ao Oscar de 2015. Entre os que disputarão a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro, se destaca uma produção argentina que vem conquistando muitos elogios dos críticos brasileiros. Trata-se da comédia dramática Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, 2014), dirigida por Damián Szifrón e que leva ao público seis contos diversos que misturam estresse e vingança, contados com um toque de ironia. O filme é responsável por colocar a Argentina pela sétima vez entre os cinco concorrentes ao Oscar . Venceu em duas oportunidades, com o filme A História Oficial (La História Oficial, 1985) e O Segredo dos seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, 2009).
Relatos Selvagens vem ganhando sucesso pela sua forma envolvente e real de retratar o cotidiano. Apoiados por uma excelente estética visual, cada conto tem sua forma particular de tensão que prende o espectador à história. O filme alcançou a marca de 3,5 milhões de espectadores na Argentina. No Brasil o número já ultrapassou os 350 mil. O enorme sucesso é a prova de que o cinema argentino vive uma de suas melhores fases, muito bem representado pela figura de um ator com cabelos grisalhos e olhos claros. Ricardo Darín é atualmente o nome de peso do cinema argentino. Já conquistou uma legião de fãs e impressiona cada vez mais pela grande quantidade – e qualidade – de filmes que participa por ano.
![relatos-selvagens-darin](http://jornalismojunior.com.br/cinefilos_old/wp-content/uploads/relatos-selvagens-darin.jpg)
O mercado cinematográfico atual é alimentado por diretores jovens e talentosíssimos, como o próprio Damian Szifrón, 39, Pablo Trapero, 43, e Juan José Campanella, 55. Mas por que será que a indústria de cinema argentina faz tanto sucesso? Arriscaria dizer que os diretores conseguiram tocar em um ponto importante dentro de fazer um filme: o contato com o público. Isso significa mostrar o dia a dia das pessoas, suas situações cotidianas e seus problemas de convivência. Assim, os espectadores se veem representados em muitas situações e acabam criando uma ligação forte com a história. Baseados em um elo entre simplicidade e criatividade, sem abusar muito de efeitos especiais, os argentinos acostumaram a mostrar a vida dinâmica de Buenos Aires de uma forma interessante. Ao mesmo tempo, constroem narrativas emotivas e sensíveis, horas com um toque de humor, horas carregadas de suspense. O envolvente Tese Sobre um Homicídio (Tesis sobre un homicidio, 2013) e o mais recente Sétimo (Séptimo, 2014) são bons exemplos de filmes – estrelados por Darín – que exploram o lado sentimental com histórias de suspense.
![Estrelado por Ricardo Darín, O Segredo dos Seus Olhos (2009) foi o segundo filme latino-americano a vencer o Oscar de melhor filme estrangeiro.](http://jornalismojunior.com.br/cinefilos_old/wp-content/uploads/o-segredo-dos-seus-olhos-oscar-melhor-filme-estrangeiro-700x370.jpg)
Mas Não é de hoje que os portenhos possuem paixão pelo cinema. Entre os anos 50 e 60, seus filmes eram considerados os melhores em língua espanhola, representados por Leopoldo Torres Nilsson. O diretor alcançou consagração nacional com a produção do drama La Casa del Ángel, de 1957, que conta a história de Ana Casta, uma adolescente rodeada por ensinamentos religiosos que, ao conhecer o deputado Pablo Aguirre, perde sua timidez e inocência. O filme foi um marco e representou uma renovação da forma de se fazer cinema na Argentina. Durante os anos 60 e 70, o país conheceu um fenômeno social cinematográfico que se propôs a mostrar uma alternativa ao cinema hollywoodiano: o chamado Grupo Cine Liberación. Ao mesmo tempo que ocorria a Revolução argentina (1966-1973), o grupo tentava desenvolver o conhecimento social e uma voz política através de seus filmes. Os diretores Fernando Solanas e Octavio Getino foram os guias desse ideal de alternativa do cine argentino. O grande destaque da época fica com La Hora de los Hornos, de 1968, do próprio Solanas.
Anos mais tardes, as telonas começaram a representar sua história nacional, mais precisamente, a Ditadura Militar argentina (1976-1983). Foi o tema do filme A História Oficial, ganhador do Oscar de melhor estrangeiro de 1985. Dirigido por Luis Puenzo, o filme conta a história de uma professora que descobre que a criança que adotou pode ser filha de um dos presos políticos da ditadura. O filme teve o mérito de discutir sobre o período no calor do momento, ou seja, com uma democracia recém instaurada. Benjamin Ávila é um dos diretores que mais se dedica a produzir filmes sobre a época. Um de seus sucessos mais recentes é Infância Clandestina (Infancia Clandestina, 2012), que aborda o desaparecimento de um casal durante a ditadura sob o olhar de uma criança. O filme é baseado na infância do próprio Ávila. Outros que tratam da questão e valem a pena são: Tangos, o Exílio de Gardel (El Exílio de Gardel (Tangos) 1985) de Fernando Solanas, Garage Olimpo (Garage Olimpo, 1999) de Marco Bechis, Kamchatka (Kamchakta, 2002) de Marcelo Piñeyro e Crônica de uma Fuga (Crónica de una Fuga, 2006) de Adrián Caetano.
![Cartaz do filme La Hora de los Hornos (1968), dirigido por Fernando Solanas, um dos integrantes do Grupo Cine Liberación.](http://jornalismojunior.com.br/cinefilos_old/wp-content/uploads/la-hora-de-los-hornos.jpg)
Se hoje há um país latino-americano que mantém uma produção cinematográfica de extrema qualidade, é a Argentina. Graças a vários fatores. Um deles é o grande incentivo de alguns grupos, como o do INCAA (Instituto Nacional de Cine e Artes Audiovisuais da Argentina), que em 2011 criou taxas para regular a exibição de filmes estrangeiros. A medida valorizou a indústria nacional e barrou a expansão das produções norte-americanas. Em 2014, nossos vizinhos lançaram 170 filmes! Outro fator que ajuda é o lado cinéfilo dos argentinos. O hábito de ir ao cinema é algo tão forte na cultura do argentino que, para se ter uma ideia, há mais de 800 salas de cinema no país – isso em proporção à população, é um número bem expressivo. Diante de todos esses números, chegamos a uma conclusão. Além de tango e alfajor, o mundo conhece a cada dia outra maravilha argentina: o cinema.