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A última dentada no morango antes do mofo, nas entonações de Liniker e Letrux

(Imagem: Reprodução) Liniker e Letícia Novaes propiciaram uma noite de Melodia Literária no SESC Consolação. A cantora de soul convidou-nos à sua casa, sua escrivaninha e luminaria de trabalho; mesinhas, poltrona, um puff amarelo e outro vermelho, as almofadas de cores quentes, dentre elas uma envolvida em uma foto verde de infância, outra prata purpurina, …

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(Imagem: Reprodução)

Liniker e Letícia Novaes propiciaram uma noite de Melodia Literária no SESC Consolação. A cantora de soul convidou-nos à sua casa, sua escrivaninha e luminaria de trabalho; mesinhas, poltrona, um puff amarelo e outro vermelho, as almofadas de cores quentes, dentre elas uma envolvida em uma foto verde de infância, outra prata purpurina, à meia luz de um abajur, com direito a brinde com espumante. Lá ganhamos de presente “Aqueles Dois” (de Caio Fernando Abreu e do livro “Morangos Mofados”) formando-se através das ternas vozes das duas performers.

O escritor aparece mais maduro em sua obra mais conhecida, sem perder nem um pouco de sua intensidade. [Reprodução]
O doce sarau trouxe referências compartilhadas entre o escritor e as duas musicistas, apresentando canções indicadas ao longo do texto, hábito comum de Caio, tal como outras músicas associadas à narrativa por Liniker e Letícia. A performance, em seu todo, apresentou um clima muito singelo, intimista, ora eufórico, outra melancólico, igualmente à relação de Raul e Saul no conto – uma engraçada coincidência do destino, ou “aparente mediocridade e repressão” como aponta o autor.

A apresentação trouxe clássicos boleros como “Tu me acostumbraste” de Frank Domínguez, passou pela cantora Ângela Ro Ro, famosa sobretudo nos anos 70 e 80 e queridinha do escritor da paixão; Maria Bethânia e Chico Buarque, chegando a uma composição inédita de Letrux. As duas quase não tiveram tempo de ensaio, dado que Liniker estava na Estônia, ao fim de um turnê na Europa. Algo que conferiu espontaneidade e tampouco afetou a qualidade do espetáculo.

As duas intérpretes, à vontade no caseiro cenário, revezando-se entre instrumentos, mobílias, trocando brindes, olhares, momentos e estima, incorporaram os dois colegas de trabalho- do norte Raul, do sul Saul- os quais, ao longo de uma convivência, despertam um verdadeiro amor platônico (não o comumente convencionado, mas sim aquele que sustenta-se nas virtudes da pessoa querida, bem como a eterna estima pelo melhor do outro). A questão é: os charmosos e altivos rapazes começam a chamar atenção e uma certa cisma da retrógrada firma onde trabalharam.

A prosa, porém, nunca deixa claro se há um envolvimento físico entre os dois, destaca-se puramente o afeto, a desconfiança fica somente por parte dos observadores. O preconceito é absoluto, de mesma forma. Quando considera-se  a data do texto, início dos anos 80, percebe-se a influência do regime militar, em seu autoritarismo alicerçado na moral e bons costumes, sempre sobre os demais funcionários. Raul e Saul são os forasteiros buscando ultrapassar o senso comum em muitos detalhes do desenrolar textual. À vista disso, Letícia e Liniker trouxeram uma compilação de preconceituosas declarações do capitão da reserva e presidenciável Jair Bolsonaro, no intuito de montar um paralelo bem factível.

Além de próximas, as duas cantoras compartilham uma grande paixão por Caio Fernando Abreu. [Reprodução]
Ao fim da apresentação, em um ambiente com mimos da compositora de “Flerte Revival”, os organizadores abriram o microfone para um debate entre as cantoras e o público. Apesar das ressalvas, com uma pessoa caracterizando o conto como antigo  – “Morangos Mofados” é de 1982, um tanto jovem para literatura, e Caio Fernando Abreu um autêntico vanguardista – surgiram diversos relatos emocionantes por parte da plateia. Estórias sobre familiares que viveram a repressão pela questão da sexualidade em diversos níveis, enfrentamentos para com problemas atuais, diagnósticos para a situação que vivemos, entrando até em questões existenciais. Letícia muito espirituosa, mística, e Liniker bem sensível, além de fã do escritor de “Aqueles Dois”, debruçaram-se sobre os assuntos propostos, delegando a organização interromper a noite por questões de tempo.

Será que a confusão tornará o medo para além do desconhecido? Ou o amor sai de cabeça erguida a despeito de tortos olhares? A certeza é de que ainda há muitos com olhos a brilhar de amor.

por Pedro Teixeira
pedro.st.gyn@gmail.com

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