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Abraçando a escuridão, a tristeza e a brutalidade em: O Labirinto do Fauno

por Leonardo Mastelinileomastelini@gmail.com Três estatuetas do Oscar. 68 prêmios cinematográficos. 22 minutos de aplausos no Festival de Cannes. Com mais de 90% de críticas positivas no Rotten Tomatoes, números provam o quanto a dor e a tragédia podem ser sublimes nas mãos de Guillermo del Toro: O Labirinto do Fauno (El Laberiento del Fauno, 2006) constitui …

Abraçando a escuridão, a tristeza e a brutalidade em: O Labirinto do Fauno Leia mais »

por Leonardo Mastelini
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Três estatuetas do Oscar. 68 prêmios cinematográficos. 22 minutos de aplausos no Festival de Cannes. Com mais de 90% de críticas positivas no Rotten Tomatoes, números provam o quanto a dor e a tragédia podem ser sublimes nas mãos de Guillermo del Toro: O Labirinto do Fauno (El Laberiento del Fauno, 2006) constitui uma obra-prima que mescla suspense, drama e conto de fadas para adultos, erguendo-se como uma das obras cinematográficas mais importantes da filmografia mexicana.

A história estabelece uma ligação com o sentido mais primordial dos contos de fadas: aquele em que a tragédia não é poupada. No início do século XIX, a excelência narrativa dos Irmãos Grimm fez com que a “doce Chapéuzinho Vermelho” fosse devorada pelo Lobo antes da chegada do caçador, versão que circulou quase que concomitantemente com o fim sórdido de Cachinhos Dourados – destroçada pelos ursos grandalhões. Del Toro também foi bem adequado para lidar com o horror em seu conto de fadas: explora de forma ampla e inteligente a realidade cruel da Espanha de Franco ao mesmo tempo em que delineia monstros mortais. Para o seu jogo, situa como protagonista uma garota de onze anos.

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O ano é 1944. Guerrilheiros republicanos ao norte de Navarra ainda tentam lutar, mesmo com a vitória do governo fascista do general Franco. Viajando para o cume da contrarrevolta está Ofélia (Ivana Baquero), acompanhada de sua mãe Carmen (Ariadna Gil). A nova casa é o lar de seu impiedoso padrasto, Capitão Vidal (Sergi López), um oficial fascista responsável por exterminar os rebeldes da região. Lá, a única a amizade que Ofélia conquista é a de Mercedes (Maribel Verdú), cozinheira e contato secreto dos rebeldes. Assim, perdida sob o ódio do novo pai e o medo de perder a mãe para uma gravidez de risco, a garota procura refúgio da violência e da miséria de sua vida em um mundo de fantasia que acaba por ser tão ameaçador quanto: próximo ao acampamento militar, Ofélia descobre um labirinto habitado por um imponente fauno (Doug Jones). A criatura reconhece a menina como a princesa perdida do submundo; contudo, para que ela encontre seu verdadeiro destino e deixe a tristeza e a vida terrena para trás, três difíceis tarefas deveriam ser cumpridas.

Em O Labirinto do Fauno, o gênero para a madrasta má é o Capitão Vidal. No conto de fadas tradicional, a boa mãe morre para ser suplantada por uma mulher maléfica; aqui ocorre o inverso: o vazio do pai falecido é preenchido por uma presença patriarcal autoritária, machista e violenta, trajada em seu imaculado uniforme fascista. A relação entre Vidal e Carmen é estritamente baseada na cega obsessão do homem em ganhar uma descendência masculina. Descaradamente mau e sem remorso, destruir a face de um camponês com uma garrafa de vidro é uma das atrocidades que nos é apresentada – em cena longa, sem cortes. É assim que o diretor prova que a violência, bastante presente no longa, está muito além de espetáculo: é angustiante, projetada para ter um impacto emocional.

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O Capitão Vidal é símbolo da opressão desenfreada

 

Além da adversidade humana, Ofélia enfrenta a brutalidade também de criaturas horripilantes. O mímico Doug Jones não deu vida apenas ao fauno, mas impressionou a crítica ao encorporar O Homem Pálido: grande, flácido e com os olhos nas palmas das mãos, o “canibal humano” preside um rico jantar, mas come apenas a carne dos inocentes (uma clara referência a Cronos, da mitologia grega). Com isso, Jones e Baquero protagonizam uma cena de perseguição angustiante, na qual fica clara a distância entre a fragilidade de Ofélia e os reais perigos que ela precisa encarar.

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O melhor disso tudo é que Del Toro não delimita o que é fantasia e o que é realidade. Somos transportados para campos afastados, onde até os mais céticos acreditariam existir um universo mítico. Entretanto, não fica claro se o mundo de fantasia foi criado por Ofélia para fugir da dura realidade ou sempre esteve ali, esperando para ser vivido. Independentemente de qual opção escolhemos, somos sufocados pela tristeza de ambas: assim como Ofélia, estamos sem saída em um corredor de possibilidades.

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O diretor Guillermo del Toro e sua criação central, o Fauno, representado por Doug Jones

 

Visualmente, a frieza do filme é reverberada a todo instante. A fotografia de Guilherme Navarro conquistou o Oscar através de fortes sombreados, imitando um velho livro de fábulas. Outra indicada à estatueta, a trilha sonora não fica atrás: compostas por Javier Navarrete, as músicas transportam-nos para o mundo frágil criado por Del Toro. A canção tema, “Long, Long Time Ago” (Muito, Muito Tempo Atrás) – mais conhecida como “Pan’s Labyrinth Lullaby” (Canção de Ninar do Labirinto do Fauno) -, tem no título uma alusão ao conto de fadas e é composta por cantarolas femininas, fazendo uma referência à figura matriarcal, que tenta fazer um filho dormir após a leitura de uma fábula.

No terror mexicano A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo, 2001), o diretor já tinha utilizado crianças para apresentar o cenário de uma guerra – a mesma Guerra Civil Espanhola. O Labirinto do Fauno pode ser considerado, portanto, o complemento e o amadurecimento dessa ideia, introduzida com uma proposta ainda mais inovadora: apresentar a sobrevivência emocional através da arte, em uma forma peculiar de crítica ao regime fascista. Um ótimo alimento intelectual para fãs da fantasia. Um conto de fadas de horrores para quem abraça a escuridão, a tristeza e a brutalidade.

Veja o trailer:

 

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