Imagem: Iolanda Paz
E se você planejasse sua morte nos mínimos detalhes e logo depois descobrisse que irá morrer em poucos meses devido a um câncer terminal que invade seu corpo, o que você faria? É esse o plano de fundo de “Agora e na Hora” (Companhia das Letras, 2017), de Helena Seixas, no qual o personagem principal convive com o drama da doença – e também da depressão. Trata-se da história de um homem, o qual não sabemos o nome, que sonha em ser escritor e que vive uma vida difícil desde sua infância até o seu último dia.
O livro, que carrega um tom pesado do início ao fim, tem a sua própria realidade e a sua própria ficção. Em um primeiro momento, isso parece confuso para o leitor, mas tudo vai se encaixando com o passar da leitura – ou quase tudo. A narradora apenas introduz a cena que encontra quando chega na casa do tal personagem sem nome: ele está morto e, ao seu lado, estão dois livros que ele teria deixado. Por perto não há nenhuma arma, nenhum sangue. Sem sinais de suicídio. Assim, a narradora deixa para o leitor um leve tom de suspense e, junto com ele, os dois livros escritos pelo homem. E é nesse momento que começa a ficção dentro do que seria a realidade da obra de Helena Seixas.
A partir desse ponto Agora e na Hora deixa de ser simplesmente uma história sobre um homem morto e se transforma em um livro de contos, ou seja, os contos deixados por esse personagem. É como se Helena tivesse realizado o sonho dele e publicado seus livros. Devido a isso, o leitor agora entra na ficção criada por ele e por meio de seus contos começa a sentir aos poucos o drama vivido. Cheios de metáforas difíceis, trata-se de histórias sobre a morte e as várias maneiras que ela pode surpreender uma pessoa. Há desde um conto sobre um rapaz prestes a ser enforcado até um sobre uma senhora que sabe que resistirá apenas até a última nota de uma canção. Na verdade, o mais interessante da obra é exatamente esse formato diferente. São livros dentro de um livro e isso o faz ser um tanto quanto inovador, além de surpreender o leitor.
Já o segundo livro é em primeira pessoa, ou seja, escrito pelo próprio personagem misterioso – e mais uma vez somos surpreendidos. Trata-se de um livro escrito na noite de sua morte e que, em um primeiro momento, parece uma explicação do porquê o personagem querer tomar a atitude desesperada de se matar, além de ser um relato sobre a vida de um homem que nasceu na miséria, cresceu com a depressão e agora corre para terminar de escrever seus livros enquanto vive o que ele planeja ser suas últimas horas de vida. No entanto, quando o leitor menos espera, é como se os contos que o personagem escreveu começassem a se misturar com a vida dele. Esse é mais um ponto da obra que parece estranho para o leitor quando este se depara com isso, mas é o que o leva a pensar que talvez, cada uma das histórias, tivessem um pouco da vida desse homem.
Apesar de ser um livro de difícil leitura devido a alguns vocabulários usados e à grande quantidade de metáforas, o ritmo da obra e suas histórias nos deixa sem fôlego. Difícil é parar de ler antes de terminar um conto inteiro, simplesmente não dá para deixar para depois. Além disso, a obra está repleta das mais variadas referências como a Moby Dick, de Herman Melville e ao escritor Albert Camus, além de ter sido inspirada no escritor (e amigo de Helena) Marcos Santarrita, que, como o personagem, também disse que se mataria se não se tornasse escritor, mas que acabou morrendo de um câncer no pulmão.
Por Fernanda Teles
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