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As viagens de Antoine de Saint-Exupéry e o Pequeno Príncipe

Saint-Exupéry: o céu não foi o limite Das paisagens vistas sob a sustentação do aeroplano aos vislumbres dos astros da forma mais viva possível – coloridos a tinta em papel de caderneta – o aviador Antoine de Saint-Exupéry mostrou que nunca pretendera o céu como limite. Sua biografia talvez deixe claro o motivo: sobrevoou cenas …

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Saint-Exupéry: o céu não foi o limite

Das paisagens vistas sob a sustentação do aeroplano aos vislumbres dos astros da forma mais viva possível – coloridos a tinta em papel de caderneta – o aviador Antoine de Saint-Exupéry mostrou que nunca pretendera o céu como limite. Sua biografia talvez deixe claro o motivo: sobrevoou cenas das quais o refúgio estaria além dos domínios da humanidade, como a ascensão do nazismo e outros regimes totalitários – os baobás do século XX. Um voo durante a infância teria marcado a vida de Saint-Exupéry, que durante o resto de sua vida almejou os ares, sobretudo em sua literatura:Vôo Noturno (1931), Piloto de Guerra (1942), entre outros. Obteve graduação de segundo tenente como piloto e trabalhou na implantação de correios aéreos na África e América do Sul, tempo em que escreveu seu primeiro livro, Correio do Sul (1929).

As circunstâncias de sua morte ainda são meio incertas. Sabe-se que se encontrava em missão durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, da qual não retornou. Seu corpo nunca foi encontrado e os destroços de seu avião só foram identificados em 2004, no litoral de Marselha. O mistério rondou seu desaparecimento e abriu portas para que, como é comum, histórias preenchessem as lacunas do que não se faz explícito. Há uma versão, a mais aceita, de que seu avião fora abatido. Anos mais tarde, um ex-soldado alemão chamado Horst Rippert assumiu a responsabilidade pela queda de Exupéry, embora não tenha sido corroborado com provas, e lamentou o ocorrido: adorava seus livros. Há quem diga também que o escritor se suicidou. Mas sua morte se fez poética e enigmática como a aura que paira sobre suas obras. Alcançou, enfim, as estrelas? Ou foi visitar os planetas pelos quais passou o Pequeno Príncipe?

Antoine de Saint-Exupéry em seu avião. Imagem: Divulgação

As veredas do princepezinho

O menino louro em vestes de nobre, criação mais famosa do francês, viajou mundos para se instalar no imaginário de gerações. Em poucas linhas, Antoine de Saint-Exupéry conseguiu encantar infantes e adultos com suas máximas metafóricas de crítica às sociedades e às pessoas, com as quais se tem acesso através dos diálogos do pequeno fidalgo com o aviador que caiu no deserto do Saara – episódio inspirado na própria experiência do autor, quando sofreu um acidente, junto com um amigo, no mesmo local e passou a ter alucinações quando lhe começaram a faltar as provisões, até que foram salvos por um beduíno.

No livro, é neste momento que o Pequeno Príncipe aparece e pede ao narrador que lhe desenhe um carneiro. O aviador, depois de muitos esboços recusados, consegue agradar ao menino com o desenho de uma caixa e com a proposta de que lá dentro estaria o miúdo animal, numa primeira demonstração do que vem a ser um dos principais motes da obra segredado pela raposa: O essencial é invisível aos olhos. A partir daí, os dois embarcam em simbólicas conversações e descobertas acerca da solidão, da infância, da amizade e de outras universalidades que tangem as particularidades de todos nós com uma lírica delicadeza.

O príncipe havia deixado seu planeta, em busca de um amigo, numa carona com pássaros selvagens emigrantes. O jovem residente do asteroide B612 preparou tudo para sua partida; revolveu seus vulcões, arrancou alguns projetos de baobás (perigosos arbustos que podem crescer e causar rachaduras) e despediu-se da sua orgulhosa rosa. Encontrou primeiro um planeta governado por um rei absoluto, ansioso por distribuir ordens razoáveis. Seu norte para comandar consistia em “exigir de cada um o que cada um pode dar” e por isso considerava-se no direito de mandar. Os outros mundos também não conquistaram o pequeno príncipe e o ajudaram a perceber quão bizarras são as pessoas grandes: encontrou um vaidoso, somente interessado em elogios; um bêbado que bebia para esquecer a vergonha de beber; o homem de negócios, um sujeito contador muito sério cujo trabalho era contar e possuir as estrelas para que pudesse, depois, comprar mais estrelas e, quando questionado como é possível possuir os astros, respondeu que teve a ideia primeiro; no quinto planeta, um acendedor de lampiões responsável por anunciar o dia e a noite, devido ao regulamento, sofria com a rapidez com que se movia o mundo e com a impossibilidade de dormir, sua atividade favorita; na viagem seguinte um velho geógrafo ensina ao Príncipe o conceito de efemeridade, o que lhe causa remorso por ter deixado a rosa sozinha em seu planeta. Parte, então, para a Terra, como recomendação do velho, onde encontra  flores, uma cobra, o aviador, outros seres humanos e a raposa, com quem tem um diálogo memorável quando se fala da obra: Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Não é surpresa que as traduções e vendas do livro sejam das maiores neste mundo povoado por reis e vaidosos e homens de negócio de onde o Pequeno Príncipe saiu deixando somente as lições do que andamos deixando pra trás.

Imagem: Divulgação

O Pequeno Príncipe onde nos dói ontem e hoje

“- Onde estão os homens? repetiu enfim o principezinho. A gente está um pouco só no deserto.

– Entre os homens também, disse a serpente.”

As buscas por orientações, sentidos na vida, têm servido de matéria-prima para todo tipo de produção cultural há tempos.  O Pequeno Príncipe, despretensiosamente, percorre um pouco esse caminho ao assumir a dupla função da graça da lembrança pueril e do fardo do aviso.Talvez se deva a isso um pouco do seu sucesso atemporal: é uma relíquia literária que nos remonta a infância ao mesmo tempo em que é um constante alerta em tom de bronca suave, por vezes irônico, ora triste e desesperançoso, como que ilustrando algo importante e, ainda assim, sentindo que não será absorvido. Poder, vaidade, solidão, consumismo, burocracia, superficialidade nos relacionamentos, repressão de desejos são sombras do problema sobre o qual o livro realmente se trata. O esquecimento. Esquecer o que realmente importa ou substituir inconscientemente por algo que nos fazem crer ser importante. Esquecer que “só as crianças sabem o que procuram”.

“- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!”

É como se uma fábula de nossos vícios. As alegorias e a linguagem simples em aforismos (aquelas frases curtas de cunho reflexivo que ecoam por redes sociais) dão margem às diversas interpretações que a literatura e as subjetividades permitem, mas deixam sempre em relevo as morais da história que podem ser lidas hoje, ontem e – ao que tudo indica – amanhã, sem o menor risco de inadequação.

Palavras em linhas

Escrita e desenho mesclam-se em Antoine de Saint-Exupéry. Peças, motor, traços, hélice, tinta fudem-se numa composição metálico-colorida para definir sua trajetória como aviador, desenhista, escritor; sem dissociação, sem inícios e fins, sem rumo certo – as alturas, as estrelas, o coração simples de uma criança ou a consciência turbulenta de um adulto – apenas com o itinerário, seja qual for, que atravessa décadas. A respeito de seus rabiscos, são tão importantes quanto as palavras em seus livros. Não dizem mais nem menos: complementam, realçam, evocam, sem retirar do leitor a participação imaginativa no processo de criação. Seu amigo Léon Werth, a quem o escritor dedicou o livro O pequeno príncipe, disse que Exupéry, enquanto lia, “desenhava despretensiosamente homenzinhos infantis e lunares em folha de papel que jogava no chão quando não havia mais espaço para nenhum traço de lápis ou caneta. Se ele estivesse sem papel, não hesitava em desenhar no tampo da mesa.”

Imagem: Divulgação

Palavras em frames

Estreou ano passado, no Brasil, uma adaptação em forma de animação do livro O Pequeno Príncipe, dirigida por Mark Osborne, também responsável pelo filme Kung Fu Panda. A trilha sonora conta com a versão de Lily Allen da música Somewhere Only We Know e a dublagem do longa tem Marcos Caruso como o aviador. Veja o trailer:

Por Wagner Nascimento
wagneriano7@gmail.com

1 comentário em “As viagens de Antoine de Saint-Exupéry e o Pequeno Príncipe”

  1. Que texto lindo! Muito obrigado por ele. Gostei especialmente do seguinte trecho:

    “o problema sobre o qual o livro realmente se trata. O esquecimento. Esquecer o que realmente importa ou substituir inconscientemente por algo que nos fazem crer ser importante. Esquecer que “só as crianças sabem o que procuram”.”

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