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Campus Party: as relações entre robô e humano em jogo

Dando início à quase ininterrupta bateria de palestras, workshops e, neste ano, hackathons, aconteceu ontem (1) o segundo dia da Campus Party Brasil, que chega à sua décima edição brasileira em 2017. Com uma nova proposta, o evento reuniu milhares no Pavilhão de Exposições do Anhembi. A programação, que abordou principalmente temas relacionados à internet, tecnologia …

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Dando início à quase ininterrupta bateria de palestras, workshops e, neste ano, hackathons, aconteceu ontem (1) o segundo dia da Campus Party Brasil, que chega à sua décima edição brasileira em 2017. Com uma nova proposta, o evento reuniu milhares no Pavilhão de Exposições do Anhembi. A programação, que abordou principalmente temas relacionados à internet, tecnologia e ciência, começou às 10h  e se encerrou à 00h.

Confira alguns dos destaques do dia:

“Cyborgs, unite!”

Pela manhã, Karen Sandler, advogada e, como costuma se apresentar, ciborgue, fez uma curta palestra de apenas 30 minutos no Palco Principal do evento para uma plateia pouco animada. Karen é diretora-executiva da Software Freedom Conservancy, uma organização sem fins lucrativos que serve de abrigo a projetos de softwares livres, isto é, que podem ser modificados e distribuídos livremente.

Enfatizando sempre o valor da liberdade individual, a advogada explicou por que se considera ciborgue: desde jovem carrega no coração um desfibrilador. A definição bate – ciborgue, em poucas palavras, é um organismo que recebe um incremento cibernético.

A notícia de que teria que usar o desfibrilador despertou nela uma indagação consoante à sua luta pelos softwares livres. Qual é o software presente no dispositivo? Há algum tipo de regulação desse software por parte das autoridades? Afinal, não é um software de um tablet qualquer, mas sim de um aparelho ligado ao coração, um dos órgãos mais vitais do ser humano. Não encontrou respostas às perguntas facilmente. E mais – descobriu que a maioria dos desfibriladores, por exemplo, podem ser hackeados, pois emitem um sinal sem fio. Isso compromete a privacidade e a segurança das pessoas que precisam utilizá-los.

Diante disso, Karen defende um cenário cibernético mais livre e transparente. Ela contou que durante sua recente gravidez seu desfibrilador tentou “reanimar” seu coração em duas ocasiões. O motivo: mulheres grávidas tendem a ter uma aceleração dos batimentos cardíacos, o que levou o dispositivo a pensar que Karen estivesse tendo uma complicação. A fabricante do aparelho não tinha esse perfil de pessoa em mente quando projetou o software do desfibrilador, já que grande parte das pessoas que precisam utilizá-los não estão mais em idade reprodutiva, explicou Karen.

Tendo em vista situações como essa, em que as pessoas estão vulneráveis às limitações dos fabricantes e à manipulação de hackers, a advogada estadunidense entoou em sua língua nativa “ciborgues, uni-vos!”, recebendo esparsas, porém animadas, adesões da plateia de humanos. Karen quer que no futuro todos tenham mais poder sobre os dispositivos cibernéticos que porventura acoplem aos seus corpos.

A bola caminha em direção ao gol

Enquanto os raios solares mais fortes do dia castigavam o asfalto paulistano, o médico e neurocientista Miguel Nicolelis subiu no Palco Campuseiro Curador I trocando farpas com a organização da CPBR, que falhou em lhe prover um cabo VGA para que pudesse transmitir na televisão a apresentação de slides armazenada em seu pequeno netbook preto e desgastado. Comparou o ocorrido à fabricação de um carro sem roda. Mas o incidente não foi o suficiente para desanimar o neurocientista, que deixou bem claro, indignado, que estava ali por comprometimento com a plateia.

O tema central de sua palestra foi o cérebro. Por coincidência, outra falha da organização do evento permitiu a Nicolelis mostrar na prática um assunto sobre o qual ele viria a discursar. A limitação do volume das caixas de som que ampliavam sua voz, aliada ao caos sonoro no pavilhão,  fez com que, quase que sincronizadamente, a pedido do palestrante, todos movessem suas cadeiras mais pra frente. A sincronia cerebral entre todos os campuseiros e campuseiras que estavam reunidos em volta dele naquele momento possibilitou que se formasse uma aglomeração de seres humanos, pronta para ouvir as palavras articuladas do neurocientista penetrarem seus ouvidos e mentes.

Miguel Nicolelis ficou famoso por liderar a equipe por trás da idealização do exoesqueleto responsável por uma das maiores polêmicas da Copa do Mundo de 2014. Mais além disso, foi considerado pela renomada Scientific American um dos vintes maiores neurocientistas do mundo da década de 2010. Mas naquele momento essa aura gloriosa pouco importava, Nicolelis estava ali para passar uma mensagem que parece simples, mas não é – “nós somos os criadores de tudo”.

Quando optou por exibir somente por dois segundos o pontapé inicial dado na bola da Copa pelo exoesqueleto acoplado ao corpo de Juliano Pinto, a Rede Globo mal imaginava o que estava ignorando. Talvez a chave para sua própria ruína, diria Nicolelis. Por mais que a abstração possa parecer exagerada, foi no momento em que o neurocientista viu, por meio da luz do exoesqueleto, que o cérebro de Juliano havia tomado a decisão de chutar a bola que algo talvez tenha se iluminado. Mesmo tendo feito, obviamente, treinos e testes antes do chute oficial, somente em um momento como aquele isso poderia ter ocorrido.

Após usarem o BRA-Santos Dumont 1, o nome pelo qual é conhecido o exoesqueleto, os oito pacientes de Nicolelis e sua equipe recuperaram, mesmo que de forma mínima, a capacidade motora de suas musculaturas, a sensibilidade e algumas funções viscerais abaixo da lesão espinhal. Passaram a conseguir controlar a bexiga ou até mesmo saber, de olhos fechados, onde estavam sendo tocados na perna. O sucesso não foi de Dumont, a máquina, mas sim de Juliano, o cérebro.

O exoesqueleto aqui funciona somente como uma metáfora para algo bem maior – o poder do cérebro humano, capaz de refazer ligações neuronais há muito perdidas, como os oito pacientes exemplificam. Nicolelis explicou melhor: as cavernas contendo as primeiras pinturas rupestres feitas pela espécie humana são como catedrais pré-históricas. Elas estampavam o registro das abstrações mentais destes seres humanos milenares. Em outras palavras, as pinturas rupestres eram a representação da visão de mundo deles, assim como a religião foi e ainda é para grande parte da humanidade. Para ele, a religião é simplesmente uma ideia propagada de forma muito eficiente por meio fofoca.

O fato é que tais abstrações e devaneios comprovam a eficiência e capacidade do cérebro humano. Muito além disso, o cientista contou sobre alguns experimentos relacionados às brain nets – redes de cérebros que comportam como um único cérebro. É possível que a humanidade tenha chegado ao nível de complexidade atual fazendo uso dessa perfeita sincronia entre massas cefálicas. Nos tempos atuais, tais redes são amplificadas pelas tecnologias.

Em uma análise um pouco mais especulativa, mas ainda assim com fortes raízes ligadas à realidade, Nicolelis criticou o caminho que a humanidade tem tomado. Ao invés de tecermos brain nets mais inteligentes, “financeirizamos” cada vez mais a vida humana. Nesse momento, ele relembrou quando Aléxis Tsípras, líder do partido grego SYRIZA, apesar das promessa à população, optou por salvar bancos em vez de seres humanos em 2015. Com toda a subversão que a ciência pode proporcionar, fez um clamor, deixou claro a todos que prefere uma vida menos financeira, com mais Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Albert Einstein e Charles Darwin.

 

O fenômeno 3%

Já no fim da tarde, foi a vez da arte adentrar a pauta de um dos palcos da CPBR. Reuniram-se para um bate-papo mais descontraído as diretoras Daina Giannecchini e Dani Libardi, o diretor e roteirista Jotagá Crema e o antigo professor deles Almir Almas. Os três primeiros participaram da direção e criação da primeira série brasileira produzida pelo Netflix, 3%.

No Palco Entretenimento, o trio contou um pouco sobre a trajetória deles até a série, além dos bastidores. Após mostrar um vídeo produzido por eles durante a época de faculdade e o trailer da série, Almas relembrou rapidamente o desenvolvimento artístico deles. O foco permaneceu na série. E com razão.

Jotagá ressaltou uma importante dicotomia feita em 3% entre o Continente e o Mar Alto, constantemente contrastados nos únicos oito episódios da primeira temporada da série. Uma dicotomia muito clara, mas nem um pouco simplista, segundo ele. Na história, apesar das aparências, não existe um lado bom e o outro ruim, cada um tem sua complexidade. Assim como a discussão sobre meritocracia, escancarada na série, não é simplista.

Enquanto em um lugar as pessoas sobrevivem de gambiarras, como a cortina de cápsulas de café na casa de Michele, prolongando a vida útil de objetos que já não são mais realmente úteis, o outro está repleto de tecnologia futurística, mas nada descolada da realidade. “A gente nunca pensou na tecnologia do Mar Alto como algo surreal”, ressaltou Jotagá. Por um lado, abusou-se de projeções (inclusive, ele disse que grande parte das projeções do computador-vidro de Ezequiel e seu comitê são reais, foram reproduzidas de verdade na hora da gravação), salas em 360º, estética minimalista e limpa. Por outro, os tijolos à mostra do Heliópolis e os becos grafitados da Vila Madalena, em São Paulo, se mostraram o cenário perfeito para a distopia continental.

O trio ressaltou que 3% se classifica com um drama distópico, não como ficção científica, apesar dos vários resquícios que esse gênero deixou na trama. Quando indagado sobre o caráter cyberpunk dos membros da Causa, Jotagá respondeu que talvez ela se pareça mais com uma convergência entre cyberpunks e steampunks com uma pitada abrasileirada, é claro.

Eles disseram também que na produção houve a utilização de câmeras integradas a óculos de realidade virtual, permitindo aos operadores de câmeras uma maior liberdade de experimentação. O mesmo recurso fora utilizado por César Charlone, também diretor da série, na filmagem do emblemático Cidade de Deus.

“E o qual é o formato de 3%?”, você já deve ter se perguntado. A resposta parece simples – uma série do Netflix –, mas não é. A diretora Dani Libardi ilustra bem essa questão em sua fala, “[na universidade] a gente aprendia TV, a gente aprendia cinema, mas não aprendia Netflix”. Uma série feita para a televisão é bem diferente de uma feita especialmente para ser lançada numa plataforma de streaming. Ao mesmo tempo, uma série produzida para a Rede Globo é bem diferente de uma produzida para a Fox. A essa outra questão, Jotagá deixou clara sua opinião, “a janela e o formato [escolhidos para 3%] são o melhor para aquela história”.

 

Você, robô

No Palco Ciência, foi a vez do psicólogo e youtuber André Rabelo, já quando se iniciava a noite – mas ainda na mesma claridade metálica do Anhembi –, tomar as rédeas. Falou por mais tempo do que muito dos palestrantes enquanto a plateia ia magneticamente se acumulando em um semicírculo. O título de sua palestra, bem auto-explicativo, era “Qual é o futuro da relação entre humanos e robôs?”.

Longe de dar respostas certeiras sobre qualquer assunto que não seja o presente, Rabelo percorreu o passado e o futuro dos robôs. De início, quis conhecer melhor a sua plateia. Perguntou se alguém já havia assistido aos recentes Westworld, Black Mirror, Ex_Machina e Ela. Sem spoilers, por favor. E não houve spoilers praticamente.

A resposta imediata para a pergunta do título da palestra? “Próxima, cotidiana e banal”. É assim que será a relação entre seres humanos e robôs, principalmente no que diz respeito aos robôs sociais, que são aqueles que, em poucas palavras, interagem e se comunicam com seres humanos. Mas tal relação provavelmente não será nada parecida com aquilo que a maioria imagina.

No presente, os robôs sociais têm, principalmente, as funções de movimentação, reconhecimento faces e emoções, produção de falas e o manuseio de objeto. As suas aplicações são variadas. Podem ser utilizado na educação; para companhia; em hospitais (por exemplo, interagindo com crianças enquanto elas tomam dolorosas vacinas, realizando cirurgias ou até recepcionando pacientes); no tratamento, ou pelo menos, acompanhamento de pessoas autistas (nesse caso, eles atuam de forma mais complementar, mesmo que pessoas autista tenham mais facilidade de interagir com robôs do que com humanos). Foi até provado pelo artigo científico “The Effects of Robot-Enhanced Psychotherapy: A Meta-Analysis” que eles podem ajudar em psicoterapias.

E quais são esses robôs da atualidade? O ASIMO, robô desenvolvido em 2000 pela Honda, consegue cumprimentar, reconhecer rostos, sons e o espaço, e ainda se move, mesmo com limitações. A Nadine, robô projetada em 2013 pelo Institute for Media Innovation da Nanyang Technological University, é muito parecida com uma mulher. Consegue lembrar de conversas com as pessoas, fazer expressões faciais rudimentares, interagir com seres humanos de forma básica e ainda reage conforme o que você diz a ela. O Pepper, cujo primeiro protótipo foi desenvolvido pela Aldebaran Robotics juntamente à SoftBank em 2014, foi projetado para reconhecer emoções humanas (mas quem é que demonstra alguma reação além de estupefação ao interagir com um robô desses?). Existem outros também, mas são todos bem parecidos com esse.

Do futuro próximo, ou pelo menos daqui 50 anos, é improvável que consigamos construir robôs indistinguíveis, isto é, aqueles que se parecem tanto com um ser humano ao ponto de não ser possível notar diferença. Como muitas previsões já feitas, eles provavelmente roubarão grande parte dos nossos empregos – um estudo estima que nos Estados Unidos 47% da população será substituída.

Enfrentamos também, a longo prazo, desafios psicológicos para emular um ser humano em uma máquina. Eles provavelmente não conseguirão fazer contato visual da forma com nós fazemos. Existe uma forma de se agir socialmente por meio do olhar que é muito difícil de ser programada em um robô, envolve muitas sutilezas, como disse Rabelo. Além disso, nossa linguagem corporal e a nossa capacidade de imaginar o que se passa na mente das outras pessoas, outros grande atributos muito valiosos dos seres humanos, dificilmente conseguem ser simulados. Mas, talvez, uma das maiores dificuldades seja ilustrada pelo que chamam de uncanny valley, ou vale da estranheza – um gráfico que demonstra que quanto mais parecido um robô é ao ser humano, maior é a aversão que temos a ele. O grau de estranheza só diminuiria com um robô completamente indistinguível do ser humano.

Das obras que Rabelo mencionou no começo da palestra, é algo mais parecido com a robô do filme Ela que ele acredita que acontecerá num futuro próximo. Ele argumenta que se já é comum pessoas se apaixonarem por perfis virtuais, sem nunca ter visto a outra pessoa de verdade na vida, por que então não seria possível se apaixonar por uma voz muito inteligente como no filme? A robô de Ela só é mais um passo em direção a cada vez mais intensa antropomorfização de objetos que os humanos já fazem.

Por Gustavo Drullis
gudrullis@gmail.com

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