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Entre metáforas e interrogações: a poesia cinematográfica de Glauber Rocha

Heloísa Iaconis helo.iaconis@hotmail.com “eu vi Deus e o diabo dançando na terra do sol Glauber Rocha era o máximo tão bom quanto rock and roll” Chacal, em seu poema Caleidoscópio Cinemascope, escreveu: “Glauber Rocha era o máximo”. Com o perdão devido à desobediência ao tempo verbal, ele continua sendo o máximo. E, assim como o …

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Heloísa Iaconis
helo.iaconis@hotmail.com

“eu vi Deus e o diabo
dançando na terra do sol
Glauber Rocha era o máximo
tão bom quanto rock and roll”

Chacal, em seu poema Caleidoscópio Cinemascope, escreveu: “Glauber Rocha era o máximo”. Com o perdão devido à desobediência ao tempo verbal, ele continua sendo o máximo. E, assim como o primeiro, Glauber também foi um poeta. Vencedor de prêmios no Festival de Cannes, fez poesia a partir da falta de recursos, deu vida à poesia do cinema brasileiro “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Provocante, polêmico e poético, Glauber de Andrade Rocha, primogênito de Adamastor Bráulio da Silva Rocha e Lúcia Mendes de Andrade Rocha, nasceu no dia 14 de março de 1939, em Vitória da Conquista, no estado da Bahia. Escolha feita por sua mãe, o seu nome foi inspirado em um cientista alemão, Johann Rudolf Glauber, descobridor do sulfato de sódio. O sal misturou-se à rocha e, em solo tupiniquim, floresceu um grande cineasta.

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Glauber Rocha: com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, desenha-se criticamente uma sociedade.

 

Iniciou sua carreira na passagem dos anos 50 para a década de 60, envolto no âmbito da transição do desenvolvimento de Juscelino Kubitschek para os conflitos sociais sessentistas. Detentor de uma consciência histórica ímpar, Glauber utilizou com maestria as lentes da câmera para retratar certa interpretação acerca de seu tempo; a câmera, em suas mãos, era como um lápis desenhando na tela. Em torno do binômio revolução/reação, como aponta Ismail Xavier em seu livro O Cinema Brasileiro Moderno, adentrou em temas da política (estabelecendo forte elo entre o cultural e o político) e da religião, por exemplo. Contrário ao naturalismo das películas brasileiras, dirigia gritando, delirando. Hugo Carvana, em um depoimento presente em Depois do Transe, documentário de Paloma Rocha e Joel Pizzini, confessa que demorou para se acostumar com o estilo glauberiano de direção. “Ele queria o máximo total do delírio”, afirmou Paulo Autran na mesma produção.

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Paulo Autran como Porfírio Díaz em Terra em Transe

 

Para Glauber Rocha, “o cinema é um provocador onírico”. Ou ainda: “cinema é pintura em movimento com som”, disse em entrevista publicada na revista Manchete em 1980. O baiano distribuía indagações à sociedade a partir de uma ótica não apenas brasileira e, sim, latino-americana, terceiro mundista em um sentido amplo. Fazendo uso do metafórico, equacionando as suas inquietações ideológicas e o seu nacionalismo cultural, fez um cinema de autor, no qual empregou uma linguagem própria. Experimentando a fundo o plano-sequência, a movimentação da câmera e a representação de questões-espinhos sócio-políticas, coloca o espectador, por vezes, em um estado de reflexão ou, ao menos, de impacto.

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“O sertão vai virar mar e o mar virar sertão”: Glauber Rocha, de camisa aberta, dirige uma cena de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”

 

Lembrado no Dicionário Teórico e Crítico de Cinema, obra de Jacques Aumont e Michel Marie, Glauber Rocha foi para o exílio em 1971. Faleceu em 22 de agosto de 1981 na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro. Aos 42 anos, foi vítima de septicemia provocada por uma broncopneumonia. Deixou filmes e escritos que estão fortemente atrelados à história do Brasil. Glauber, assim, é um dos exemplos do quão possível e bela pode ser a arte brasileira; deu vida a uma poesia cinematográfica, a qual tem a sua beleza fincada na tríade estética, cultura e crítica.

 

Desenho de Glauber Rocha. Acervo IMS

 

Cinema Novo

Contrários ao artificialismo do cinema produzido por estúdios como a Vera Cruz, jovens cineastas propunham, na passagem da década de 50 para os anos 60, um cinema genuinamente nacional, o qual tocasse – ou seria perfurasse? – o âmago da sociedade brasileira. Para isso, trataram de assuntos ligados ao subdesenvolvimento do país e às mazelas sociais, concomitantemente com a introdução de novas formas de linguagem e questões estéticas e culturais.

“No Brasil, o Cinema Novo é uma questão de verdade e não de fotografismo. Para nós, a câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia, mas a pontuação do nosso ambicioso discurso  sobre a realidade humana e social do Brasil!”

Glauber Rocha foi um dos principais expoentes e defensor desse movimento. Segundo ele, “essa ideia [do Cinema Novo] prosseguirá”, sendo uma expressão artística que, em sua visão, não é delimitada por datas e, sim, representa pensamentos críticos maiores.

Glauber Rocha: do vaqueiro Manoel ao poeta Paulo Martins, seus personagens estão eternizados no cinema brasileiro

 

Eztetyka da Fome

Em janeiro de 1965, Glauber Rocha apresentou a tese intitulada Eztetyka da Fome durante a V Rassegna del Cinema Latino Americano, em Gênova. O texto-manifesto traz as bases estéticas e políticas do Cinema Novo e critica o paternalismo europeu em relação ao Terceiro Mundo.

“A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é a nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida”.

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Glauber Rocha: “um apelo aterrador, gritante, ao engajamento, a uma conscientização” – O Nordeste no Cinema, de Wills Leal

 

Violência, Religião e Política

O desassossego frente à alienação religiosa do povo brasileiro e a ânsia pela prática transformadora em Barravento (1962); a violência como mola propulsora em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963); a política retratada em Terra e Transe (1967) e Maranhão 66 (1966): esses são alguns dos casos em que Glauber Rocha trabalha com o trio “violência, religião e política”, temas caros em sua obra. No contexto alçado por ele, a terra – o Brasil, a América Latina, o Terceiro Mundo – não é de Deus nem do diabo: pertence aos homens, através da consciência política, da análise crítica do seu tempo. Salienta-se também que, muitas das reflexões causadas pelos filmes do diretor, podem ser, dadas as devidas proporções e fazendo ajustes por conta das épocas distintas, empregadas nos dias de hoje.

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Glauce Rocha, José Lewgoy e Jardel Filho em “Terra e Transe”. “Eu fui lançada no coração do meu tempo”, diz a personagem de Glauce.

 

Tempo Glauber

Em 1983, “Tempo Glauber” foi inaugurado no Rio de Janeiro. Cuidado por familiares, o centro cultural reúne um grande acervo das obras do cineasta. O riquíssimo site, http://www.tempoglauber.com.br, contém, por exemplo, uma biografia ilustrada de Glauber Rocha e sua filmografia.


Trecho do filme “Glauber: labirinto do Brasil”, do diretor Silvio Tendler

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Othon Bastos como Corisco no filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”: “cangaceiro de duas cabeças, uma matando e a outra pensando”

“Retrospectiva Cinema Novo” na Cinemateca

A Cinemateca Brasileira, instituição responsável pela preservação da produção audiovisual brasileira, está com a mostra “Retrospectiva Cinema Novo” no período de 30 de abril a 14 de junho. Para mais informações, acesse o site: http://www.cinemateca.gov.br.

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