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Entre o colonialismo e o papel da figura feminina: Mulheres de Cinzas

Imagem: Samantha Prado /  Audiovisual / Jornalismo Júnior  “A estrada é uma espada. A sua lâmina rasga o corpo da terra. Não tarda para que nossa nação seja um emaranhado de cicatrizes, um mapa feito de tantos golpes que nos orgulharemos mais das feridas que do intacto corpo que ainda conseguirmos salvar. ” Com essas …

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Imagem: Samantha Prado /  Audiovisual / Jornalismo Júnior 

“A estrada é uma espada. A sua lâmina rasga o corpo da terra. Não tarda para que nossa nação seja um emaranhado de cicatrizes, um mapa feito de tantos golpes que nos orgulharemos mais das feridas que do intacto corpo que ainda conseguirmos salvar. ” Com essas palavras, Mia Couto inicia sua obra intitulada “Mulheres de Cinzas”- a primeira de uma série de três livros intitulada “As Areias do Imperador”.

A narrativa – uma recriação ficcional inspirada em fatos e personagens reais – nos traz a perspectiva da guerra em Moçambique sob o olhar da mulher africana e de um militar europeu. Germano de Melo é um sargento português enviado ao vilarejo de Nkokolani para combater o imperador moçambicano, um dos últimos líderes do império do Estado de Gaza, que ameaçava o domínio colonial. Imani é uma garota de quinze anos pertencente a tribo dos VaChopi, uma das poucas que teve coragem de se opor ao domínio , e passa a ser intérprete do português devido ao seu grande domínio da língua europeia.

O envolvimento entre esses dois pólos opostos da história passa a ser cada vez mais profundo, o que acaba por evidenciar de forma brutal as diferenças entre eles e o contexto do livro.

A questão da guerra é uma das mais marcantes na obra – e seu efeito assombroso é escancarado ao leitor, sob a ótica mais pessoal possível. Todos os personagens do livro têm suas vidas perturbadas e alteradas mediante a esses conflitos. A narrativa torna-se ainda mais crua ao nos lembrar que esses capítulos representam um retrato histórico, exprimindo o sofrimento tanto do colonialismo quanto do tribalismo. “Eis o que faz a guerra: a gente nunca mais regressa para casa. Essa casa – que outrora foi nossa -, essa casa morre, nunca ninguém nela nasceu. E não há leito, não há ventre, não há sequer ruína para dar chão às nossas memórias. ” declara Imani, em meio aos seus devaneios.  

Foto: Samantha Prado / Audiovisual / Jornalismo Júnior



O ponto mais crucial da obra, entretanto, encontra-se na figura da mulher. Abrindo-se de forma íntima, Imani apresenta ao leitor toda sua dor e a dificuldade da figura feminina de existir em meio a uma sociedade e uma cultura que faz tanta questão de diminuí-la. Apontando para si mesma como quem não nasceu para ser uma pessoa (“Sou uma raça, sou uma tribo, sou um sexo, sou tudo o que me impede de ser eu mesma. ”), a garota se vê perdida em um mundo de homens, onde sua única perspectiva é tornar-se mãe.

Batizada inicialmente de “Cinza” – segundo sua mãe, uma forma de proteção pois quando se é cinza nada pode machucá-la – Imani representa uma chama de resistência feminina em um país assolado pela guerra dos homens, no qual a única posição permitida para uma mulher é a de uma sombra despercebida.

“Mulheres de Cinzas” é um romance que une a densa pesquisa histórica ao mito, resultando em uma narrativa que denuncia de maneira crua o colonialismo e seus efeitos sobre a África, sem perder a prosa poética e comovente – de uma maneira que apenas Mia Couto sabe fazer.

Por Samantha Prado
sampradogp@gmail.com

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